segunda-feira, 17 de março de 2014
RETRATO DO UNIVERSO EM CRIANÇA
É como e vivêssemos no interior de um gigantesco forno de microondas. O nosso Universo está todo ele impregnado de uma radiação muito uniforme de microondas, cuja explicação só é dada pela teoria do Big Bang. Quando o Universo tinha cerca de 350 000 anos, que é como quem diz muito perto da origem do espaço e do tempo há 13,7 mil milhões de anos, deu-se, por todo o lado, um importantíssimo evento cósmico: a formação dos átomos. O Universo, em expansão e em arrefecimento desde o seu início, passou de uma época em que era opaco, quando a luz não passava por ser absorvida por uma multidão de partículas vadias, para uma época em que é transparente, uma vez que os átomos só absorvem certos tipos de luz. Antes os núcleos atómicos leves (não havia pesados, pois estes só se podem formar nas estrelas e não havia estrelas) e os electrões andavam numa grande vadiagem. Depois acasalaram, por ser energeticamente mais favorável estarem juntos do que estarem separados. A luz, hoje visível sob a forma de microondas, espalhou-se por todo o lado. Antes o Universo era tão quente que era completamente caótico, depois a descida de temperatura possibilitou o aparecimento da ordem atómica.
A detecção ocasional da radiação cósmica de fundo há 50 anos por Penzias e Wilson foi um grande momento da astrofísica: ficou mostrado não só que no início o Universo era mais quente, mas que o arrefecimento estava na origem da ordem. O Universo tem uma história e essa história era mais antiga do que a das galáxias, que se estão desde que existem a afastar umas das outras. Se, antes de 1964, a teoria do Big Bang era hipotética, deixou de o ser a partir daí. Depois disso, a observação da radiação cósmica de fundo foi efectuada com grande rigor, varrendo todo o céu, por satélites colocados acima da atmosfera como o COBE e o Planck. O retrato de 360 graus conseguido por essas sondas é o retrato mais antigo do céu, no sentido em que não temos maneira de observar directamente com luz o Universo antes de ter 350 000 anos. É a imagem do Universo enquanto criança.
Mas, olhando bem para o retrato, procurando com o auxílio de bons telescópios terrestres, pormenores no retrato mais antigo que se conhece é possível confirmar (ou não) suposições teóricas sobre no que se passou antes. Uma das suposições mais consensuais é a existência de um período de expansão muito rápida do Universo quando a idade deste não passava de uma pequeníssima fracção de segundo. É a chamada inflação, que permite explicar a grande uniformidade do Universo, mesmo em regiões que parecem não poderem ter estado relacionadas na história cósmica.. A era inflacionária foi um período de expansão muito rápida do Universo, um período que não demorou muito.
Acaba de ser anunciado pelo Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, que gere um telescópio de microondas situado perto do Pólo Sul, que a radiação cósmica de fundo recolhida há marcas da inflação, designadamente marcas das poderosas ondas gravitacionais do Big Bang, que a inflação permitiu expandir.
As ondas gravitacionais são uma previsão da teoria da relatividade geral que Einstein propôs em 1916, que é ainda hoje a melhor teoria da gravidade disponível. São precisos grandes abalos gravitacionais para as produzir e daí a dificuldade da detecção dessas ondas. Mas se há um evento que produziu sem dúvida ondas gravitacionais foi o Big bang, a criação do próprio espaço e tempo.
A confirmarem-se os resultados agora divulgados, passamos a dispor de mais uma prova do Big Bang - e uma prova mais remota que a formação dos átomos - e, ao mesmo tempo, uma prova da teoria da inflação, que era uma componente especulativa do Big Bang. Do ponto de vista teórico estamos em "terra desconhecida", num tempo onde uma teoria física válida tem de unir a teoria da gravitação de Einstein com a teoria quântica, fornecendo uma explicação quântica da gravidade. As marcas vêm da observação pormenorizada da polarização das microondas, isto é, dos planos de vibração das ondas electromagnéticas. A ser verdade temos, pela primeira vez, uma acesso observacional, embora indirecto, ao início do Big Bang. Ou melhor quase ao início, uma vez que o início é inacessível.
Em palestras recentes que fiz em escolas de Penafirme- Torres Vedras, Esgueira-Aveiro, S. João da Madeira e Lisboa (hoje mesmo estive no Colégio do Sagrado Coração de Maria) pude não só contar um pouco da história do cosmos, como dizer que há mais história para descobrir. Disse que se hoje sabemos mais do que ontem, amanhã saberemos mais ainda. Nem de propósito: hoje sabemos, de facto, mais com as notícias mais recentes vindas do Pólo Sul.
Na imagem: a radiação cósmica de fundo vista pelo satélite Planck.
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1 comentário:
O verdadeiro mundo não se vê na fotocópia.
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