domingo, 5 de fevereiro de 2012
Discriminação de alunos
Como post convidado, chegou-nos este texto de Maria Elvira Callapez, professora na Universidade Lusófona, saído antes no Jornal do Gil:
Actualmente, as salas de aulas são povoadas por pessoas de diferentes culturas, línguas, conhecimentos e capacidades cognitivas. Perante tal diversidade, o que se pode fazer ou o que têm feito as escolas para implementar um ensino diferenciado de forma a satisfazer as necessidades dos alunos, nomeadamente, daqueles que melhor desempenho intelectual manifestam?
Verifica-se que, na generalidade, para os alunos mais dotados, as aulas regulares não são estimulantes. Por que motivo os alunos, dentro de uma sala de aula, são tratados de igual maneira? o que fazer aos alunos que estão intelectualmente mais avançados do que os seus colegas, do que o curriculum, do que os manuais adoptados e, algumas vezes, do que os professores? serão os piores alunos, a prioridade das escolas? que percentagem de bons alunos merece a atenção dos professores? que aproveitamento se tem feito do potencial destes alunos?
Normalmente os alunos com maiores dificuldades de aprendizagem recebem mais atenção e cuidados. Tal como estes, os alunos com maior capacidade deveriam receber uma atenção equivalente de forma a explorar os seus conhecimentos prévios, interesses e capacidade de utilizar conhecimentos em situações novas, ou seja, de modo a elevar os seus níveis de realização. Que custos e ganhos poderão advir destas estratégias?
O bom senso/profissionalismo recomenda que nas salas de aula se tente responder às diferenças individuais, tais como conhecimento prévio, interesses, estilos de aprendizagem, nível de envolvimento. Mas a prática mostra que tal estratégia está longe de ser justa e real pois dificilmente se realiza um ensino diferenciado na mesma aula. O tratamento dado aos bons é igual ao dado aos menos bons, ou seja não se apoia uns nem outros como seria desejável. A classe heterogénea de alunos não é tratada de forma óptima.
Parece ser difícil focar a nossa atenção, de igual forma, sobre todos os alunos, sem ter em consideração os seus níveis de desempenho. Há que reconhecer que os bons alunos evidenciam uma boa base de conhecimentos e que as matérias apreendidas trivialmente não são estimulantes. Precisam de uma motivação intelectual que contribua para o aprofundamento do seu conhecimento, permitindo-lhes fazer uso dos seus talentos e aptidões. Para estes alunos, os professores têm obrigação, por exemplo, de desenvolver conteúdos/actividades orientadas para a “exploração” do seu pensamento crítico, tentando libertar-se das limitações ou tirania do programa que têm de cumprir. Esta filosofia de actuação, bem mais exigente para os professores, ajudará a levantar o tecto educacional dos alunos que, ao enriquecer o seu ambiente de aprendizagem, promove o seu desenvolvimento intelectual e crescimento académico. Os melhores alunos interiorizam mais profundamente os seus conhecimentos pelo que estão preparados para pensar, usando a lógica e o raciocínio de forma a perceber e gerar novos pontos de vista.
Diferenciar as competências de pensamento crítico é uma das mais importantes “avenidas” para os professores envolverem e desafiarem os alunos mais brilhantes. O pensamento crítico é uma competência essencial da nossa vida e um elemento chave num curriculum rigoroso, pois este não se centra apenas em factos e tarefas.
Se os ganhos alcançados pelos “maus” alunos forem os únicos indicadores de sucesso, então teremos que enfrentar grandes desafios e preocupações nos próximos anos. Para evitar tamanhas inquietações, os educadores deveriam entender as necessidades dos alunos melhores, mais dotados, evitar a inibição da sua aprendizagem e providenciar um curriculum com a complexidade adequada ao nível das suas competências. A título de exemplo, os manuais adoptados deveriam conter, além de um programa mínimo, matérias e actividades facultativas, orientadas para alunos mais dotados. A avaliação seria, para todos, sobre o programa mínimo. Daqui poderia nascer um ambiente propício ao desenvolvimento de alunos dotados de pensamento crítico, argumentativo e profundo.
Diferenciar objectivos para alunos, de acordo com as suas aptidões, produziria, seguramente, resultados positivos nesse grupo. É claro que não é confortável lidar com a ideia de ter de escolher um grupo de alunos e dar-lhe tratamento especial, mas há que assumir e reflectir que diferenciar curricula e ver os “bons” alunos com novas lentes pode ser um bom trampolim para uma discriminação positiva!
Maria Elvira Callapez
Dezembro 2011
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14 comentários:
Muito bom texto e bastante corajoso também...
O nivelamento por baixo vem a muito destruindo a educação no Brasil e me parece que em Portugal também... estamos vivendo na era do patrulhamento politicamente correto onde a meritocracia é tida como discriminação, numa total inversão de valores...
Um texto desses deve causar escândalo em os amantes do pedagogismo...
É, as escolas parecem cada vez mais um quartel militar, tanto para alunos como para docentes.
O texto é muito pertinente, sim.
Porque há bons alunos para quem as aulas
são necessariamente entediantes. Por mim,
tenho "dourado a pílula" convencendo-os de
que se ouvirem muitas vezes a repetição do
que é mais básico (necessário para os outros)
aliviam ou dispensam o trabalho de casa. O que
alguns aceitam sem brilho nos olhos.
Porém, algum sinal tem que vir de cima, porque,
se avanço para além do que o programa estipula
não estou livre de que me acusem disso mesmo.
Imagine-se um aluno sem resultados a acusar
o professor de se dedicar a matérias para
lá do programa!...
Ora, broncas já as escolas têm que chegue.
Agora, procuro que se faça sempre uma festa
na sala de aula quando algum aluno rasga em
frente e traz (faz) música para os meus ouvidos.
E aí já não fui eu a trazer o motivo à liça,
permiti apenas que o(s) aluno(s) fosse(m) mais
longe...
Mas, a escola tipo "quartel militar" não quer
devaneios. E atenção à "avaliaçãozinha"...
Permitam-me que relate um caso pessoal, mas que é exemplificativo do desajuste do nosso ensino e de como esquecemos os alunos que querem ir mais além.
Tenho um filho que está no 12.º ano. Segundo os professores, tem sido sempre exemplar, quer como aluno, quer como pessoa. Sempre recebi as melhores informações por parte dos professores. Como ele, há mais na turma - todos alunos de 19 e 20 que vibram com o conhecimento e os desafios. Quanto mais exigem deles, mais se entusiasmam. Pela 1.ª vez em 12 anos, recebi queixas de "mau comportamento". Conversas inapropriadas na aula? Brincadeiras? Falta de educação? Nada disso. Ele e outros pecam por fervilhar com a Matemática, a Física e a Química. Foi-me explicado que, enquanto eles resolvem exercícios em poucos minutos, outros precisam de 10/15. Enquanto isso, que pecado cometem os outros? Discutem resultados; baixinho, é certo, mas são muitos a discuti-los. Vibram na discussão sobre o modo diferente como chegam a certos resultados, etc. E isso gera um burburinho insuportável para os professores. Devem, ao fim de 3/4 minutos, pacientar mais 10, calados e quietos, sem nada fazerem e nada dizerem, aguardando em silêncio e imóveis pela correcção. Falo de alunos muito interessados e humanamente muito bem formados, que sabem o respeito que devem aos professores e ao cumprimento de regras. Por isso, foi absurdo ouvir certos nomes numa reunião onde foram apontados os de comportamento reprovável. O "núcleo duro", como lhe foi chamado. A turma é grande e muito heterogénea. Não haverá possibilidade de compatibilizar os ritmos tão diversos. Ao meu filho, que manda vir livros do estrangeiro para se desenvolver porque não chega o que aprende na escola, tive de lhe dizer para refrear o seu entusiasmo. Respondeu-me: "Desculpa, mãe. É que nós fervilhamos e apendemos tanto uns com os outros. As discussões são muito estimulantes. Agora vamos tentar calar-nos e trocamos apenas os cadernos enquanto esperamos." Triste.
Não me revolto contra os professores. Compreendo o problema. Como professora, toda a pressão que é feita sobre mim é para recuperar não apenas os alunos que têm dificuldades, mas também os que não querem, mas não querem mesmo aprender. E os que têm dificuldades precisam de mais tempo e de mais atenção. Apenas fico triste e considero isso profundamente injusto e preocupante. Isso não é um ensino que estimule a qualidade. Não vamos lá assim.
Atenciosamente,
Alice
No Reino Unido não há turmas estáticas como cá. Os alunos são divididos em turmas de nível, disciplina a disciplina. Quem fica com as turmas de topo pode puxar pelos alunos com toda a força que tiver. Os outros já sabem que têm de adequar e esperar mais um bocado pelos seus alunos.
Obviamente que não é um processo fácil, e mesmo em termos de organização escolar seria um choque tremendo mas que tem as suas vantagens, isso tem...
Ex.ma Srª Professora Maria Elvira Callapez;
Quem quer que tenha lido, como eu fiz recentemente, o livro O Desenvolvimento da Personalidade de C.G. Jung, - onde encontra uma teoria bem estruturada e fundamentada, bem contrária ao que ao texto «avulso» deste seu post - não hesitará em classificá-lo de “A Ciência do Culto da Carga” de que nos fala R. Feynman.
Com a gravidade de - e a julgar pelos comentários que já estão neste post - haver lugar a conclusões talvez precipitadas e interpretações não correctas da realidade.
Cito parte do texto do livro de Jung.
“O facto de alguém estar muito avançado provoca sempre castigo ou surra; e, se não for do professor, será do destino, mas em geral ambos se encarregam disso. O talentoso procederá correctamente acostumando-se ao fato de que saber mais tem por consequência uma situação excepcional com todos os riscos, principalmente o da consciência mais aguda de si mesmo. Como defesa contra isso existe apenas a humildade e a obediência, e mesmo assim isto nem sempre ajuda.
Parece-me, pois, ser o melhor para as crianças talentosas que sejam educadas em classes normais com as outras crianças, porque se forem colocadas em classes especiais, isso acentuará ainda mais a situação excepcional em que se acham. Além disso a escola já é uma parte do vasto mundo e já encerra em escala menor todos aqueles factores que a criança encontrará mais tarde na vida e com os quais terá de haver-se. Pelo menos uma parte dessa adaptação pode e deve ser aprendida na escola. Um ou outro esbarro não é nenhuma catástrofe.”
Cordialmente.
Caro José Santos,
Não devemos estabelecer conclusões fáceis, em assuntos que não são lineares,e são até complexos, tal é, a realidade e cultura do Reino Unido e o seu sistema de ensino, bem diversa da nossa. Além do mais, o que serve aos Ingleses, pode não servir ao restante da Humanidade, não se esqueça que eles ainda circulam pela esquerda,..., e serve, mas só a eles.
Na questão do ensino, penso que todas as pessoas são bem intencionadas, mas isso não chega. Numa sala de aula com cerca de 30 alunos, com a motivação comum da falta de espaço, apesar de aceitarem que os pais e os adultos os colocam ali fechados para o seu próprio bem, um professor terá de trazer para dentro da aula os neurónios dos que voam noutras direcções, terá de interessar os que não estão interessados, terá que ensinar todos, terá que ajudar os que têm um ritmo mais lento, terá de socorrer os que cognitivamente não percebem, terá de ir mais longe para responder aos alunos mais avançados... mas afinal o professor é um ser humano ou uma máquina? Com todas as boas intenções do mundo, por favor, sejamos realistas!
HR
A leitura deste texto reflete algumas das questões que estiveram na génese do Projeto Fénix. Pela sua pertinência, vamos publicá-lo na nossa página:
http://www.facebook.com/FenixMaisSucesso
"Diferenciar objectivos para alunos, de acordo com as suas aptidões, produziria, seguramente, resultados positivos nesse grupo. É claro que não é confortável lidar com a ideia de ter de escolher um grupo de alunos e dar-lhe tratamento especial, mas há que assumir e reflectir que diferenciar curricula e ver os “bons” alunos com novas lentes pode ser um bom trampolim para uma discriminação positiva!"
Subscrevo esta perspectiva.
Caro Joaquim Manuel Ildefonso Dias,
O tom profético da citação, corroborado pelo uso do futuro do indicativo e por expressões superlativas como "parece-me, pois, ser o melhor para as crianças..." revela uma visão dogmática. Ora, a educação é um espaço de debate por excelência e não se coaduna com posições restritivas.
Cordialmente,
Alexandra Caetano
Cara, Alexandra Caetano;
Olhe que é Convicção.
É a convicção do cientista C.G. Jung, apoiada em experiencias e num profundo conhecimento da vida e do ser humano, portanto com verdade dos factos. A citação que apresento é precedida de um episódio marcante na vida da criança C.G. Jung.
O cientista C.G. Jung compreende mais tarde, - que nesse episodio, o Professor, foi como que um instrumento do destino – “(…) Foi ele o primeiro a me fazer saborear que os presentes dos deuses têm sempre dois lados, um claro e outro escuro.” (Nota: aqui o autor chama presentes dos deuses, ao talento.)
E Digo-lhe mais, digo-lhe que a convicção não seria convicção - e então sim, seria dogma - se não houvesse espaço para dúvidas; e essas dúvidas, que a Srª Alexandra Caetano, erradamente chama dogma - estão explicitas, creio bem, na citação e em todo o texto.
Cordialmente,
Caro Joaquim Manuel Ildefonso Dias,
Muito obrigada pela sua resposta. Mas, como concilia a "convicção" com a "dúvida"?
Cordialmente,
Alexandra Caetano
Cara Alexandra Caetano,
Faça sempre como Bento de Jesus Caraça; tome a sua atitude, e caminhe no desconhecido.
Cito:
“Se não receio o erro, é porque estou sempre disposto a corrigi-lo”
Cordialmente.
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