“Pois a opinião impõe-se como as posturas da Câmara Municipal? Pois haverá cartilha para as nossas opiniões históricas?” (Eça de Queiroz, 1845-1900).
De um anónimo, recebi um comentário ao meu post de ontem, “José Hermano Saraiva ‘versus’ José Saramago”, que, no essencial, dizia: “José Hermano Saraiva é tanto historiador como eu sou padre ou médico”. E apresentava, como razão, os factos de a historiografia só ter dado os primeiros vagidos em Portugal depois de 25 de Abril e de José Hermano Saraiva ser um pobre diabo, ou mesmo um enjeitado dessa ciência.
Com a isenção de não ser atingido nos meus brios profissionais de historiador, que não sou, “nem padre ou médico”, naquele meu post tive José Hermano Saraiva como historiador. Atrevimento o meu. Imperdoável atrevimento o meu, repito! Para me libertar de uma nódoa que podia alastrar como gordura em fato novo, nada como procurar em fontes fidedignas o significado da palavra historiador. Assim: 1) “Historiador aquele que faz pesquisa, que escreve acerca da história” (“Grande Enciclopédia Portuguesa-Brasileira”, tomo III, p.297); 2) “Que ou aquele que se especializou em ou que escreve sobre história” (“Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”, p. 4.428).
Indultado da acusação de não ser conhecedor do uso de simples palavras correntes (por não ler os dicionários com a avidez com que os jovens e as jovens de tempos idos devoravam os livros de Emílio Salgari ou de Corin Tellado?), parti mais afoito para a consulta de alguns dados biográficos de José Hermano Saraiva sem ser o das histórias contadas por qualquer avô a seus netos em noites de inverno aquecidas pelas lareiras. Deparei-me com sete Orações Académicas, proferidas depois de 1976, ou seja, sem serem escoradas por um cargo ministerial, editadas pela Academia de Ciências de Lisboa da qual é membro. E já que falo de instituições culturais a que pertence, acrescento os nomes da Academia Portuguesa de História, da Academia da Marinha e Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (Brasil). Desobrigo-me, por ter como desnecessário ou mesmo fastidioso para o leitor, de enumerar as várias obras de que é autor, como, por exemplo, os três volumes da ”História de Portugal” (1981).
Tendo enviado ao Prof. José Hermano Saraiva o meu artigo de opinião saído no Diário de Coimbra e transcrito neste blogue com o título (intencionalmente) polémico, “José Hermano Saraiva ‘versus’ José Saramago”, recebi em tempos uma carta sua que publiquei, devidamente autorizado, no meu livro “O Leito de Procusta – crónicas sobre o sistema educativo” (edição do SNPL, 2005, p. 103). Transcrevo-a integralmente como prova de uma missiva escrita com uma evidente desilusão, mas polvilhada, aqui e ali, de fina ironia:
“Meu querido e antigo aluno,
Recebi a sua carta com o recorte do jornal Diário de Coimbra. Agradeço-lhe muito as palavras tão amigas que usa a meu respeito. Não sabia do artigo do Dr. Acácio Barradas, mas não me surpreende. Conheço a pessoa e sei que não fez aquilo por mal. É incapaz de fazer melhor. Fiquei particularmente enternecido com a recordação dos tempos da minha juventude em que com tanto entusiasmo tentava iniciar os meu jovens amigos na inteligência da História.
Quero ainda dizer-lhe que concordo inteiramente com o seu “P.S.”*. Como advogado defendi muitas dezenas de presos políticos no Tribunal Plenário de Lisboa. A discordância vi-a na frase “não haver machado que corte a raiz ao pensamento”. Infelizmente há. As fogueiras da Inquisição ainda hoje fazem sentir o seu efeito exterminador, e a prova é que em 1974 as cinzas reacenderam-se e provocaram um novo “auto de fé”. Passados 30 anos ainda há quem ache isso bem.
Não julgue que estou com isto a censurar os pontos de vista do meu colega Dr. Acácio Barradas. Desde os astrónomos gregos, sabemos que o mundo é redondo e que o círculo tem 360 graus. Os meus antípodas têm tanto direito de pensar como eu.
Envia-lhe um abraço comovido e de grande amizade o seu amigo de sempre.
Lisboa,29 de Setembro de 2005.
José Hermano Saraiva”.
*Transcrevo o referido “post scriptum”: “Para evitar especulações de deturpações de intenções, desde já, declaro que abomino qualquer tipo de prisões por motivos políticos desde que não atentem contra a vida de pessoas inocentes ou de mordaça de regimes totalitários à liberdade de expressão que acaba por não vingar porque, nos versos de Carlos de Oliveira, “não há machado que corte a raiz ao pensamento” (in “O Historiador José Hermano Saraiva").
Bem sei que António Lobo Antunes, um simples exemplo, não foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura. Isso impede-me (ou a alguém com dois dedos de testa) de o considerar um escritor? De igual modo, independentemente, do muito ou pouco valor de historiador de José Hermano Saraiva (que algumas pessoas ousam pôr em causa, no direito que têm a uma opinião própria), deve impedir-me de o ter como historiador? Esta é uma questão menor, porque se trata de opiniões meramente pessoais, repito. E as opiniões valem o que valem, mas ,como diria Antero, como em tudo na vida, deve prevalecer o “soberaníssimo bom senso”.
33 comentários:
Cito:
«Assim: 1) “Historiador aquele que faz pesquisa, que escreve acerca da história” (“Grande Enciclopédia Portuguesa-Brasileira”, tomo III, p.297); 2) “Que ou aquele que se especializou em ou que escreve sobre história” (“Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”, p. 4.428).»
E penso: tantos Historiadores tem este país. E penso mais: se a qualidade de Historiador se faz pela escrita, a possibilidade de existirem mais médicos, engenheiros, arquitectos é muito maior do que aquela que as Universidades ratificam.
Qualquer um pode ser historiador, mas se eu abrir um consultório e exercer a actividade de médico sem efectivamente possuir uma habilitação académica para tal, posso sofrer sanções.
E isso é que é frustrante para um Historiador (com formação académica).
Que entende vossemecê por formação académica? JCN
A historiografia já existia antes do 25 de Abril, a história com método científico é que só chegou após o 25 de Abril e é desse que José Hermano Saraiva se encontra ausente.
É um erudito, não um historiador!
Nuno:
Tem razão, infelizmente não existe uma entidade que regule as profissões das ciências sociais e humanas.
Há por ai muitos pseudo-historiadores, que escrevem sem rigor, método e isenção.
Não é que o José Hermano Saraiva conte mentiras no que diz, mas se tirar-mos os floreados, aquilo que diz já muitos disseram antes, porque ele não inovou nem inova, nunca trouxe nada de novo.
Já José Mattoso, um verdadeiro historiador, estudou o que se sabia e produziu novo conhecimento e é isso é que é ser historiador, produzir novo conhecimento, ir aos arquivos e às fontes de informação e deslindar os enigmas do passado!
tirar-mos ? mesmo no caso de não ser historiador, o JHSaraiva não escreve assim de certeza (colocar um hífen não é um lapso)
Que discussões tão pobres aparecem neste rerum natura. Bom, não vou ler os inteligentes comentários sobre isto que digo, uma vez que nunca mais cá venho.
Ab, Carlos
Parece o jogo... dos disparates! JCN
Caro Nuno Resende:
José Hermano Saraiva, para além de licenciado em Direito, é também licenciado em Histórico-Filosóficas. Já o renomado Historiador
Oliveira Martins não possuía qualquer curso superior, não tendo sequer terminado estudos liceais.
De resto, estou de acordo consigo. Para ser médico é necessário ser-se licenciado em Medicina. Já para ser professor do ensino não superior,
tempos houve em que nada era preciso e em que os sindicatos passavam cartões de sócios a quem se limitasse a pagar cotas e tivesse dado meia dúzia
de dias de aulas. A facilidade era tanta, que chegou a haver casos de "professores" com menos habilitações académicas (e, principalmente, conhecimemtos) que os próprios alunos.
Conta-se até o caso de um desses "professores" que no 1.º dia de aulas - o das apresentações- avisou os alunos: "Perguntem-me tudo o que
quiserem, mas não me façam perguntas sobre a matéria a leccionar!”.
Mas acredito até que soubesse muito de política... a transmitir aos alunos. Mas ainda hoje em concursos para professores são
preteridos licenciados universitários relativamente a licenciados pelas escolas superiores de educação por um valor a menos de nota de curso. Ah!, que falta faz uma Ordem dos Professores para evitar
situações destas…
Em boa hora, o Prof. JCN inquiri-o sobre a interpretação a dar ao seu primeiro comentário. Antes disso, começava eu a preocupar-me com a qualidade do meu léxico (como, por exemplo, anteriormente sobre o significado da palavra historiador), e, agora, de palavras que, não sendo minhas, mas que leio me obrigam a consultar enciclopédias e dicionários.
Trata-se da palavra “erudito”, ou seja aquele que possui erudição. E lá me vejo, outra vez, obrigado a ir às prateleiras da minha biblioteca (confesso não ser muito dado a consultas na Net) buscar uma erudição de que careço. Assim:
Erudição: “Vasto saber, vasta instrução, principalmente, adquiridos pela leitura; diz-se, sobretudo, da sabedoria em literatura, história, filologia, e filosofia” (“Enciclopédia “Portuguesa e Brasileira”, tomo IX, p. 963).
Erudição: “Instrução, conhecimento ou cultura variada adquiridos especialmente por meio da leitura” (“Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa#, p. 3.419).
Mas que desilusão a minha depois desta trabalheira face a esta sua afirmação, que transcrevo, “verbo pro verbo”: [José Hermano Saraiva] “É um erudito, não um historiador!”.
Ou seja para se ser historiador não se pode ser erudito! Desta forma, Oliveira Martins, um autodidacta de muito valor, nunca poderia ser reconhecido como historiador. O que eu tenho aprendido!
Errata:
Última linha do 2º.§, "conhecimemtos", não; conhecimentos, sim.
Se eu conseguir absorver todo o conhecimento da história de Portugal produzido até hoje, de modo a conseguir transmitir o mesmo a outras pessoas faz de mim historiador?
Um professor de história que tire o curso e dê aulas é automaticamente um historiador?
As histórico-Filosóficas do tempo da outra
senhora?
Valem o que valem!
Na 1.ª linha do penúltimo § do meu comentário, em que escrevi "face a esta sua afirmação”, referia-me à afirmação do comentador anónimo (27 de julho, 16:44). Reconheço que a minha redacção possa ter suscitado dúvidas, de que me penitencio.
Anónimo (27 Julho:19:65):
Interessante este seu comentário.
Por esse facto, servi-me da definição de historiador colhida em fontes havidas como fidedignas. Em tudo o resto, corremos o risco de entrarmos no domínio de opiniões pessoais que levam a discutir, como diria Eça, “de pena ao vento”, até,por exemplo, a qualidade dos cursos superiores antes e pós 25 de Abril.
A este respeito, atrevo-me a comungar do princípio de que a massificação, sem rei nem roque, do ensino superior dificilmente, ou mesmo nunca, poderia estar na razão directa da sua qualidade.
Será sempre uma espécie de discussão do tipo de pescadinha de rabo na boca, de natureza, muitas vezes, política, sujeita à crítica do nosso Vieira: “Quando olhamos com simpatia para o rato preto até o rato preto nos parece branco; quando olhamos com antipatia para o cisne branco até o cisne branco nos parece preto”.
Sejamos frontais: se uma pessoa que obtém a licenciatura em Medicina se intitula médico, sem mais aquelas, e um licenciado em Arqueologia é consederado um arqueólogo, porque é que um diplomado com o curso de História não há-de intitular-se historiador? Só que há historiadores... e historiadores. Quem me garante... que José Mat(t)oso é mais historiador que José Hermano Saraiva?... É tudo... tão subjectivo! Quem tem competência... para os credenciar? Acaso já foram confrontados academicamente em provas públicas? Não façamos juízos apriorísticos, que podem desembocar em frustrada expectativa! E, sobretudo, não julguemos... com sanha ou simpatia, consoante os casos ou as pessoas em confronto. E, já agora: o facto de Hermano Saraiva ser um insigne membro da APH não lhe confere o direito a ser considerado historiador? Quantos deles... nunca lá sentarão o seu pesporrente "sim senhor"! Essa é que é essa! E tudo o mais... são "cantigas de arroz pardo", como sói dizer-se nas courelas beiroas do sardónico Aquilino. JCN
Por que é que Mattoso se há-de escrever com duplo "t"? Saberá dizer-me alguém? Será que essa grafia acrescenta mérito ao laureado historiador? JCN
Adoro discussões sobre o sexo dos anjos! Está é maravilhosa! Parabéns ao autor pela capacidade de escrever inutilidades!!!
Anónimo (28 Julho, 00:33):
Ainda há quem salve a honra do convento!Parabéns!!!
Acaso já foram confrontados academicamente em provas públicas?
José Mattoso sim, JHS não!
O primeiro porque produziu conhecimento, acrescentou saber aquilo que havia sobre um tema, JHS limitou-se a dizer o que já outros diziam.
JHS é historiador porque outros começaram a dizer que era e ele depois intitulou-se, alem do prestigio das funções que desempenhou, que conhecimento produziu?
Se JHS é um historiador de mérito porque não tem assento no meio académico? onde estão as novidades que produziu? o conhecimento que produziu? Que escola historiográfica criou?
Sabiam que nas universidades nunca é referido nem recomendado nas bibliografias?
Que José Mattoso é incontornável no estudo de história de portugal medieval por exemplo? Já que é a sua área de especialidade?
A APH é uma instituição aquilosada..
Quando vocês trabalham em ciência, já que este é um blog de ciência, vão ver na vossa área o que há sobre um tema, se forem físicos nunca vão por em dúvida que stephen hawking é um competente profissional nos estudos das cordas por exemplo, que escreveu artigos científicos e que a comunidade cientifica o conhece!
Onde está o reconhecimento de JHS pela comunidade cientifica? Onde estão os artigos? Procurem, vão procurar e depois venham aqui falar!
Anónimo (28 Julho, 03:00):
Aonde chegámos meu Deus nesta discussão!
Na tentativa de apoucar o estatuo (ou até o mero reconhecimento de ser tido como historiador) do Professor José Hermano Saraiva entra-se no mundo das comparações: a partir de agora, para se poder ser historiador passa-se pelo crivo da comparação em termos relativos. Já não basta sê-lo em termos absolutos.
Isto traz-me à recordação o caso de um amigo que sempre que estávamos na presença de um terceiro, mesmo em conversa banais, mal ele se afastava se virava para mim dizendo-me com ar entendido, na esperança de um assentimento meu: “Este indivíduo é inteligente ou…este indivíduo é estúpido!”
Cansado sobre esta sua análise sobre a “massa cinzenta” das pessoas, não me contive, que um dia, num dia de menos paciência, que lhe perguntasse: “Tens um ‘inteligentómetro’ à mão de semear?” E porque “ridendo castigat mores”, a partir daí, pelo menos na minha presença, deixou de fazer comentários deste teor.
Que se cuidem os poetas mortos ou vivos da nossa praça cultural. Por este critério, só pode ser considerado poeta quem tiver um estatuto da envergadura de um Pessoa? Ou escritor quem ostentar um Prémio Nobel da Literatura, como mero exemplo?
Será que Portugal, este extremo geográfico da Europa, “onde o mar começa e a terra acaba”, pode exigir, como escreveu Eça, “que haja um Dante em cada paróquia, e de exigir que os Voltaires nasçam com a profusão dos tortulhos?” Ou que em qualquer mesa de café em que nos sentemos tenhamos como interlocutor da História de Portugal um Oliveira Martins regressado do Além?
Não será vossemecê que está "aquilosado"? JCN
Efectivamente, o que faz pesquisa histórica é um historiador. Como o que lavra é lavrador e o que cava, cavador. Agora, acontece que um tipo pode tirar curso de apicultor e nunca tratar de uma abelha como um historiador de formação académica nunca se dar a fazer pesquisa histórica ou, fazendo-a, ser pior, ainda assim, nos seus julgamentos, que o autodidata dado ao trabalho de pesquisar o passado assente em factos, tirados à pedra, ao pergaminho, aos restos, como um adn.
Daí que Saramago, sem curso de monta académico, mas dado ao trabalho apaixonado, duro, tenha chegado ao escritor de respeito que muitos formados em letras não foram nem jamais poderiam ser.
simon teles
Vossemecê "dixit", sr. anónimo das 03:00, e todos nós, metendo a violqa no saco, nos rendemos à sua autorizada e clarividente sapiência... de chinelos de quarto: que grande carago! JCN
Ouça lá, sr. Simon Teles, acaso um licenciado em medicina, pelo simples facto de decidir nunca a exercer, deixa de ser médico? Que grande carago! JCN
Corrigenda:
A frase da 2.ª linha do 4.º § do meu comentário de 28 de Julho (10:52), corrijo-a para: “ me contive que um dia, um dia de menos paciência, lhe perguntei:”
Sr. Simon Teles e não só:
Passando das pessoas às instituições, pergunto: acaso uma universidade, com a de Coimbra, que averiguadamente, no carismático dizer de Torga, nuna inventou coisa nenhuma, nunca propôs uma teoria, nunca teve um pensamento original, deixa por isso de ser uma... universidade, ainda que meramente repetitiva? JCN
Com que então a universidade não inventa nada nem produz nada? Então e os centros de investigação cientifica que existe um pouco pelo País, acoplados às diversas universidades? Onde se produz conhecimento a par do que se faz a nível mundial? Sobretudo na biotecnologia, genética e engenharia? Os liceus apenas repetem informação as universidades produzem, cuidado com raciocínios simplistas!
A história e os historiadores têm o seu lugar no limbo, e não devemos incomodá-los, nem tecer juízos que saem do âmbito da história.
Para simplificar, e trazer alguma luz à definição de história, o historiador francês, Marc Bloch, dizia que "a história é afinal a história do homem".
Posto que, o historiador será o que faz a história do homem.
Ora aí está, meu caro Dr. João Boaventura: historiador é a criatura que faz a história do homem, seja em que circunstância for. JCN
Meu caro anónimo das 22:00: não generalize o que acerca da Universidade de Coimbra, onde ele fez os seus estudos, escreveu, em determinada altura, o genial autor dos "Bichos". Quer coisa mais simplista que as suas considerações sobre os liceus? Cavalgaduras... houve-as sempre em toda a parte! JCN
Na sequência, ou marginalmente, à assertividade de Marc Bloch de que "a história mais não é do que a história do homem", acrescenta que "o historiador põe ao passado as questões do presente".
Raymond Aron tem esta curiosa observação:
"De facto, o homem é que faz a história, mas não sabe que história é que está a fazer".
Caro Dr. João Boaventura:
Sob a umbela de Raymond Aron, não passemos ao homem um diploma de pateta! JCN
Caro JCN
Raymond Aron não se refere aos historiadores que escrevem sobre a história, mas aos actores e espectadores políticos, económicos e sociais, que carream pedras para construírem os seus regimes, ignorando qual será, face aos imprevistos do percurso, o final da governança, se alcançará ou não os fins previstos, isto é, não sabem que história estão a construir.
O produto final poderá ser positivo, negativo ou neutro, mas essa avaliação só cabe aos historiadores - a de indagar que tipo de história construíram aqueles actores, e se os objectivos por eles previstos foram alcançados ou ruíram.
É neste sentido que Raymond Aron fala quando alude à história - que é afinal a história do homem - que o homem faz, como actor, mas não sabe o que vai resultar da sua acção no palco do mundo.
Os grandes actores do palco político - Napoleão, Hitler, Stalin, Mussolini - fizeram história mas não souberam que história fizeram, senão no final do regime de cada um. Coube aos historiadores-escritores fazerem a história de cada actor.
Cordialmente
Caro Dr. João Boaventura:
Vem tudo a dar ao mesmo! JCN
Abraçando, de um modo geral o teor dos comentários, arriscar-me-ia a considerar que estamos perante concepções acerca da história e do historiador em duas vertentes distintas.
A primeira corresponde àquela noção de que para se ser historiador basta fazer-se história que, a meu ver, nos dirigiria para outros problemas epistemológicos ligados à actividade historiográfica e, sem dúvida indissociavelmente subjacentes aos requisitos "sine qua non" do historiador.
A segunda conceptualização prender-se-á, no meu entender, com as motivações pessoais que tenderão a enaltecer ou descorar a imagem de J. H. Saraiva, de acordo com as convicções não só pessoais mas até políticas de cada um. Para tal contribui substancialmente o tipo de formato do programa televisivo a que o professor nos habituou nas últimas décadas.
Entendo tal programa de extrema utilidade para o público em geral, numa primeira instância porque se bem atentarmos, na televisão portuguesa é o único a pegar em realidades bem definidas geograficamente e que sempre têm qualquer particularidade histórica a contar e, daí, só pelo facto de nos dar uma abordagem específica merece o mínimo de mérito, acima de tudo, por promover a divulgação do património do nosso país (comprovadamente - em muitos dos casos - subaproveitado).
No entanto, não poderei deixar de referir - e este é que é o cerne do problema - que por ser um exímio comunicador, o professor acaba por se deixar seduzir demasiadamente pelos entusiásticos promotores do "sharing", incorrendo em divagações lendárias que pouco mais terão do que uma longínquo fundo histórico, carente de provas físicas e espaciais (queria aqui recordar as vicissitudes do Positivismo) impossíveis de encontrar.
Por último gostaria de deixar assente que, não obstante muito prezar as capacidades de improvisação e comunicação do professor, não consigo encaixá-lo na vertente de investigação historiográfica do mundo actual e, portanto, considero que a sua forma de pensar a história se encontra completamente desactualizada.
Para avaliar do historiador, vossemecê, senhor Lopes, não é capaz de abstrair do comunicador? JCN
Enviar um comentário