sábado, 6 de novembro de 2010

Liga...

Tente o leitor resolver o seguinte exercício de um manual de Língua Portuguesa para o 3.º ano de escolaridade:
Trata-se dum tipo de exercício em que as crianças (de oito anos) devem estabelecer a ligação entre um item da primeira coluna e um item da segunda coluna.

Na apresentação deste exercício, em concreto, não consta qualquer indicação de que pode haver três ligações dessa ordem e uma ligação entre os quatro itens da primeira coluna (pinheiros, sobreiros, eucaliptos e castanheiros) e um só item da segunda coluna (madeira).

Assim, as crianças, deduzem, como hoje vi deduzirem, que só o pinheiro dá madeira.

Mas também podiam deduzir que um produto directo do eucalipto era a pasta de papel...

9 comentários:

joão boaventura disse...

A criança pode não saber tudo mas de outiva que há móveis construídos com pinho que associação a pinheiro que dá madeira.

E aqui pode ser o jogo da exclusão por partes, considerando que castanheiro e castanha têm a mesma etimologia=sons parecidos ou similares.

Depois, não há professor no ensino primário que não fale no sobreiro a dar cortiça, e de outiva alcançar os protestos que muitas vezes se captam por causa do derrube dos sobreiros.

Solucionadas e excluídas estas estas, agora é fácil concluir que o eucalipto dá a pasta para o papel.

E também por exclusão de partes, sei que não tenho oito anos, o que me põe numa situação falsa.

paulocosta disse...

Troque as colunas.

Carlos Albuquerque disse...

João

O raciocínio que faz é possivelmente aquele que os autores esperam. E pensando assim acaba-se por fazer o exercício.

Mas a questão deve ser colocada de outra forma: qual o objectivo de um problema destes?

Ao tratar certas ligações como privilegiadas, apenas porque serão eventualmente mais frequentes, e ao ignorar as restantes, estamos a desenvolver o espírito crítico e a capacidade de descobrir relações ou estamos a sublinhar que só as ligações óbvias do senso comum devem ser consideradas?

Além do mais, como a Helena sugere, do lado direito aparecem ao mesmo nível os frutos (castanhas), os materiais que se extraem (madeira, cortiça) e produtos fabricados a partir das árvores (pasta de papel).

Estes exercícios podem ser um pesadelo para um aluno inteligente. São tanto mais simples quanto menos se pensar e mais se seguir o senso comum mais básico.

As nossas escolas têm que conseguir fazer melhor do que isto.

Anónimo disse...

Criancices... de gente adulta! JCN

José Batista da Ascenção disse...

De exercícios tão "brilhantes" como este está a generalidade dos manuais cheia, independentemente das disciplinas e das respectivas áreas.
Como foi dito, há alunos inteligentes que manifestam um legítimo fastio e, por vezes, alguma revolta, com exercícios deste tipo. Que não é a único, longe disso... Há mesmo modos de perguntar que são autênticos hinos de estupidez. É por exemplo o que acontece com muitas perguntas dos exames de biologia e geologia do ensino secundário. Mas não se deve falar nisto. Nem da extensão dos ditos exames, que chegam a estender-se por 16 páginas! O que constitui também, para além do resto, uma mosntruosidade ecológica.
Para saber se um aluno sabe, e sabe raciocinar, não são precisos tais contorcionismos docimológicos nem escandalosos desperdícios de energia e recursos.
Sem qualquer benefício visível, senão o de dar emprego a umas quantas pessoas...

Anónimo disse...

O grande problema são as deduções erradas que o exercício permite e que as crianças inferem, porque não são estúpidas! (apesar de o sistema, com o tempo, conseguir o milagre de assim as tornar).

Exemplos destes são já a regra, encontrar um instrumento de trabalho escolar com poucos erros científicos e/ou pedagógicos é um achado que já não se acha.

Já algúem olhou para o novo programa de português???

Para quem não está no meio - entre os professores há que distinguir os que têm uma formação científica sólida e uma conduta ética universal e os que não têm nem uma nem outra, sendo que estes últimos estão a ocupar cargos de coordenação, direcção e afins, com o conivência dos Encarregados de Educação que, exaustos, querem apenas que a escola onde depositam os filhos não lhes traga mais cansaço ainda. O resultado é uma praxis invertida em que "contra argumentos não há factos".

O resultado final é hediondo: domesticam-se crianças e adolescentes, retirando-lhes o direito (e o gosto) ao conhecimento, e bestializam-se adultos, retirando-lhes o direito à racionalidade no seu trabalho.

É preciso continuar a denunciar estas e outras situações fora das escolas, pois dentro delas já não é possível.
HR

joão boaventura disse...

Caro Carlos

Não acredito - e sei do que falo - que os livros do 3º ano de escolaridade, só têm exercícios do teor que a Professora Helena Damião apresentou.

Há exercícios de outro teor, e é bom não esquecer que a variedade colocada em exercícios de diversa construção e configuração motiva mais os alunos.

O exemplo apresentado é um deles, e não podemos avaliar o conteúdo por um exemplo isolado, por precário que pareça.

Agora, se me diz que são páginas e páginas com esta tipologia de exercício... então o aluno adormece e aborrece a escola.

Carlos Albuquerque disse...

Caro João

Ninguém por aqui disse que só tinham exercícios deste teor. O que se discute é se exercícios deste teor deveriam existir ou não.

Penso que não. Exercícios deste teor são contraproducentes. Se a variedade pode ser positiva, não incluo nessa variedade exercícios mal construídos, errados, que conduzem a uma confusão desnecessária ou mesmo a ideias erradas.

Rolando Almeida disse...

A crítica pública de manuais deve existir de forma pacífica. E é bom mencionar quais os manuais que apresentam erros.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...