Modelo tridimensional do coronavírus SARS-CoV-2 VISUAL SCIENCE
(Artigo primeiramente publicado na imprensa regional de todo o pais.)
Testar, testar, testar. Tem sido esta
uma das palavras de ordem enunciada repetidamente pela Organização Mundial da
Saúde. De facto, uma das formas de parar a propagação do novo coronavírus SARS-CoV-2,
causador da COVID-19, é a de detectar o mais rápido possível as pessoas
infectadas e isolá-las de forma a parar a transmissão na comunidade. Que testes
existem para o efeito? Existem pelo menos três testes para detectar a presença
do novo coronavírus. Um detecta o seu material genético, outro detecta a presença
de anticorpos que tenham sido produzidos pelo sistema imunitário de uma pessoa
infectada e um terceiro, mais recente, detecta pequenas partículas virais (por
exemplo as espículas do capsídeo proteico) que são designadas por antigénios,
por serem capazes de desencadear uma resposta imunitária no hospedeiro.
Cerca de duas semanas depois de o SARS-CoV-2
ter sido identificado pela primeira vez, na China, cientistas chineses
conseguiram mapear o código genético deste novo coronavírus. Este conhecimento,
que foi partilhado a nível mundial no prenúncio da colaboração científica sem
precedentes à escala global que se tem verificado, permitiu, quase de imediato,
desenvolver um teste de biologia molecular que permite detectar a presença de
material genético do vírus no corpo humano. Os cientistas estavam preparados
para o fazer, pois a estratégia de detecção subjacente foi sendo desenvolvida
para outros vírus há décadas, baseada na utilização da técnica bioanalítica de
PCR (sigla inglesa
para a recção em cadeia da polimerase, desenvolvida em 1983 por Kary Mullis, o que lhe valeu o prémio
Nobel em 1993).
Como
funciona este teste? Com a ajuda de uma zaragatoa apropriada, é retirada uma
amostra de secreções e células epiteliais do nariz ou da parte posterior da
garganta do suspeito. A zaragatoa com a amostra do exsudado biológico é
colocada num tudo adequado e esterilizado, que contem uma solução que evita a sua
degradação. O tubo com a amostra é de seguida enviado para um laboratório
certificado, onde será efectuado primeiramente um tratamento que inactiva os
vírus eventualmente presentes. Isto é importante para evitar que acidentes de
contaminação possam acontecer com o pessoal de laboratório. Depois, o conteúdo
da amostra é tratado com reagentes próprios que extraem o material genético que
existe no vírus (no caso do SARS-CoV-2, o material genético é constituído por
uma cadeia simples de RNA). Como o material genético existirá em pequenas
quantidades, é preciso amplificá-lo para que possa ser detectado, se
eventualmente presente. E isto é feito através da reacção em cadeia da
polimerase (PCR), um processo cíclico que pode demorar várias horas. Numa
determinada fase deste processo, é adicionado um marcador fluorescente que se
liga ao material genético. O resultado é depois analisado medindo a
fluorescência presente. Se esta tiver uma determinada intensidade significativa,
isso é indicador de que existiam coronavírus na amostra retirada da pessoa
testada e que ela está infectada com vírus activos. O teste é então dito
positivo. Ressalve-se que, como acontece em todos os testes laboratoriais, este
também apresenta uma certa incerteza, que pode chegar, segundo alguns estudos
recentes, até aos 11%. Ou seja, em 100 testes efectuados, 11 podem ser falsos
positivos ou negativos. Mas é o melhor que temos até agora a nível de testes de
biologia molecular para detectar directamente a presença do SARS-CoV-2 numa
determinada pessoa.
O segundo tipo de testes referido é
aquele que é designado por teste serológico. O objectivo deste teste é o de
tentar identificar a presença de anticorpos que tenham sido desenvolvidos pelo
sistema imunitário de uma pessoa que tenha estado infectada com o SARS-CoV-2.
Este tipo de teste é mais útil numa fase posterior da infecção, uma vez que o
sistema imunitário de uma “pessoa normal” “precisa” de cerca de 5 a 10 dias
após o contágio, para produzir anticorpos em número suficiente para poderem ser
detectados de forma quantitativa ou qualitativa. A análise neste tipo de teste
serológico é mais rápida do que a do tipo de teste descrito anteriormente, não
precisa de ser realizada num laboratório de biologia molecular, podendo gerar
resultados em cerca de menos de uma hora. São testes de diagnóstico ditos
rápidos!
Quando realizado numa amostra
representativa da população, este teste serológico pode dar informações sobre a
taxa de exposição ao vírus de uma população e, consequentemente, servir de base
para o conhecimento da evolução epidemiológica da doença e assim orientar,
científica e adequadamente, as autoridades de saúde nos seus esforços para
atenuar ou aumentar as medidas de confinamento social.
Este
teste é efectuado a partir de uma pequena amostra de sangue de uma pessoa. Os
testes são desenhados para detectarem a presença de anticorpos específicos dos
tipos IgM e IgG para o SARS-CoV-2. De uma forma muito simples, podemos dizer
que a presença de anticorpos do tipo IgM significa que a pessoa ainda se
encontra numa fase precoce da infecção, enquanto que a presença de anticorpos
do tipo IgG e ausência de IgM específicos para este coronavírus pode indicar
que a pessoa teve contacto com o vírus mas já não estará infectada. Em relação
à COVID-19, este padrão de seroconversão entre IgM e IgG ainda não está
completamente estabelecido, não se sabendo bem quanto tempo os anticoporpos do
tipo IgG permanecem no organismo e se conferem uma potencial imunidade natural
contra o SARS-CoV-2. A exactidão deste tipo de teste serológico continua a ser
estudado, estando em causa quer a sua sensibilidade em detectar pessoas
infectadas, quer a sua especificidade às estirpes circulante de SARS-CoV-2 o
que condiciona a percentagem de falsos positivos e negativos.
O
terceiro tipo de teste acima referido foi desenvolvido ainda mais recentemente
e detecta, de forma mais rápida do que o primeiro, a presença do vírus numa
pessoa eventualmente infectada. É recolhida na mesma com uma zaragatoa um
exsudado do nariz ou da parte posterior da garganta. A amostra é sujeita a um
tratamento de forma a fragmentar as proteínas dos vírus que possam estar presentes.
Os fragmentos proteicos virais resultantes são depois testados por interacção
com anticorpos monoclonais desenvolvidos especificamente para antigénios do SARS-CoV-2. Este tipo de teste pode ser realizado fora do
laboratório, por exemplo no consultório de um médico ou numa triagem
hospitalar, o resultado qualitativo (positivo ou negativo) é obtido em cerca de
15 minutos e dá a indicação de a pessoa estar, ou não, infectada com o novo
coronavírus. Apesar de ser muito mais impreciso do que o teste molecular que
identifica a presença de material genético, este tipo de teste à presença de
antigénios virais tem a vantagem da sua rapidez permitir isolar de imediato um
potencial suspeito. Um resultado positivo poderá ter de ser confirmado pelo
teste genético e não é sinal de imunidade para o SARS-CoV-2.
Estes
testes de diagnóstico rápido, menos onerosos também por não necessitarem de
laboratórios de biologia molecular e poderem ser efectuados por pessoal não
especializado, apesar de menos precisos, podem ser ferramentas essenciais e
valiosos na monitorização da exposição e circulação do vírus SARS-CoV-2 na
comunidade e permitir avaliar a tão desejada “imunidade de grupo” de uma dada
população.
Por
fim, e por agora, dizer que estes cinco meses de “convivência” pandémica com
esta nova doença permitiu-nos apreender a compreendê-la e trata-la melhor na
frente hospitalar, mesmo ainda sem medicamentos específicos e na ausência de
uma vacina eficiente e protectiva que poderá tardar a estar disponível apesar
dos enormes esforços de cooperação interlaboratorial a nível mundial.
Temos
de aprender a conviver com este vírus que, tudo indica, se tornará endémico,
veio para ficar entre nós, num equilíbrio difícil entre a prevenção pelo
princípio da precaução e o restabelecimento de uma normalidade de convivência
social. A ciência está a dar e dará respostas seguras, que os políticos
necessitam para fundamentar as suas decisões de saúde pública, mas precisa para
isso de tempo para corrigir eventuais erros e dissipar dúvidas e incertezas
inerentes ao próprio método científico. É preciso ser humilde e dizer que ainda
há muitas coisas que não sabemos sobre a COVID-19 e sobre a evolução futura da
pandemia.
Protejam-se
e protejam os outros. É que a pandemia ainda não terminou!
António
Piedade
Sem comentários:
Enviar um comentário