terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

«MANIFESTO PARA EDUCAÇÃO DA REPÚBLICA» - O TEMPO QUE SE PERDEU!

Novo post de Guilherme Valente:

1. Em Fevereiro de 2002 lançámos o «Manifesto para Educação da República». Há dez anos! Dez anos depois, parece começar agora a fazer-se o que, de tão óbvio, se poderia desde então ter iniciado. O tempo que se perdeu!

2.O fanatismo é uma doença do coração, da inteligência e da vontade. Que se revela e desenvolve quando o meio ambiente é favorável, como acontece com todas as doenças.

Começámos há mais de 20 anos a fazer o diagnóstico da educação e a prever os resultados do modelo imposto à escola portuguesa. Fomos, então, muito poucos, não mais de meia dúzia, e disseram tudo de nós, para nos calarem.

Distraída, a inteligência, na sua esmagadora generalidade, não se apercebeu do que estava em curso. O terreno e o tempo foram favoráveis à pandemia. O facilitismo tornou-se uma vantagem para toda a gente.

Hoje as suas consequências terríveis passaram a ser visíveis não só nas crianças pobres e desfavorecidas. Teve efeitos gerais que afectam a vida do País.

Ensinadas ou cultivadas na escola, a ignorância, a permissividade («Porquê repreender um aluno que chega mais tarde à aula? Isso é um tipo de nazismo disfarçado (…) obrigar as crianças obedecer a regras comuns (…) é reduzir o ser humano a um animal social»; ou «Uma criança que não agride é possível que esteja a desenvolver uma patologia, é uma criança em perigo"*), que prepara a violência, explodem no meio escolar e, em vez de aí serem enfrentados, são catalisados para todos os registos e manifestações da sociedade. Surgidas como reacção a um ensino repressivo e autoritarista, igualmente condenável e que deve passar a ser regido por uma autoridade compatível com a autonomia e a liberdade responsável (a verdadeira liberdade, afinal), estas teorias -- o «ensino centrado no aluno» -- centraram, afinal, as crianças e os jovens em si próprios, desvinculando-os da responsabilidade para com os outros, que alimenta a consciência moral. Para os pais, o exercício da autoridade converteu-se numa fonte de dúvidas e de sentimentos de culpabilidade.

Como prevíramos, 30 anos de eduquês tornaram o Pais mais ignorante, incompetente, egoísta, corrupto, mentiroso, violento e brutal. Uma evidência quotidiana.

3. Em Fevereiro de 2002 lançámos o «Manifesto para Educação da República». Apesar do cuidado consensual com que o elaborámos e de este ter sido subscrito, da esquerda à direita, pelo melhor da inteligência portuguesa, recebemos da Presidência da República, pela voz de uma assessora que era, então, uma das mais activas representantes do eduquês, o recado público de que o Presidente da República não subscrevia «diagnósticos catastróficos». «Catastróficos»? Hoje, se não fizesse chorar, faria rir.

Quando entregámos ao Presidente da República o texto do Manifesto – José Dias Urbano, Carlos Fiolhais, o Professor Gomes Canotilho (que honra nos deu a sua companhia!), Sousa Soares e eu próprio -- o doutor Jorge Sampaio, sempre cordial, elogiou-nos o empenho, mas disse-nos que a sua preocupação estava com as crianças mais desfavorecidas. Expliquei-lhe o óbvio: não era outra a nossa preocupação, eram elas, obviamente, as mais afectadas. E tivemos o gratificante sentimento de que a inteligência de Jorge Sampaio, descondicionada, porventura, do «bruxedo» do eduquês, que falara pela sua boca, se apercebera da nossa razão, da injustiça das palavras que nos dirigira.

Mas a verdade é que se perdeu o momento único de consenso, da grande e larga adesão ao Manifesto, para o Presidente da República mobilizar a sociedade e os partidos para a necessidade de mudança (já, então, mais do que óbvia…). Se assim tivesse acontecido Portugal não estaria hoje tão fragilizado, educativa, profissional, política, social e humanamente, para enfrentar a crise.

Guilherme Valente

* Françoise Dolto, que sustentava não dever a escola impor à criança qualquer aprendizagem que não fosse atractiva para ela (La cause des enfants, Paris, Laffont, 1985).

9 comentários:

António Bettencourt disse...

É completamente impossível que políticos desta casta soixante-huitard entendam que é precisamente um ensino rigoroso e de elite o factor que pode fazer a diferença e tirar da pobreza "as crianças mais desfavorecidas", seja lá isso o que for.

Continuam a repisar velhas máximas e chavões, a só conseguir ver a sociedade como uma luta de classes e defender o facilitismo porque, coitadinhos, "os mais desfavorecidos" não conseguem lá chegar.

Confundem igualdade de oportunidades de acesso ao ensino com facilitismo. Como os desgraçadinhos, pobrezinhos e desvalidos não conseguem, então nivela-se tudo por baixo e ficam todos felizes mas saber nada de nada e assim se constrói o país que hoje temos. E não foram precisos muitos anos para "dar cabo disto", como se vê.

No fundo, é neles que está o verdadeiro preconceito e são eles que desrespeitam estas pessoas ao considerar que pobreza e falta de inteligência andam a par.

Não vale a pena tentar argumentar contra anos e anos de intoxicação socilógico-pedagogista. Os resultados estão à vista e os responsáveis por este estado de coisas, como sempre em Portugal, ficarão impunes e ufanos da sua grande obra.

José Batista da Ascenção disse...

Fomos muitos a assinar com esperança aquele

manifesto.

Depois foi o que se viu: nada!

Sempre achei o Dr Sampaio uma pessoa simpática

e educada. Mas, tanto ele, como o seu irmão,

por razões diversas, não conseguiram dar à

educação no nosso país o contributo que

muitos, como eu, esperavam deles.

Foram uma deceção. Não são culpados. Não.

Mas são enormemente responsáveis. São.

Como quase todos nós. Mesmo aqueles,

entre os quais me conto, que "gritaram"

o que puderam.

Porque, das duas uma: ou não "gritámos" o

suficiente ou não era a "gritar" que o

problema se resolvia.

Luís Ferreira disse...

«Como prevíramos, 30 anos de eduquês tornaram o Pais mais ignorante, incompetente, egoísta, corrupto, mentiroso, violento e brutal. Uma evidência quotidiana.»

Não sou fã do Dr. Pangloss nem do pessimismo do Dr. Hartmann. Convenhamos: este tipo de afirmação não esclarece nada! E começo a duvidar da capacidade ou da honestidade intelectual de tais pessoas!

Ora vejamos: ignorância, incompetência, egoísmo, corrupção, mentira, violência, brutalidade… Tenho 45 anos. A minha geração é a mais formada da história do país. Ponto. Quantitativamente e qualitativamente. Vejam os números, vejam a qualidade dos cientistas, artistas e empreendedores portugueses da minha geração. Com um ligeiro esforço de memória passo em revista os políticos e muitas outras figuras públicas portuguesas dos anos 80, 90 e da primeira década do séc. XXI (aqueles que sempre dominaram o aparelho de estado, os partidos, a administração pública…) e consigo ver, claramente, os substantivos acima listados incorporados nas qualidades destas figuras. Ah! Não deve interessar para alguns senhores o facto de que foram personalidades educadas num tempo em que ainda não havia eduquês… Como foi possível um sistema de ensino baseado no rigor, no mérito, na exigência, etc, produzir dois secretários de estado da cultura como Sousa Lara e Santana Lopes? Um primeiro-ministro como Guterres? Um conselheiro de estado como Dias Loureiro? Um deputado como Duarte Lima? Um presidente de câmara como Isaltino Morais? E tantos outros, meu deus, educados nos melhores colégios e formados na melhor doutrina cristã!

Esta reificação do “eduquês” e do “anti-eduquês” – afinal o que é que isto significa? – não esclarece ninguém, não é ponto de partida para acção alguma. Esta insistência numa visão unidimensional dos problemas da escola pública é aquilo que vai acabar por destruí-la por completo nas mãos dos mesmos imbecis de sempre. O corolário desta ingenuidade indesculpável é a ilusão que uma reforma da escola resolverá os problemas da sociedade portuguesa. Erro crasso da mais básica ignorância dos modelos sociológicos da mudança social. E com a insistência pouco crítica neste fandango de “eduqueses” e “exigentistas”, perderemos a possibilidade reformar a escola e transformar a sociedade. Vou emigrar.

Dúvida Metódica disse...

Sou professora do ensino secundário e concordo com a análise do Guilherme Valente. Julgo que seria bom que mais professores, em vez de se lamentarem nos intervalos com os colegas na sala dos professores, assumissem publicamente as dificuldades com que experimentam no desempenho da sua profissão. Se não o fizerem, vai parecer que está tudo bem e não está.

O meu testemunho pode ser lido em

http://duvida-metodica.blogspot.com/2012/02/tempo-perdido.html

Dúvida metódica disse...

No comentário que fiz deve ler-se "as dificuldades que experimentam". Peço desculpa pelo lapso linguístico.

Para a Posteridade e mais Além disse...

uma elegia ao sampaio errado...
é uma educação feita de discursos vazios e de boas intenções
lembra-me o cabeça de abóbora e o Veiga Simão...já o Saraiva tentou fazer alguma coisa
ele e o Agostinho Campos foram talvez os únicos nestes últimos 106 anos que tentaram mudar algo...e falharam

Luís Ferreira disse...

http://www3.uma.pt/jesussousa/Publicacoes/30Omanifestoparaaeducacaodarepublica.PDF

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Ex.mo Sr. Dr. Guilherme Valente,

No seu último post aqui no DRN, instiguei o Dr. Guilherme Valente a publicar os compêndios de Matemática do Prof. Sebastião e Silva.

Quero informa-lo agora, que esses compêndios publicados pelas Edições GEP (raríssimos) tem sido vendidos num site de leilões pelo valor de € 80 (quatro livros). Tal é sintomático do interesse pela Obra.

Deixo-lhe pois esta informação, ao Editor a para julgar do interesse, considerando sobretudo o valor da Obra.

Aceite os cumprimentos cordiais,

José Batista da Ascenção disse...

Olha, parece que alguém ficou incomodado

com o "vazio" do comentário que fiz acima.

Folgo em admitir que o incómodo não derivou

da expressão de uma opinião frontal, decente

e livre.

Para encerrar, que o assunto não merece, direi

que há (mais) vida para além da generalidade

dos acontecimentos. Só que pode não ser igual

para todos.

Caso daqueles (muitos) que não puderam proteger-se

da ação dos protagonistas do "eduquês". Com a

(maior ou menor) participação de diletos (e

diretos) colaboradores.

Pedir-lhes que assumam responsabilidades?

Ora, abóbora!

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