terça-feira, 19 de maio de 2020

"Só os bons professores podem mudar a vida de um estudante"

Numa comunicação gravada em vídeo para o El País (que pode ser ouvida e lida aqui), neste tempo de confinamento, o professor e escritor italiano Nuccio Ordine dá-nos conta de algumas reflexões sobre os temas que o preocupam, tais como a educação, a literatura, a arte, a saúde, o amor e o bem comum.

Pela importância de tais reflexões e porque elas deviam constituir uma preocupação para todos nós e, especialmente, para quem tem de tomar decisões sobre estas matérias, aqui deixamos, em tradução, alguns dos passos mais significativos:
Quero deixar aqui um grito de alarme. Inspiram-me terror os elogios que nestas semanas têm sido feitos ao virtual e ao ensino telemático. Esse é, para mim, um perigoso cavalo de Tróia que, aproveitando a pandemia, trata astutamente de derrubar os últimos baluartes da nossa intimidade e do ensino. Não falo, claro, da situação de emergência. 

Preocupa-me os que querem considerar o coronavírus como uma oportunidade para dar o tão esperado salto à frente. Afirmam que já não podemos voltar à educação tradicional ou que, teremos que imaginar uma didáctica híbrida, com algumas aulas presenciais e outras à distância.

No meio de tantas incertezas, eu fortaleci uma certeza: o contacto com os alunos na aula é o único que pode dar verdadeiro sentido ao ensino e à própria vida do docente.

Como poderei ler um texto clássico sem olhar nos olhos os meus estudantes, sem reconhecer nos seus rostos os gestos de desaprovação ou os gestos de cumplicidade?
Nenhuma plataforma digital, sublinho, nenhuma plataforma digital pode mudar a vida de um estudante. Só os bons professores podem fazê-lo.
 Por isso o preocupa a situação que observa no ensino:
Aos jovens não se lhes pede que estudem para melhorar, para fazer do conhecimento um instrumento de liberdade e de crítica, de compromisso civil. Não, pede-se-lhes que estudem para aprender um ofício e ganhar dinheiro. Perdeu-se a ideia da escola e da universidade como uma comunidade na qual se formam os futuros cidadãos que poderão exercer a sua profissão com uma forte convicção ética e um profundo sentido da solidariedade humana e do bem comum.
Estamos a esquecer que, sem a vida comunitária, sem os rituais que regulam os encontros entre professores e alunos nas aulas, não pode haver nem transmissão de saber, nem formação autêntica.

Os estudantes não são recipientes para encher de noções. São seres humanos que necessitam, como os professores, de dialogar, interagir e reconhecer-se na experiência vital de estar juntos para aprender.

Agora temos de medir eficazmente a diferença entre emergência e normalidade.

Seria inimaginável, claro, viver sem internet ou sem telefones, mas a tecnologia, como um fármaco, pode curar ou pode intoxicar. Depende das doses.
E sobre o papel da arte e da literatura lembra:
A literatura pode ensinar-nos muitas coisas sobre as consequências das enfermidades e das pandemias. Estou a ler o segundo livro da Eneida que me fez pensar na situação que estamos a viver, porque ali encontramos a cena de Eneias carregando o seu pai Anquises sobre os ombros. É um gesto fundador, porque Eneias, com o seu pai e o seu filho Ascânio, funda a civilização romana. Fundar uma civilização significa levar os antepassados sobre os ombros. 

A literatura pode ensinar-te valores imortais.
O futuro não se pode construir sem o passado.
A literatura ajuda-nos também a reflectir sobre as nossas prioridades em tempos de pandemia.
E recorda-nos o que afirmava Albert Camus:

Em tempo de pandemias, é mais fácil compreender que um mundo construído sobre a indiferença, a injustiça social e as profundas desigualdades é um mundo sem futuro. 
Ou 
... nas profundas palavras de Milan Kundera “ a luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento.

7 comentários:

Valores disse...

Confesso que vejo o ensino (básico e secundário) como uma partilha presencial de conhecimento onde o tempo se afirma num presente complexo de diversas componentes, não só científicas como sociais, assumindo particular relevo o poder das palavras, do raciocínio, dos argumentos, da comunicação, dos silêncios, dos contextos, das expressões do rosto e do olhar, entre tantas outras coisas...
De qualquer forma, não tenho tanta certeza disto em patamares mais evoluídos e muito menos de que "só os bons professores podem mudar a vida de um estudante". Ironicamente, o único professor que conseguiu que eu aprendesse verdadeiramente o sentido do sentido de ser e de estar foi alguém com quem nunca tive aulas, que mal conheço pessoalmente, mas que me levou, pela representação de mundos de simulacro, a questionar-me sobre o meu lugar nos outros, mudando as escadas do Harry Potter para sítios fantásticos de sublime e de horror, num quotidiano alternativo de fantasia e de formas simbólicas onde me pude rever em todas as perspetivas. A descoberta do "conhece-te a ti próprio" pode ser a maior aventura de todas, quando acreditamos no conto de fadas e nos deixamos ir até onde não há limite e ultrapassamos todos os medos e a arquitetura suja do falso verdadeiro. Um percurso de uma vida. Se continuo na mesma? Organicamente sim, mas a visão mudou e, por isso, o mundo mudou. Recolocou-se virtualmente no real onde me articulo passado e presente, pouco me importando com o futuro. Fez-me perguntar sem me perguntar; coexistir com todos os modelos e eu sem nenhum; equilibrar-me num fio de folha branca; silenciar-me de barulho e perceber que a pulsão de morte é o caminho do amor e que este se descodifica com um sentido obrigatório de ajuda e de misericórdia que ultrapassa qualquer dúvida, interpretação do mundo, opção política ou personalidade. O único Professor que tive foi aquele que não tive, o que me leva a ter a certeza de que as conexões mais íntimas e profundas se podem estabelecer sem presença, que a presença pode não ser propriamente objetal, mas desdobramentos, imagens, vozes, leitura, arte, ciência, referências de lugares e tempos, emoções, graus de consciência, os outros... Um bom professor talvez não seja o que está presente, mas o que expressa ou deixa expressar uma cosmogonia que valida toda a existência e toda a poética.
Um bom professor não é bom nem mau, é um deserto onde a cobra deixa a pele.

Carlos Ricardo Soares disse...

A educação e o ensino e a política e a religião não se propagam como um vírus, mas têm algumas semelhanças. Vislumbro, à primeira vista, uma diferença que me interessa: enquanto o vírus se limita a estar onde está e a ser o que é, aqueles não. Mas todos dependem de um hospedeiro.
E, em todos, mais ou menos, o hospedeiro sobrevive se e na medida em que desenvolver anticorpos.
Até pode ser uma declaração gratuita, mas a maior parte dos humanos não "sobrevive" e adoece e morre de qualquer modo, por efeito da educação, do ensino, da política e da religião. Mas é uma fatalidade, o lado mau de algo que não podemos evitar, como se morrêssemos de viver, ou vivêssemos de morrer. Se o cérebro fosse um órgão capaz de substituir a vida pela imaginação?!, mas não consegue completamente!
No paradigma da evolução foi concebido para sobreviver e ainda não evoluiu bastante. Há uma cultura e uma realidade sociológica e humana que precisa de um cérebro adaptado a descobrir a verdade.
Pedir aos alunos, aos eleitores, aos fiéis?...O que é isso? ...O que é isso?

Anónimo disse...

Ensinar apenas a "descarregar" o conhecimento que está na internet nunca poderá ser a função principal de um professor.
Quando os professores se transformam em vulgares intermediários no negócio das trocas de saberes, a sua profissão está a morrer.
Um professor, como, por exemplo, Galileu, tem de ser alguém com poder de imaginação para poder conceber experiências conceptuais, passíveis de serem passadas à prática, que mostrem aos seus semelhantes a beleza que há na compreensão do movimento relativo ou da lei da inércia. Como diria Sebastião da Gama "pelo sonho é que vamos". As máquinas não sonham!

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