Nova crónica saída no "Diário de Coimbra":
É já uma longa história a do mapeamento do genoma humano, a da cartografia dos genes nas extensas molécula de DNA que arquitectam os 23 pares de cromossomas que formam o nosso cariótipo. E, contudo, ainda mal passaram dez anos sobre as primeiras publicações nas revistas Nature e Science, em meados de Fevereiro de 2001, nas quais foram apresentados rascunhos, aqui e ali ainda muito pouco definidos e incompletos, da eucromatina (a porção do genoma “rica” em genes) e da heterocromatina (restante parte do genoma, aparentemente pobre em genes, mas com importância estrutural e reguladora).
Muitos investigadores avisaram então que, apesar do feito constituir o finalizar de uma enorme tarefa, só estávamos a iniciar uma nova etapa da longa caminhada em compreender as relações entre genótipo e fenótipo, que tornam cada ser humano único, apesar do seu desenvolvimento ontológico seguir um mesmo plano comum e característico à espécie humana, mas gerador de diversidade.
Se, por um lado, o Projecto do Genoma Humano abriu novos janelas para o entendimento de como o genoma se expressa e se torna funcional num proteoma estruturante de um fenotipo modelado por determinado ambiente e história do desenvolvimento da cada ser humano, por outro lado, a base de amostragem da população que foi utilizada para os estudos era, à partida, pouco representativa da sua própria diversidade. Relembre-se que a “versão” do Consórcio do Genoma Humano é um compósito derivado de amostras haplóides (só com 23 cromossomas) de numerosos dadores, enquanto a “versão” da empresa Celera Genomics resultou numa sequência consensual derivada dos genomas de cinco indivíduos.
Apesar de os genomas de dois quaisquer seres humanos diferirem entre si em menos de 1%, é exactamente nestes detalhes de variabilidade que se encontram os polimorfismos de único nucleótido, variações de uma única base por outra em determinados genes hoje seguramente associados a doenças ou a características metabólicas que podem potenciar o desenvolvimento de distúrbios funcionais em determinados contextos de vida. E os cientistas sabem que para mapear essa variabilidade nos genomas humanos, com significado estatístico útil a uma medicina e à , é necessário sequenciar milhares de genomas completos de indivíduos humanos, de diferentes proveniências
E quantos genomas humanos inteiros é que já foram sequenciados? Só em 2007 é que foi descrita e publicada a primeira sequência completa e diploide(46 cromossomas) de um único individuo, no caso, o do cientista Craig Venter, fundador da Celera Genomics. No ano seguinte, 2008, foi a vez do genoma de James Watson, descobridor da estrutura e dupla hélice para o ADN, ter sido sequenciado pelo consórcio público do genoma humano (aqui). Seguiu-se a sequenciação de um indivíduo da tribo Yoruba, na Nigéria (aqui), de um asiático (aqui) e de um coreano (aqui).
A tecnologia derivada do conhecimento adquirido com o Projecto do Genoma Humano permitiu o desenvolvimento de sequenciadores mais rápidos e robustos. O próprio desenvolvimento paralelo dos hardwares informáticos ampliou a capacidade de cálculo, essencial para a comparação de extensas bases de dados. Hoje, os sequenciadores de ADN são cerca de 50 mil vezes mais rápidos do que então e os algoritmos de analise desenvolvidos permitem melhores decisões na identificação e validação das diferenças encontradas nos genomas sequenciados
Entretanto, em 2008 é iniciado o Projecto 1000 Genomas com o objectivo de criar uma base de dados pública do polimorfismo humano, um catálogo funcional da variabilidade genética na nossa espécie. Este projecto público resulta de uma colaboração em consórcio entre 78 universidades, companhias privadas e grupos de investigação sediados nos Estados Unidos da América, Reino Unido, Alemanha e China. Uma das metas iniciais do Projecto 1000 Genomas era a de efectuar três estudos pilotos para estabelecer e validar metodologias robustas de sequenciação e comparação da variabilidade genética humana. Os resultados destes estudos-piloto foram apresentados em vários artigos publicados no final do passado mês de Outubro na revista Nature.
Merecendo este assunto mais espaço que o realce em crónicas futuras, adiante-se desde já que nesta primeira fase foram analisados o ADN “inteiro” de 179 pessoas, assim como os genes que codificam proteínas em genomas de 679 voluntários com origem europeia, do oeste da África e do leste da Ásia. Ao todo foram analisadas 4,5 "terabases" de ADN (1 tera = 1 x 10 ^12, 1 seguido de doze zeros)! Refira-se que num único genoma humano existem cerca de 3 x 10^6 das quatro bases azotadas guanina, adenina, citosina e timina.
António Piedade
António Piedade
Sem comentários:
Enviar um comentário