Minha coluna "Longemira" saída no último JL:
Com dois livros muito actuais de dois
físico-matemáticos que trabalham nas fronteiras do conhecimento do Universo, a
colecção Ciência Aberta chegou ao fim
das duas centenas de títulos. Uma colecção que foi moderna logo no início, há
cerca de 30 anos, com Um pouco mais de
azul de Reeves e Cosmos de Sagan,
continua moderna trazendo-nos o Universo em primeira mão. Estou a falar de Ciclos do Tempo e Romper das Cordas, respectivamente de Penrose e Smolin.
O britânico Roger Penrose tem quase 82
anos mas continua, tal como a colecção Ciência
Aberta novo. Ciclos do Tempo, o
n.º 198 da Ciência Aberta, é o seu primeiro
livro depois do extraordinariamente volumoso e não traduzido entre nós The Road to Reality, que tentei, com
êxito apenas parcial, ler quando saiu há dez anos e eu estava a recuperar de
uma arreliadora pneumonia. A nova obra contém uma tese extraordinária, como
tinha acontecido antes com A Mente
Virtual, n.º 93 da referida colecção. A ideia desta vez é que o Universo não
é semi-eterno, isto é, eterno apenas a partir do Big Bang inicial, mas sim completamente eterno, existindo uma
sucessão infinita de Big Bangs e
prolongadas expansões cósmicas. Descansem os que se inquietam com a
possibilidade de novo mundo para breve: Há que esperar muito até ao próximo Big Bang, pois toda a matéria terá que
desaparecer para o interior de buracos negros e estes têm de se evaporar para
radiação por um processo quântico. Só num cosmos a longuíssimo prazo,
constituído apenas por fotões e gravitões insensíveis ao tempo, poderá haver,
por artes da física-matemática, o pasmo inesperado de um novo cosmos. O autor
cogitou esta saída confrontado com a sua dificuldade em entender à escala
cósmica a 2.ª lei da termodinâmica, que manda a entropia aumentar em sistemas isolados. Apesar de
Penrose escrever bem, o seu novo livro, tal como anterior, não tem leitura fácil,
por conter jargão astrofísico e alguma matemática. Não haverá entre nós muitas
pessoas que consigam entender em toda a sua amplitude a mensagem revolucionária
de Penrose. Mas, mesmo que não se perceba toda a letra (a culpa não é da
tradução, mas das subtilezas do tema), vale a pena desfrutar da música. E, tal
como eu impressionei o pessoal médico e de enfermagem com The Road to Reality, o leitor poderá impressionar os seus amigos,
andando com o novo livro de Penrose na mão. Ficarão ainda mais impressionados
do que se lhes disser que anda a ler o difícil Finnegans Wake, de Joyce,
onde os físicos foram buscar a palavra quark
talvez para mostrar aos literatos que liam literatura.
O volume seguinte da colecção, o n.º 199,
tem leitura bem mais fácil. Também contém uma tese, embora esta seja mais
metodológica. O livro O Romper das
Cordas, com o subtítulo Ascensão e queda
de uma teoria física e o futuro da Física, do canadiano Lee Smolin,
invectiva o paradigma vigente da teoria de cordas, ou supercordas, como solução
para o problema da unificação das forças legado por Einstein e,
consequentemente, para a explicação do início do Universo. Smolin, embora tenha
sido praticante do jogo da física das cordas, abandonou a modalidade, por
entender que ela não levou a avanços significativos da Física. E agora
critica-a. A teoria é demasiado matemática e abstracta e, pior do que isso, não
pode ser confrontada, como é obrigação de uma boa teoria, com a experiência ou a
observação (já agora é também esse o problema da ideia de Penrose). Pela minha
parte estou inteiramente de acordo. Causa-me uma certa impressão ver tantos
jovens brilhantes a enveredar por uma teoria onde já tantos outros falharam. Não
poderão aspirar a um Prémio Nobel, pois este é dado normalmente a físicos que
façam descobertas com conformação empírica. Não há nem vai haver aceleradores
que permitam o teste da teoria das cordas, da qual existem várias versões (a
sua unificação, a teoria M, permanece envolta em mistério: o M deve ser de
Mistério), e a sua confirmação
astrofísica parece remota. Smolin põe o dedo na ferida ao discutir a sociologia
da ciência: a congregação dos teóricos das cordas, unidos pela crença na sua
superteoria, tomaram conta dos melhores lugares da física teórica. O resultado
é a supressão de ideias alternativas, como a da gravidade quântica em loop (o mundo da Física é pequeno: esta
teoria está também associada ao nome de Penrose). Smolin, que propôs com o
português João Magueijo uma “teoria da relatividade restrita deformada”, queixa-se
que os sacerdotes do templo o consideram herético. Os tempos actuais na
astrofísica são de intenso debate, o que significa que a ciência está viva e se
recomenda. Com os dois novos livros da Ciência
Aberta, o leitor é convidado a entrar nesse debate, fazendo jus ao título
da colecção.
- Roger Penrose, Ciclos do Tempo. Uma visão nova
e extraordinária do Universo, Gradiva
- Lee Smolin, O Romper
das Cordas. Ascensão e queda de uma teoria e o
futuro da Física, Gradiva.
4 comentários:
Sabem que o Doutor Fiolhais hoje fez greve?
O livro recomendado é muito interessante pela perspectiva que dá da ciência (ao leigo ou ao entusiasta e insensato aprendiz de cientista), de dentro da ciência (e dos riscos da não conformidade, ou heresia se preferirmos, na ciência da actualidade).
E o seu epílogo, no capítulo final (20. O que podemos fazer pela ciência) resume um pouco o problema.
O Vasco da Gama viajou para a Índia para matar infiéis em vez de fazer greve.
Vamos todos embora, dar a volta ao mundo, e deixamos neste rectângulo o Carlos F. e Doutor Passos Coelho. Os dois que se entendam e chamem o ervas para lhes fazer companhia.
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