domingo, 31 de janeiro de 2010
A batalha interminável
Nos últimos tempos tenho lido muito, várias coisas ao mesmo tempo como é habitual. Muitas coisas de autores espanhóis (Henrique de Hériz, "Mentira"; J.J. Armas Marcelo, "Quase todas as mulheres"; Arturo Pérez-Reverte, entre outros), mas também um livro de um peruano (Alfredo Echenique, autor do excelente romance "O Horto da Minha Amada") e um outro de um chileno. Pelo meio Agualusa ("O vendedor de passados"), Philipe Claudel, etc.
Mas veio parar-me às mãos um livro de David Talbot, publicado em 2007, e intitulado "Brothers" ("Irmãos", na versão portuguesa da Casa das Letras). Os livros são assim, escolhem os leitores. Aliás, se tivermos tempo e os formos visitar com regularidade nos locais onde costumam estar (eu gosto da FNAC do Fórum de Coimbra e do Chiado de Lisboa, da Almedina e da Bertrand, as duas do Estádio de Coimbra, mas também as muitas feiras do livro e alfarrabistas), eles escolhem também o momento. Por isso vejo os livros também com as mãos. São objectos vivos que vêm ter connosco...
"Brothers" é um livro sobre a vida de duas pessoas que queriam mudar o mundo: os irmãos John (JFK) e Robert (RFK) F. Kennedy. Um livro que não consegui parar de ler e que me ocupou a mente durante muito tempo.
É um livro sobre dois homens que tinham o objectivo de mudar a América e, com isso, mudar o mundo. Acabar com a guerra fria, concentrar os esforços na paz, no desenvolvimento social, na igualdade de direitos independentemente de raça ou nacionalidade, no bem-estar dos povos.
O livro conta a história dos dois irmãos, vista pelo ângulo de RFK, baseado em documentos recentemente desclassificados e em mais de 150 entrevistas e depoimentos. Um relato impressionante sobre o ambiente que conduziu aos assassínios de JFK em Dallas, em 1963, e de RFK em Los Angeles, em 1968. O papel da CIA e da Máfia, a guerra fria, Cuba e Fidel Castro, a luta pelos direitos civis (a crise na Universidade do Alabama), etc., mas especialmente a procura de acordo com Kruschev, a Baía dos Porcos, a crise dos mísseis de Cuba e o combate à corrupção e à Máfia são as principais razões que conduziram à conspiração que matou os dois irmãos.
Crise dos mísseis - 1:
Crise dos mísseis - 2:
Discurso sobre sociedades secretas:
Anúncio ao país depois da crise na Universidade do Alabama:
Em Berlim:
A new world of law. Let us begin. Ask not what your country can do for you, ask what you can do for your country, Ask not what America can do for you, but what together we can do from the freedom of man.
A morte de JFK e o aparente desinteresse de RFK, nos anos seguintes, em relação à morte do irmão mostram um mundo negro de falta de lealdade, cumplicidades, traições e cobardias, o posicionamento dúbio dos órgãos de comunicação social (é impressionante o posicionamento do Washinghton Post, liderado por Bradlee, que Jackie Kennedy considerava, a ele e à esposa, "os nossos melhores amigos", sobre a conspiração que matou JFK), e da indústria do cinema com fortes ligações à Máfia. Dizia-se que a CIA tinha cerca de 400 jornalistas pagos para defenderem as posições da agência. Um lado negro e obscuro que se abateu sobre JFK, e que RFK imediatamente percebeu no dia do crime, vivendo os anos a seguir com a culpa de não ter sabido, podido ou conseguido proteger o irmão de tal ameaça. Uma culpa de que só se conseguiu libertar, em 1968, com a campanha presidencial que lhe deu a morte no próprio dia em que venceu as primárias da Califórnia.
RFK speeches:
Mas esta história e este livro mostram bem duas coisas:
1. A força da ligação entre JFK e RFK. Irmãos de verdade, cúmplices e parceiros. Determinados e focados na tarefa de mudar o mundo. A dimensão heróica da sua tarefa, num país cheio de cowboys e falcões, na forma como lidaram com a guerra e a evitaram, com Fidel e Cuba, na habilidade na diplomacia paralela, na grandeza e desinteresse, no desprezo pela sua própria sorte: viviam como pensavam, sem pensar como viveriam.
2. A força e determinação da equipa que reuniram. O valor da lealdade e amizade que os unia.
3. O sentido do dever e a força das suas convicções.
Em 1963 a América perdeu o seu último líder, num crime horrível que mostrou bem o lado negro da América. Ia recuperando em 1968, mas, mais uma vez, a morte pela força não o deixou. Como dizia Ruben "Rocky" Carbajal, amigo de infância de David Morales (o operacional da CIA envolvido na morte de JFK e RFK), "o presidente Kennedy fez merda, causou todas aquelas mortes na Baía dos Porcos, mandou retirar aviões, os homens foram apanhados em terra. Quer que tenha respeito por um presidente destes? Ou por um palerma como o irmão? E ainda por cima entregaram o raio do país aos negros!"
Sem liderança e sem esperança desde 1963, é um negro, justamente, que devolve a esperança, à América e ao mundo, num futuro melhor. Como JFK e RFK gostariam de ver este momento :-)
HUMOR: OMS pensava que moção do Conselho da Europa sobre "pandemia forjada" era email de SPAM
A Organização Mundial de Saúde demorou mais de um mês a reagir à moção "A pandemia forjada - uma ameaça para a saúde", apresentada por 14 parlamentares do Conselho da Europa. "Sabe, andam muitas coisas a circular pela Internet, supostamente da autoria de figuras ilustres e acima de qualquer suspeita, como freiras doutoradas em vacinação quântica ou bombeiros heróis especialistas em ensaios clínicos com orquídeas. Por isso, ao principio nem ligámos, e até me lembro de comentar que a mensagem nem era das mais credíveis e convincentes. Só depois percebemos que a moção tinha mesmo origem em 14 membros do Conselho da Europa", revelou o responsável pela gestão da pandemia de emails acerca da Gripe A, Keiji Fukuda.
HUMOR: Conselho da Europa acusado de ter relações suspeitas com organizações homeopatas e de medicinas alternativas
14 elementos do Conselho da Europa, encabeçados por Wolfand Wodarg, argumentaram que "para promover as suas drogas patenteadas e vacinas contra a gripe, os laboratórios farmacêuticos influenciaram os cientistas e as agências oficiais". A Organização Mundial de Saúde reagiu esta semana em contra-ataque, acusando Wolfand e os parlamentares de terem ligações suspeitas com a indústria homeopata e com o lobby do tofu, visando favorecer o mercado dos placebos caros e das massagens ayurvedicas eróticas.
David Marçal, no Inimigo Público
Forma suprema do viver intelectual
Tal como em relação ao Ensino Básico e Secundário, também em relação ao Ensino Superior e, nomeadamente, ao Universitário vários intelectuais têm, nas décadas mais próximas, disssertado sobre o seu lugar, identidade e destino. Um deles é Eduardo Lourenço que, à margem do utilitarismo e aplicação dos saberes que ela pode produzir e veicular, põe a tónica na sua vocação que se revela na "forma suprema do viver intelectual."
"Assistimos nós à morte da Universidade (…)? De algum modo, sim. Uma certa figura de Universidade desapareceu no horizonte arrastada pela exigência mesma de uma democraticidade do acesso ao saber. Dessa morte não devemos ostentar o luto. Mas seria trágico se nessa metamorfose da ideia e da realidade a Universidade, enquanto forma suprema do viver intelectual europeu, não pudéssemos controlar, ou antes guiar, o movimento dessa vaga e fôssemos arrastados por ela aceitando passivamente a proliferação de saberes sem emprego, no seu duplo sentido de sem finalidade e sem inserção no mercado simbólico da comunidade intelectual e humana que chamamos latamente a Cultura e que constitui o espaço teórico-prático da sociedade no seu conjunto”.
"Assistimos nós à morte da Universidade (…)? De algum modo, sim. Uma certa figura de Universidade desapareceu no horizonte arrastada pela exigência mesma de uma democraticidade do acesso ao saber. Dessa morte não devemos ostentar o luto. Mas seria trágico se nessa metamorfose da ideia e da realidade a Universidade, enquanto forma suprema do viver intelectual europeu, não pudéssemos controlar, ou antes guiar, o movimento dessa vaga e fôssemos arrastados por ela aceitando passivamente a proliferação de saberes sem emprego, no seu duplo sentido de sem finalidade e sem inserção no mercado simbólico da comunidade intelectual e humana que chamamos latamente a Cultura e que constitui o espaço teórico-prático da sociedade no seu conjunto”.
Eduardo Lourenço, 1988
Referência bibliográfica: Lourenço, E. (1988). Nós e a Europa ou as duas razões. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 73-77.
Espólio integral de Pessoa "on-line"
A Biblioteca Nacional Digital (BND), departamento da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) que disponibiliza 10.500 títulos em formato electrónico, coloca online neste ano o espólio integral de Fernando Pessoa. Das obras de autores portugueses disponibilizadas na BND destacam-se "os 29 cadernos manuscritos e o dactiloscrito da 'Mensagem' de Fernando Pessoa e os documentos dos espólios de José Saramago, Antero de Quental e Camilo Pessanha" (Helena Patrício, directora de Serviços de Sistemas de Informação da BNP).
Além das obras destes autores, também as de António Feliciano de Castilho, Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Eça de Queirós foram digitalizadas.
A funcionar desde 2002, a BND registou, entre Janeiro e Agosto deste ano, mais de cinco milhões de consultas, com destaque para o espaço dedicado a Eça de Queirós, que recebeu cerca de 7500 visitas mensais, o portal Fernando Pessoa, com 3600 visitas por mês, e Os Lusíadas, com 1500 visitas em cada 30 dias.
As versões portuguesas das publicações da União Europeia também já estão em formato electrónico, podendo ser acedidas aqui.
Uma lista completa das bibliotecas digitais em Portugal pode ser consultada no site da Rede de Conhecimento das Bibliotecas Públicas, aqui.
Além das obras destes autores, também as de António Feliciano de Castilho, Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Eça de Queirós foram digitalizadas.
A funcionar desde 2002, a BND registou, entre Janeiro e Agosto deste ano, mais de cinco milhões de consultas, com destaque para o espaço dedicado a Eça de Queirós, que recebeu cerca de 7500 visitas mensais, o portal Fernando Pessoa, com 3600 visitas por mês, e Os Lusíadas, com 1500 visitas em cada 30 dias.
As versões portuguesas das publicações da União Europeia também já estão em formato electrónico, podendo ser acedidas aqui.
Uma lista completa das bibliotecas digitais em Portugal pode ser consultada no site da Rede de Conhecimento das Bibliotecas Públicas, aqui.
A força das convicções
("Two Men" de Pavel Filonov, 1938)
(Coluna "Olhares da UC", Jornal As Beiras, 25 de Janeiro de 2010)
O Governo apresentou na Assembleia da República uma proposta de lei que consagra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A referida proposta foi aprovada na generalidade no dia 8 de Janeiro. As propostas alternativas de partidos da oposição que incluíam o direito de adopção de crianças foram rejeitadas, assim como a proposta para a realização de um referendo. Parece legítimo concluir que a maioria do parlamento pensa que o casamento de pessoas do mesmo sexo deve ser permitido, mas não deve ser autorizada a adopção de crianças, nem deve existir um amplo debate nacional sobre esta questão.
Não há nada de mais errado, e tudo isto mostra bem a ausência de convicções daqueles que nos governam e daqueles que nos representam na Assembleia da Republica.
Elenco as várias razões que me levam a pensar assim:
1. O casamento entre pessoas do mesmo sexo é um assunto muito importante, mas não é uma prioridade do momento. A acção governativa deve ser pautada pela definição de prioridades. Ora, existem muitos outros assuntos que exigem a nossa concentração e energia, pelo que esta parece ser uma forma de desviar a atenção sobre esses assuntos.
2. Mas sejamos claros. O conceito de família mudou. Essa realidade é difícil de entender para muitas pessoas, nomeadamente para as pessoas mais velhas, mas a verdade é que a família tradicional constituída por um pai, uma mãe e filhos biológicos do casal não é a única hipótese de família. Existem outras possibilidades que devem ser igualmente protegidas pela lei: entre elas as famílias compostas por casais homossexuais com ou sem filhos, de outros relacionamentos ou adoptados, e as famílias compostas por casais heterossexuais que não podem ter filhos. Tudo isto são famílias, e a lei do casamento não pode descriminá-las tendo por base a orientação sexual do casal, e muito menos a possibilidade física ou biológica de terem filhos.
3. É preciso perceber que as sociedades mudam e que estamos perante uma mudança civilizacional que tem de ser encarada com responsabilidade. Se é desejável que a lei reconheça e proteja as novas formas de organização familiar, também é igualmente necessário perceber e entender que não se alteram os pilares básicos na nossa actual organização social de forma leviana, sem o necessário debate. Sem dogmas, mas com discussão e esclarecimento.
Nessa perspectiva, penso que o Presidente da República deveria devolver o diploma à Assembleia da República sem promulgar a lei. Deveria fazê-lo alertando o parlamento e os portugueses para a necessidade de promover um amplo debate nacional sobre esta alteração na estrutura da sociedade em que vivemos. Um debate onde devem ficar claras as respostas às seguintes questões:
1. Devem as famílias de casais homossexuais ser abrangidas pela lei do casamento? (Em minha opinião, sim devem).
2. Devem todas as famílias, independentemente da sua orientação sexual, ter os mesmos direitos e deveres, o que inclui o direito de casar, adoptar crianças, etc? (Em minha opinião, sim devem).
As alterações fazem-se debatendo com os cidadãos convencendo-os com a força das nossas convicções. Mas todos têm o direito de pensar, discernir e decidir.
sábado, 30 de janeiro de 2010
O FINANCIAMENTO DA IDA À LUA
Ontem, a interessantíssima sessão de Maria Luísa Malato Borralho no Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho, em Coimbra, sobre Júlio Verne levou-me a reler passagens o livro "Da Terra à Lua". E na edição do projecto Gutenberg (Imprensa Nacional, 1874, tradução de Henrique de Macedo, "Lente de mathematica na escola polytechnica e astronomo no observatorio de marinha") do livro foi fácil encontrar a única referência a Portugal, que participou no projecto global (globalização "avant la lettre"!) com 30000 cruzados, pouco mas que, apesar de tudo, foi mais do que deu a Espanha, que andava a construir ferrovias (o TGV da época) e cujo espírito anti-científico é ridicularizado por Verne. Transcrevo o delicioso texto verniano, onde é patente uma humorística sociologia das nações, com o itálico meu sobre a contribuição ibérica:
"Tres dias depois da publicação do manifesto do presidente Barbicane estavam subscriptos nas differentes cidades da União, quatro milhões de dollars. Com esta somma, por conta de maior quantia, já o Gun-Club podia ir fazendo alguma cousa. Dias depois, noticiavam os despachos telegraphicos á America que as subscripções no estrangeiro eram cobertas com verdadeiro enthusiasmo. Alguns paizes faziam-se notaveis pela generosidade da sua offerta. A outros lá custava mais a desapertar os cordões á bolsa. Questão de temperamento.
Em summa, mais eloquentes são os algarismos que as palavras, e eis a descripção official das sommas que foram escripturadas no activo do Gun-Club, logoque se encerrou a subscripção.
A Russia deu como contingente a enorme quantia de trezentos sessenta e oito mil setecentos e trinta e tres rublos, e só poderá causar espanto a grandeza da quantia a quem desconhecer o gosto dos russos pelas sciencias, e o progresso que imprimem aos estudos astronomicos, devido aos numerosos observatorios que possuem, dos quaes um, o de mais importancia, custou dois milhões de rublos.
A França começou por se rir das pretensões dos americanos. Serviu ali a Lua de pretexto a mil calembourgs já estafados, e a algumas dezenas de vaudevilles em que o mau gosto e a ignorancia disputavam primazias. Porém os francezes, que já de antiga data trazem o habito de cantar e ainda em cima pagar, d'esta vez riram, mas tambem depois pagaram, subscrevendo com a quantia de um milhão e duzentos e cincoenta tres mil novecentos e trinta francos. Por este preço realmente assistia-lhes o direito de se divertirem um bocado.
A Austria, apesar dos seus apertos financeiros, mostrou generosidade bastante. Elevou-se a parte d'esta potencia, na contribuição geral, á quantia de duzentos e dezeseis mil florins, que bem boa conta fizeram.
Cincoenta e dois mil rixdales foi o obolo da Suecia e da Noruega. A cifra já era de consideração em proporção do paiz; porém, maior ainda teria sido, se a subscripção se tivera aberto ao mesmo tempo em Christiania e em Stockholmo. Seja lá por que rasão for, o caso é que os norueguezes não gostam de mandar o seu dinheiro para a Suecia.
A Prussia deu testemunho, mandando duzentos e cincoenta mil thalers, de que prestava á tentativa a sua alta approvação. Os differentes observatorios d'esta nação contribuiram de boa vontade com uma quantia importante, e foram dos que com mais ardor animaram o presidente Barbicane.
A Turquia portou-se com generosidade, e não admira porque estava pessoalmente interessada n'aquelle assumpto, visto ser a Lua quem lhe fixa o curso dos mezes e a epocha dos jejuns do Ramadan. Nem lhe ficava bem dar menos de um milhão trezentas e setenta e duas mil seiscentas e quarenta piastras, que foi o que effectivamente deu, e com ardor tal que parecia até dar a entender que houvera certa pressão da parte do governo da Porta.
A Belgica distinguiu-se entre todos os estados de segunda ordem por um donativo de quinhentos e treze mil francos, proximamente treze centimos por habitante.
A Hollanda e suas colonias tomaram parte na operação com cento e dez mil florins, mas sempre foram pedindo cinco por cento de desconto, visto pagarem de contado.
A Dinamarca, um tanto restricta em extensão territorial sempre rendeu novecentos mil ducados de oiro fino, o que é prova do amor que os dinamarquezes consagram ás expedições scientificas.
A Confederação germanica cooperou com trinta e quatro mil duzentos e oitenta e cinco florins; não se lhe podia exigir mais, nem que lh'o exigissem o daria.
Apesar dos seus grandes apuros a Italia sempre encontrou nas algibeiras dos seus filhos duzentas mil liras, mas foi preciso rebusca-las bem. Se a Italia já estivera de posse do Veneto melhor iria o negocio, mas o caso é que ainda não possuia o Veneto.
Os Estados da Igreja entenderam não dever mandar menos de sete mil e quarenta escudos romanos, e Portugal levou a sua dedicação pela sciencia até trinta mil cruzados.
O Mexico, esse deu o obolo da viuva, oitenta e seis piastras fortes; verdade é que os imperios, nos primeiros tempos da sua fundação, sempre vivem pouco á larga de meios.
De duzentos e cincoenta e sete francos foi o auxilio modesto prestado pela Suissa á obra americana. Força é dize-lo e francamente, a Suissa não percebia o lado pratico da operação; não se lhe afigurava que o acto de arremessar uma bala á Lua fosse preliminar adequado para entabolar relações commerciaes com o astro das noites, e n'este presupposto pareceu-lhe pouco prudente empenhar capitaes em tentativa tão aleatoria. E no fim de contas talvez a Suissa tivesse rasão.
Em Hespanha é que foi impossivel juntar mais de cento e dez reales, circumstancia a que serviu de pretexto ter a nação que acabar os seus caminhos de ferro. Mas a verdade é que a sciencia não é cousa lá muito bem vista em tal paiz, que ainda está um tanto atrazado. E demais, havia certos hespanhoes, e não eram dos menos illustrados, que não concebiam com exactidão que relação havia entre a massa do projectil comparada com a da Lua, e que temiam que o choque fosse alterar a orbita do astro, perturba-lo no seu papel de satellite, provocando-lhe a quéda na superficie do globo terrestre. Em casos taes o melhor era abster-se. E foi o que, com differença de alguns poucos reales, fizeram os hespanhoes.
Falta a Inglaterra. Já dissemos com que desdenhosa antipathia fôra ali recebida a proposta Barbicane. Os inglezes têem todos uma só e mesma alma para todos os vinte e cinco milhões de habitantes que povoam a Gran-Bretanha. Limitaram-se a dar a entender que o emprehendimento do Gun-Club era contrario ao «principio de não intervenção», e nem com um ceitil concorreram.
O Gun-Club, quando soube tal nova, deu-se por satisfeito em erguer os hombros, e proseguiu na sua grande tarefa. Logo que a America do Sul, isto é, Peru, Chili, Brazil, provincias do Plata, Columbia entregaram a sua quota de trezentos mil dollars, ficou o Gun-Club de posse do consideravel capital cujo computo detalhado segue:
Dollars
Subscripção dos Estados Unidos 4.000:000
Subscripções estrangeiras 1.446:675
Somma 5.446:675
Eram portanto cinco milhões quatrocentos e quarenta e seis mil seiscentos e setenta e cinco dollars, que o publico tinha despejado nos cofres do Gun-Club."
Júlio Verne
A FÍSICA E A ESQUERDA
Michael Bérubé, professor de Inglês na Pennsylvania State University e autor recente de “The Left at War", recenseia o livro "THE MARKETPLACE OF IDEAS" (Norton) de Louis Menand, professor de Inglês em Harvard, aqui. Uma nota interessante refere-se à preponderância da esquerda nas universidades americanas:
”Menand explains how academe’s training and hiring system works and suggests, unconvincingly, that the preponderance of liberals in academe is partly a function of “increased time to degree.” It now takes a decade on average to get a Ph.D. in English, and surely that fact discourages risk-taking. But it does not explain, say, why Democrats outnumber Republicans 10 to 1 in departments of physics."
Não conhecia estes números. Mas colocam uma questão interessante: Haverá, de facto, mais físicos de esquerda do que de direita? E nas outras ciências é muito diferente?
”Menand explains how academe’s training and hiring system works and suggests, unconvincingly, that the preponderance of liberals in academe is partly a function of “increased time to degree.” It now takes a decade on average to get a Ph.D. in English, and surely that fact discourages risk-taking. But it does not explain, say, why Democrats outnumber Republicans 10 to 1 in departments of physics."
Não conhecia estes números. Mas colocam uma questão interessante: Haverá, de facto, mais físicos de esquerda do que de direita? E nas outras ciências é muito diferente?
HUMOR - CHÁVEZ E O TERRAMOTO
O David Marçal que se cuide. O Presidente da Venezuela Hugo Chávez pede meças aos mais imaginativos escritores de humor científico. Mas alguém que quisesse competir com Chávez sempre poderia dizer que foi a queda ao chão do computador Magalhães que ele estava a testar que provocou, ao retardador, o recente terramoto e, já agora, os próximos que houver...
Houston Symphony's The Planets - An HD Odyssey
Do Youtube: "The Houston Symphony has commissioned celebrated producer/director Duncan Copp to assemble state-of-the-art, high definition images from NASAs exploration of the solar system to accompany Holsts exciting, cosmic score, along with commentary by the worlds leading planetary scientists."
Ler aqui a crítica da actuação da Orquestra de Houston no Carnegie Hall em NOva Iorque na quinta-feira passada. O filme em alta definição é digital e deve estar disponível. Uma boa ideia, portanto, para uma orquestra portuguesa...
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
"A obrigação dos professores é ensinar"
A leitura do texto de Carlos Fiolhais Investigação: a construção do saber, que incide na função primordial do professor universitário, fez-me procurar, e felizmente encontrar, um artigo de Manuel F. Canaveira publicado em 1998, na revista Ler. Ainda que tenham passados doze anos, o retrato que faz do lugar e do sentido do ensino na universidade mantém sua actualidade. Ou, ter-se-á agravado?
“Os políticos não precisam de conhecer as razões por que a universidade portuguesa está caduca e necessita de urgente reforma, conforme eles próprios têm afirmado nos últimos cento e cinquenta anos. No fundo, foram eles que, com a sua proverbial demagogia, criaram o imbróglio quando convenceram a pequena burguesia oitocentista e a chamada classe média do pós-guerra de que era preciso «tirar um curso» e ser doutor para subir na vida.
Já meu pai, em meados do século dos anos sessenta, nos colocava, a mim e ao meu irmão — dois adolescentes ainda imberbes —, perante a seguinte «alternativa»: “Ou tiras o «canudo», ou serás marçano na mercearia cá do bairro”. Graças a Deus licenciei-me, até porque a dita venda faliu quando Lisboa ficou cercada de hipermercados. Hoje está tudo muito mais sofisticado: os pais, padrinhos, ou quem quer que seja, quando o jovem atinge o décimo ano (…) avisam-no logo: vê lá se consegues a média necessária para entrares no Ensino Superior; tira o curso (seja ele qual for; de preferência o mais curto e que aches mais fácil) e deixa o resto por minha conta, que eu arranjo-te emprego na minha empresa, na banca, nos seguros ou noutro sítio qualquer; onde possa mostrar, urbi et orbi, que és um doutor a sério.
Os «meninos» levam os adultos a sério e, quando transpõem o umbral da faculdade, pública, privada ou católica (tenho a impressão que eles nem se importavam que fosse protestante, budista ou xintoísta, desde que fosse universidade), dizem para com os seus botões: “Estou quase safo, e se vencer este primeiro e último obstáculo, o «fulano» de tal mete uma cunha onde quer que seja para eu ter um ordenado de largas centenas, carro topo de gama, telemóvel e tudo o mais que um jovem de sucesso deve possuir neste final de milénio. Se o «fulano» não conseguir, o «sicrano» ou o «beltrano» resolvem o problema.”
Confiantes, sentam-se nos anfiteatros, e surge um sujeito com idade do irmão mais velho (o assistente estagiário), do pai (o assistente), do avô (o doutorado) ou do falecido bisavô (o catedrático) e faz-lhes uma pergunta estranha, senão mesmo idiota: escolheram esta licenciatura porque gostam desta área do saber? Possuem qualificações científicas para frequentarem este curso, ou seja, para dar um exemplo concreto, sabem matemática para estudar engenharia? Que pergunta tão descabida.
Então por demais evidente que as faculdades são uma instituição de ensino? Nesse caso, a obrigação dos professores é ensinar, pois é para isso que a sociedade lhes paga os ordenados que eles recebem ao fim do mês. Além do mais, se já soubessem matemática não precisavam de frequentar a Faculdade de Ciências ou Técnico.
Passa-se todo o ano lectivo neste «diálogo» de surdos. Os docentes universitários lançam as mãos à cabeça e, nas «conversas de gabinete», vão dizendo que «isto» [o estado das coisas] está cada vez pior; «eles» [os alunos] não ligam nenhuma, não sabem peva. Os discentes, cientes de que a universidade é uma «passagem para a outra margem», aborrecida mas necessária, vão criticando as «abstrusas» matérias que lhes impingem e, no caso de haver manifestação contra as propinas, logo procuram os repórteres (de preferência os da SIC) para declarar solenemente que tudo o que lhes ensinam não serve para nada na vida activa. Se os estatutos da vetusta instituição universitária (por definição, antidemoráticos) lhes permitissem opinar em questões de índole científica, tudo mudava (para melhor obviamente), em vez de estudarem Filosofia Medieval, analisariam «em profundidade» o fenómeno mediático que foi a vida e morte da Princesa de Gales (vejam lá que os professores universitários até pronunciam «túnel de Alm[à]», quando as sumidades do Jornal da Noite da televisão dizem «túnel da Alma»).
Por vezes interpelam os professores e mostram-lhe um recorte de jornal onde, pela enésima vez, alguém do jet-set dos mass media, com suma sapiência — se assim não fosse não seria jornalista —, delapida a decrépita universidade portuguesa e apostrofa os lentes retrógrados e madraços que nela vegetam. Há dias mostraram-me um desses artiguinhos iluminados intitulado «Os Intelectuais Hoje» (Diário de Notícias, 22/8/98); o articulista (Emídio Rangel), aludindo a uma comunicação proferida pelo ilustre catedrático Santos Juliá no curso de Verão deste ano organizado pela Universidade Internacional Menéndez Pelayo (Santander), proclama com imenso júbilo (é sempre agradável que um ídolo do foro respalde as nossas ideias e preconceitos) que já hoje — e no futuro ainda mais — a senil intelectualidade lusitana vai ter de aceitar, a bem ou a mal, que morreu o intelectual oitocentista «detentor do saber absoluto e que o terreno dessa casta foi invadido por pessoas com as mais variadas formações, que não abdica de participar na discussão pública».
Para usufruírem deste seu direito inalienável, a novíssima intelligentsia nacional escolheu a televisão, essa margem tecnológica que, «a par de outros meios, fez acelerar a difusão da informação lato sensu e universalizou e democratizou a cultura». Impante, o empenho intelectual do segundo milénio declara: «Por muito que custe aos pseudo-intelectuais que fazem cruzadas contra a televisão em Portugal, este dado é já incontroverso.» Como é obvio, a esmagadora maioria dos universitários portugueses — esses ratos de biblioteca que persistem em preferir o livro e a imprensa séria à televisão e às revistas da moda a ela associadas — fazem parte desses pseudo-intelectuais que teimosamente «vivem numa lógica autista e agarrados a modelos e visões desadequadas e anacrónicos».
Palavras eloquentes e corajosas, sem dúvida, mas os efeitos perniciosos que têm a nível universitário são indesmentíveis.
Delas decorre que vivemos no reino das opiniões; cada um tem a sua (quem não tem nenhuma é um looser), e todas são respeitáveis. O docente universitário faz uma afirmação e sustenta-a em termos científicos mas, de súbito, o aluno retorque (fazendo uso do legítimo direito que lhe assiste de intervir nas aulas) e diz que tem opinião diversa, por acaso condicente com aquela que Margarida Marante e a Maria Elisa defenderam nos seus programas. Como é sabido, numa sociedade democrática a razão assiste sempre à maioria, logo, a opinião delas é mais importante do que a do professor — porque tem a preferência do grande público.
Perante tal cenário, o docente, sobretudo se leccionar uma disciplina das chamadas ciências humanas, começa a contemporizar e, pragmaticamente (porque sabe que os olhos de toda a turma ele não passa de um «zé-ninguém» ao pé das «estrelas» do pequeno ecrã), vai dando «uma no cravo, outra na ferradura» para não se exaltar ou sofrer um inquérito «politicamente correcto» (dado ter origem nos «clientes» do sistema de ensino, como gostam de sublinhar todos os ministros da educação cavaquistas e guterristas) às suas aptidões pedagógicas e científicas. Eis, pois, que entra em cena o «pragmatismo», esse tenebroso estado de espírito que se instala no seio das instituições e as destrói lenta, mas seguramente.
O filósofo espanhol Emilio Lledó, que é tão catedrático como Santos Juliá, teme-o afirma sem hesitações que «una universidad pragmatica es la muerte del saber, de la cultura, y es el peor servicio que se le pude hacer a nuestra sociedad» (El País, 11/7/1998) (…)
A prestação de serviços à comunidade exorta as universidades a colaborarem com as autarquias e as empresas das zonas onde estão sediadas. É um propósito edificante, sem dúvida, mas tem limites. Os laboratórios universitários existem para fazer investigação fundamental, não para solucionar problemas fabris de organização ou racionalização da produção. Os industriais não podem pretender orientar ou condicionar a investigação universitária, mesmo que utilizem poderosos argumentos e natureza economicista. As faculdades, por seu turno, têm de resistir às promessas de lucro imediato, porque essa lógica é empresarial e não científica (…).
A garantia de saídas profissionais para os cursos superiores, que nunca foi uma incumbência da instituição universitária desde os tempos medievos até à actualidade (as faculdades não são agências de emprego), tornou-se nos dias de hoje uma espécie de obrigação moral para as universidades de todo o mundo. Julgo que nenhuma faculdade do nosso país se alheou da questão e, dentro das suas possibilidades (que são escassas, porque a universidade portuguesa nunca teve poder de decisão a nível económico e nos últimos quinze anos perdeu boa parte de influência que historicamente sempre exerceu junto dos políticos), todas tentam garantir um futuro profissional digno para os seus licenciados. Mas, convenhamos, a tarefa não é fácil, pois a frágil economia portuguesa não garante a existência de um grande número de postos de trabalho destinado aos especialistas universitários, bastando duas ou três licenciaturas para esgotar as carências momentâneas existentes num determinado sector. Reaparecem, então, as notícias nos jornais sobre os «doutores no desemprego».
Nessa altura tomam-se decisões precipitadas e patéticas. Na ânsia de encontrarem colocação no mercado de trabalho para os seus diplomados, as faculdades criam novos cursos com designações apropriadas para as circunstâncias imediatas, adoptando critérios que têm muito a ver com o marketing e pouco com a ciência, a técnica ou a cultura.”
“Os políticos não precisam de conhecer as razões por que a universidade portuguesa está caduca e necessita de urgente reforma, conforme eles próprios têm afirmado nos últimos cento e cinquenta anos. No fundo, foram eles que, com a sua proverbial demagogia, criaram o imbróglio quando convenceram a pequena burguesia oitocentista e a chamada classe média do pós-guerra de que era preciso «tirar um curso» e ser doutor para subir na vida.
Já meu pai, em meados do século dos anos sessenta, nos colocava, a mim e ao meu irmão — dois adolescentes ainda imberbes —, perante a seguinte «alternativa»: “Ou tiras o «canudo», ou serás marçano na mercearia cá do bairro”. Graças a Deus licenciei-me, até porque a dita venda faliu quando Lisboa ficou cercada de hipermercados. Hoje está tudo muito mais sofisticado: os pais, padrinhos, ou quem quer que seja, quando o jovem atinge o décimo ano (…) avisam-no logo: vê lá se consegues a média necessária para entrares no Ensino Superior; tira o curso (seja ele qual for; de preferência o mais curto e que aches mais fácil) e deixa o resto por minha conta, que eu arranjo-te emprego na minha empresa, na banca, nos seguros ou noutro sítio qualquer; onde possa mostrar, urbi et orbi, que és um doutor a sério.
Os «meninos» levam os adultos a sério e, quando transpõem o umbral da faculdade, pública, privada ou católica (tenho a impressão que eles nem se importavam que fosse protestante, budista ou xintoísta, desde que fosse universidade), dizem para com os seus botões: “Estou quase safo, e se vencer este primeiro e último obstáculo, o «fulano» de tal mete uma cunha onde quer que seja para eu ter um ordenado de largas centenas, carro topo de gama, telemóvel e tudo o mais que um jovem de sucesso deve possuir neste final de milénio. Se o «fulano» não conseguir, o «sicrano» ou o «beltrano» resolvem o problema.”
Confiantes, sentam-se nos anfiteatros, e surge um sujeito com idade do irmão mais velho (o assistente estagiário), do pai (o assistente), do avô (o doutorado) ou do falecido bisavô (o catedrático) e faz-lhes uma pergunta estranha, senão mesmo idiota: escolheram esta licenciatura porque gostam desta área do saber? Possuem qualificações científicas para frequentarem este curso, ou seja, para dar um exemplo concreto, sabem matemática para estudar engenharia? Que pergunta tão descabida.
Então por demais evidente que as faculdades são uma instituição de ensino? Nesse caso, a obrigação dos professores é ensinar, pois é para isso que a sociedade lhes paga os ordenados que eles recebem ao fim do mês. Além do mais, se já soubessem matemática não precisavam de frequentar a Faculdade de Ciências ou Técnico.
Passa-se todo o ano lectivo neste «diálogo» de surdos. Os docentes universitários lançam as mãos à cabeça e, nas «conversas de gabinete», vão dizendo que «isto» [o estado das coisas] está cada vez pior; «eles» [os alunos] não ligam nenhuma, não sabem peva. Os discentes, cientes de que a universidade é uma «passagem para a outra margem», aborrecida mas necessária, vão criticando as «abstrusas» matérias que lhes impingem e, no caso de haver manifestação contra as propinas, logo procuram os repórteres (de preferência os da SIC) para declarar solenemente que tudo o que lhes ensinam não serve para nada na vida activa. Se os estatutos da vetusta instituição universitária (por definição, antidemoráticos) lhes permitissem opinar em questões de índole científica, tudo mudava (para melhor obviamente), em vez de estudarem Filosofia Medieval, analisariam «em profundidade» o fenómeno mediático que foi a vida e morte da Princesa de Gales (vejam lá que os professores universitários até pronunciam «túnel de Alm[à]», quando as sumidades do Jornal da Noite da televisão dizem «túnel da Alma»).
Por vezes interpelam os professores e mostram-lhe um recorte de jornal onde, pela enésima vez, alguém do jet-set dos mass media, com suma sapiência — se assim não fosse não seria jornalista —, delapida a decrépita universidade portuguesa e apostrofa os lentes retrógrados e madraços que nela vegetam. Há dias mostraram-me um desses artiguinhos iluminados intitulado «Os Intelectuais Hoje» (Diário de Notícias, 22/8/98); o articulista (Emídio Rangel), aludindo a uma comunicação proferida pelo ilustre catedrático Santos Juliá no curso de Verão deste ano organizado pela Universidade Internacional Menéndez Pelayo (Santander), proclama com imenso júbilo (é sempre agradável que um ídolo do foro respalde as nossas ideias e preconceitos) que já hoje — e no futuro ainda mais — a senil intelectualidade lusitana vai ter de aceitar, a bem ou a mal, que morreu o intelectual oitocentista «detentor do saber absoluto e que o terreno dessa casta foi invadido por pessoas com as mais variadas formações, que não abdica de participar na discussão pública».
Para usufruírem deste seu direito inalienável, a novíssima intelligentsia nacional escolheu a televisão, essa margem tecnológica que, «a par de outros meios, fez acelerar a difusão da informação lato sensu e universalizou e democratizou a cultura». Impante, o empenho intelectual do segundo milénio declara: «Por muito que custe aos pseudo-intelectuais que fazem cruzadas contra a televisão em Portugal, este dado é já incontroverso.» Como é obvio, a esmagadora maioria dos universitários portugueses — esses ratos de biblioteca que persistem em preferir o livro e a imprensa séria à televisão e às revistas da moda a ela associadas — fazem parte desses pseudo-intelectuais que teimosamente «vivem numa lógica autista e agarrados a modelos e visões desadequadas e anacrónicos».
Palavras eloquentes e corajosas, sem dúvida, mas os efeitos perniciosos que têm a nível universitário são indesmentíveis.
Delas decorre que vivemos no reino das opiniões; cada um tem a sua (quem não tem nenhuma é um looser), e todas são respeitáveis. O docente universitário faz uma afirmação e sustenta-a em termos científicos mas, de súbito, o aluno retorque (fazendo uso do legítimo direito que lhe assiste de intervir nas aulas) e diz que tem opinião diversa, por acaso condicente com aquela que Margarida Marante e a Maria Elisa defenderam nos seus programas. Como é sabido, numa sociedade democrática a razão assiste sempre à maioria, logo, a opinião delas é mais importante do que a do professor — porque tem a preferência do grande público.
Perante tal cenário, o docente, sobretudo se leccionar uma disciplina das chamadas ciências humanas, começa a contemporizar e, pragmaticamente (porque sabe que os olhos de toda a turma ele não passa de um «zé-ninguém» ao pé das «estrelas» do pequeno ecrã), vai dando «uma no cravo, outra na ferradura» para não se exaltar ou sofrer um inquérito «politicamente correcto» (dado ter origem nos «clientes» do sistema de ensino, como gostam de sublinhar todos os ministros da educação cavaquistas e guterristas) às suas aptidões pedagógicas e científicas. Eis, pois, que entra em cena o «pragmatismo», esse tenebroso estado de espírito que se instala no seio das instituições e as destrói lenta, mas seguramente.
O filósofo espanhol Emilio Lledó, que é tão catedrático como Santos Juliá, teme-o afirma sem hesitações que «una universidad pragmatica es la muerte del saber, de la cultura, y es el peor servicio que se le pude hacer a nuestra sociedad» (El País, 11/7/1998) (…)
A prestação de serviços à comunidade exorta as universidades a colaborarem com as autarquias e as empresas das zonas onde estão sediadas. É um propósito edificante, sem dúvida, mas tem limites. Os laboratórios universitários existem para fazer investigação fundamental, não para solucionar problemas fabris de organização ou racionalização da produção. Os industriais não podem pretender orientar ou condicionar a investigação universitária, mesmo que utilizem poderosos argumentos e natureza economicista. As faculdades, por seu turno, têm de resistir às promessas de lucro imediato, porque essa lógica é empresarial e não científica (…).
A garantia de saídas profissionais para os cursos superiores, que nunca foi uma incumbência da instituição universitária desde os tempos medievos até à actualidade (as faculdades não são agências de emprego), tornou-se nos dias de hoje uma espécie de obrigação moral para as universidades de todo o mundo. Julgo que nenhuma faculdade do nosso país se alheou da questão e, dentro das suas possibilidades (que são escassas, porque a universidade portuguesa nunca teve poder de decisão a nível económico e nos últimos quinze anos perdeu boa parte de influência que historicamente sempre exerceu junto dos políticos), todas tentam garantir um futuro profissional digno para os seus licenciados. Mas, convenhamos, a tarefa não é fácil, pois a frágil economia portuguesa não garante a existência de um grande número de postos de trabalho destinado aos especialistas universitários, bastando duas ou três licenciaturas para esgotar as carências momentâneas existentes num determinado sector. Reaparecem, então, as notícias nos jornais sobre os «doutores no desemprego».
Nessa altura tomam-se decisões precipitadas e patéticas. Na ânsia de encontrarem colocação no mercado de trabalho para os seus diplomados, as faculdades criam novos cursos com designações apropriadas para as circunstâncias imediatas, adoptando critérios que têm muito a ver com o marketing e pouco com a ciência, a técnica ou a cultura.”
Manuel F. Canaveira
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Referência bibliográfica: Canaveira, M.F. (1998). As ficções neo-liberais. Ler, n.º43, 44-47 e 126-127.
Imagem encontrada aqui.
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Democracia directa e demagogia
Numa crónica anterior, reflecti sobre os três princípios fundamentais da democracia grega antiga: a isonomia (‘igualdade perante a lei’), a isocracia (‘igualdade perante o poder’), a isegoria (‘igualdade no uso da palavra’). Com estes três princípios, reforçados pela ideia de que a força da decisão é colocada na vontade da maioria, os Atenienses estabeleceram a essência do regime democrático, sendo normas comuns, portanto, às diferentes aplicações genuínas do ‘poder do demos’ (ecoado, aliás, no refrão popular ‘o povo é quem mais ordena’).
Devo notar que os direitos da cidadania plena abrangiam apenas 10 a 15% da população, sendo, por conseguinte, grande a percentagem dos excluídos, em maior ou menor grau. Este facto costuma ser aproveitado pelos críticos da democracia antiga, apelidando-a de regime elitista e mesmo esclavagista. Esta limitação é inegável, mas regra geral a argumentação apresentada peca por ligeireza de análise, por descurar o contexto histórico e a situação real das pessoas, quando comparada com as condições oferecidas por outras sociedades.
No entanto, o aspecto determinante para explicar esta limitação do número de cidadãos (cerca de 30.000) deriva do facto de a democracia ateniense ser uma democracia directa, que pressupõe a reunião efectiva de todos os cidadãos, o que é muito diferente da democracia representativa em que vivemos, na qual a esmagadora maioria da população delega, através do voto, a capacidade de decisão nos seus representantes.
Por isso é que o número de cidadãos pode chegar facilmente aos milhões, enquanto no caso ateniense teria de ficar-se por alguns milhares. Ainda assim, Atenas alargou a cidadania até onde lhe foi possível e 10 ou 15% da população, apesar de pouco para a nossa prática, é bastante mais do que 1 ou 1,5%, cifra característica de regimes oligárquicos.
Uma última nota: as democracias modernas continuam a dispor de mecanismos que aplicam a democracia directa, se bem que os utilizem apenas em situações excepcionais. É o caso do referendo, que permite uma consulta directa a toda a população. Há, ainda, outras formas disfarçadas de consulta popular directa, como acontece com as chamadas telefónicas ou mensagens electrónicas, muito usadas em concursos públicos ou então como forma de obter sondagens.
Não é raro constatar que os meios de comunicação o fazem, porém, essencialmente para garantir audiências e isto poderia levar-nos a ponderar um outro problema: os riscos da demagogia, muito maiores numa sociedade como a nossa, que tem um acesso muito facilitado à informação, mas que, em boa parte, vive também alheada da política no sentido mais nobre (real empenho na vida da pólis), ficando, por isso, particularmente exposta à mensagem errática dos falsos ‘condutores do povo’. A estes voltaremos em outra oportunidade.
Devo notar que os direitos da cidadania plena abrangiam apenas 10 a 15% da população, sendo, por conseguinte, grande a percentagem dos excluídos, em maior ou menor grau. Este facto costuma ser aproveitado pelos críticos da democracia antiga, apelidando-a de regime elitista e mesmo esclavagista. Esta limitação é inegável, mas regra geral a argumentação apresentada peca por ligeireza de análise, por descurar o contexto histórico e a situação real das pessoas, quando comparada com as condições oferecidas por outras sociedades.
No entanto, o aspecto determinante para explicar esta limitação do número de cidadãos (cerca de 30.000) deriva do facto de a democracia ateniense ser uma democracia directa, que pressupõe a reunião efectiva de todos os cidadãos, o que é muito diferente da democracia representativa em que vivemos, na qual a esmagadora maioria da população delega, através do voto, a capacidade de decisão nos seus representantes.
Por isso é que o número de cidadãos pode chegar facilmente aos milhões, enquanto no caso ateniense teria de ficar-se por alguns milhares. Ainda assim, Atenas alargou a cidadania até onde lhe foi possível e 10 ou 15% da população, apesar de pouco para a nossa prática, é bastante mais do que 1 ou 1,5%, cifra característica de regimes oligárquicos.
Uma última nota: as democracias modernas continuam a dispor de mecanismos que aplicam a democracia directa, se bem que os utilizem apenas em situações excepcionais. É o caso do referendo, que permite uma consulta directa a toda a população. Há, ainda, outras formas disfarçadas de consulta popular directa, como acontece com as chamadas telefónicas ou mensagens electrónicas, muito usadas em concursos públicos ou então como forma de obter sondagens.
Não é raro constatar que os meios de comunicação o fazem, porém, essencialmente para garantir audiências e isto poderia levar-nos a ponderar um outro problema: os riscos da demagogia, muito maiores numa sociedade como a nossa, que tem um acesso muito facilitado à informação, mas que, em boa parte, vive também alheada da política no sentido mais nobre (real empenho na vida da pólis), ficando, por isso, particularmente exposta à mensagem errática dos falsos ‘condutores do povo’. A estes voltaremos em outra oportunidade.
Delfim Leão
Topoi
O nosso habitual destaque à coluna "Estranho Quotidiano" de J.L. Pio de Abreu no "Destak":
Aristóteles chamava topoi ou "lugares comuns" a algumas verdades aceites que orientam os nossos argumentos e as escolhas do dia a dia. Apesar de tudo, tais verdades podiam ser discutidas. Um exemplo, é a ideia de que se deve preferir um bem mais duradouro àquele que é menos duradouro. È fácil reconhecer que essa opinião orientou, desde sempre, as nossas escolhas.
Chegou, porém, o momento de pôr em causa este lugar comum. Se eu escolher um bem que perdure, vou-me ver a braços com problemas de compatibilidade e actualização. Num computador com mais de dois anos não posso já instalar os programas actuais e talvez não tenha possibilidade de utilizar alguns periféricos. Um automóvel com mais de cinco anos não pode beneficiar dos sistemas de segurança a que nos vamos habituando. Até as velhas televisões vão ficar obsoletas com o advento do digital. Melhor teria sido preferir coisas menos duradouras às que o eram mais.
De facto, os bens que hoje se adquirem já duram cada vez menos. Fica mais caro (e às vezes é impossível) consertar um electrodoméstico do que comprar um novo. É a época do efémero. Até os topoi, que sobreviveram desde Aristóteles, perdem hoje a sua validade. E, para alem dos topoi, as ideias e ideais que ontem faziam sentido deixaram de o fazer. Tal como os electrodomésticos, as ideias são agora efémeras, sem passado nem futuro. Deixaremos então de as ter? De modo algum! As ideias do presente são diariamente fornecidas pelos meios informativos que nos cercam. Assim, até nos poupam o esforço de pensar.
J. L. Pio de Abreu
Aristóteles chamava topoi ou "lugares comuns" a algumas verdades aceites que orientam os nossos argumentos e as escolhas do dia a dia. Apesar de tudo, tais verdades podiam ser discutidas. Um exemplo, é a ideia de que se deve preferir um bem mais duradouro àquele que é menos duradouro. È fácil reconhecer que essa opinião orientou, desde sempre, as nossas escolhas.
Chegou, porém, o momento de pôr em causa este lugar comum. Se eu escolher um bem que perdure, vou-me ver a braços com problemas de compatibilidade e actualização. Num computador com mais de dois anos não posso já instalar os programas actuais e talvez não tenha possibilidade de utilizar alguns periféricos. Um automóvel com mais de cinco anos não pode beneficiar dos sistemas de segurança a que nos vamos habituando. Até as velhas televisões vão ficar obsoletas com o advento do digital. Melhor teria sido preferir coisas menos duradouras às que o eram mais.
De facto, os bens que hoje se adquirem já duram cada vez menos. Fica mais caro (e às vezes é impossível) consertar um electrodoméstico do que comprar um novo. É a época do efémero. Até os topoi, que sobreviveram desde Aristóteles, perdem hoje a sua validade. E, para alem dos topoi, as ideias e ideais que ontem faziam sentido deixaram de o fazer. Tal como os electrodomésticos, as ideias são agora efémeras, sem passado nem futuro. Deixaremos então de as ter? De modo algum! As ideias do presente são diariamente fornecidas pelos meios informativos que nos cercam. Assim, até nos poupam o esforço de pensar.
J. L. Pio de Abreu
A PASSAROLA (1918)
INVESTIGAÇÃO: A CONSTRUÇÃO DO SABER
Agora que se está a tratar da avaliação dos professores do ensino superior é oportuno voltar ao tema da missão da universidade. Recupero, para isso, um texto, que publiquei em "A Coisa Mais Preciosa que temos" (Gradiva, 2002), um volume quase esgotado:
O sociólogo António Barreto elencou numa página do jornal “Público”, para melhor as sujeitar a exame, algumas ideias feitas sobre o ensino em Portugal. Uma delas é que “a universidade existe para ensinar”. Logo um professor do ensino secundário lhe saiu ao caminho, admiradíssimo, interrogando-se e interrogando-nos: “Mas para que mais é que pode servir?”
A culpa da ignorância do professor poderá não ser só dele. Será obviamente também da universidade onde deve ter andado pelo menos quatro anos, tempo esse que, pelos vistos, não foi suficiente para ter reparado na primeira função dessa escola superior. Podia ao menos ter lido os livros do autor que pretendia contradizer, para melhor preparar a sua crítica. Se o tivesse feito, teria reparado que António Barreto, no seu livro “Os Silêncios do Regime”, saído em 1992 na Editorial Estampa, fazia a necessária pedagogia:
“As Universidades portuguesas sempre fizeram sobressair, entre todas, a função primordial do ensino. Isto, em detrimento do que deveria ser o seu principal objectivo: o conhecimento. Ou, noutras palavras, a aquisição, o desenvolvimento, a crítica e a renovação do conhecimento. (...) Consagrado o primado do ensino, termos como ‘cientista’ ou ‘investigador’ têm pouco uso nas nossas escola, ao contrário de ‘docente’ na sua mais redutora visão.”
Um outro autor, o matemático João Queiró (in “A Universidade Portuguesa – Uma Reflexão”, Gradiva, 1995) disse o mesmo por outras palavras:
“A universidade é um sítio onde se estuda. Não é um sítio onde se ensina, muito menos um sítio onde se avalia, muito menos ainda um sítio onde se passam diplomas.”
Essa função primordial da universidade não é nova. Foi enunciada pelo alemão Alexander von Humboldt no século XIX: a universidade serve, em primeiro lugar, para investigar, serve para disseminar cultura e serve, ainda, para ensinar. Esta missão plural da universidade contrasta com a função exclusiva de formação profissional, que prevaleceu na Idade Média quando as faculdades principais eram Teologia, Cânones (Direito Canónico), Leis e Medicina. Modernamente acrescenta-se à trilogia de Humboldt a prestação de serviços à comunidade, a qual nem sempre se faz sem prejuízo da criação de saber ou da difusão de cultura.
Numa universidade que se preze, em primeiro lugar cria-se, constrói-se saber. Se assim não fosse, o ensino aí professado depressa se tornaria anquilosado. Ensinar-se-iam repetida e acriticamente as mesmas matérias... Uma universidade em que só se ensine devia antes ser chamada liceu superior. O crítico de Barreto deve ter andado num liceu superior, mero retransmissor de conhecimentos, formador (formador? talvez melhor informador) de pessoas que poucas possibilidades terão de criar conhecimento novo e original.
A investigação consiste precisamente na construção de novo saber. Poder-se-ia fazer um inquérito sociológico e perguntar à população nacional o que é investigar. Para alguns, as que só andaram num liceu ou num liceu superior, investigar talvez seja sinónimo de ler. De facto, quem investiga lê muito. Mas ler não é sinónimo de investigar (está equivocado aquele professor universitário que afirmou que investigava, sim senhor, pois até preparava as suas aulas). Talvez outros associem a investigação à pesquisa criminal. Com efeito, um agente da Polícia Judiciária é vulgarmente conhecido por investigador. Talvez esta acepção esteja mais próxima da verdadeira do que a anterior. Sherlock Holmes, ao descobrir o autor de um crime, está afinal a fazer algo parecido com o que faz um investigador científico.
Qual é então uma boa definição de investigação? Investigar é realizar uma “pesquisa crítica e sistemática, com base por exemplo na experimentação, que se destina a rever conclusões aceites à luz de factos novos.” Repita-se para esclarecimento dos que pensam que investigar é simplesmente ler o que alguém escreveu: “Rever conclusões aceites à luz de factos novos”.
É evidente que investigar não é tarefa fácil. Se o fosse, o número de investigadores seria muito maior. Conforme notou Henry Rosovsky, professor de economia que foi “dean” da Faculdade de Artes e Ciências da Universidade de Harvard, em Boston, e escreveu o interessante livro sobre a missão das universidades “University: An Owner’s Manual” (vem lá a definição anterior de investigação), mesmo nos Estados Unidos, que tem as melhores universidades do mundo (como precisamente a de Harvard), poucos professores universitários são investigadores. Nas chamadas “research universities”, todos os professores são investigadores, sendo escolhidos justamente pelo seu currículo de investigação. Mas, em muitos “community colleges”, que são a maior parte das escolas superiores, os docentes são pessoas que pouca ou nenhuma ideia terão sobre o que é a investigação. Em Portugal não há ainda bons “rankings” de universidades, mas, quando os houver, semelhante destrinça será decerto feita.
Há quem diga que não se pode fazer tudo bem ao mesmo tempo. Um bom investigador não pode ser um bom professor. E um bom professor não pode ser um bom investigador. Se há tempo para uma coisa não haverá para a outra. Rosovsky pergunta então quais poderão ser as motivações para um aluno ingressar numa “research university”, isto é uma verdadeira universidade, em vez de ir para um “university college”. E dá a resposta, enumerando três ordens de razões.
1) Um professor que também constrói o conhecimento é um optimista. Ele acredita que é possível saber e faz por isso. É uma pessoa curiosa a respeito do mundo e, portanto, necessariamente mais interessante aos olhos dos seus alunos. Na peça “Jacques Le Fataliste”, que Dennis Diderot escreveu e que Milan Kundera reescreveu, um pessimista afirma repetidamente que “está tudo escrito lá em cima”. Ora bem, para um investigador, não está tudo escrito lá em cima: pelo contrário, pode escrever-se cá em baixo e ele escreve...
2) Um professor em exclusivo, uma vez atingido o topo da carreira, tende a “enferrujar” se for repetindo as mesmas matérias. Mas o mesmo não se passa com um investigador activo, que tem sempre problemas novos em que pensar, locais novos onde ir e pessoas interessantes para conhecer. Escreve artigos e frequenta congressos, evitando o tédio. O romancista inglês David Lodge diz justamente que as três tecnologias que mudaram a universidade foram a fotocopiadora, o telefone e... o avião a jacto.
3) Embora seja difícil medir a produtividade pedagógica (pode tentar medir-se a qualidade da docência analisando inquéritos dos alunos, mas este processo não deixa de ser falível), é relativamente fácil medir a produtividade científica: basta atentar no número de “papers” aceites, no número de citações que tiveram, no impacto das revistas que os publicaram, etc. É menos provável cometer um erro ao contratar um professor universitário atendendo apenas ao seu currículo científico do que atendendo apenas ao seu currículo pedagógico. Claro que a investigação é hoje uma actividade onde nem sempre se respeitam regras (o pacato Dr. Arrowsmith, do livro de Sinclair Lewis, não se compara aos cientistas em tremenda competição de “A Dupla Hélice”, o livro auto-biográfico de James Watson), mas, apesar de tudo, uma avaliação científica é bem mais justa do que uma avaliação pedagógica.
Em resumo: conhecer é uma obrigação essencial da universidade moderna.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
O GRANDE COLISIONADOR HADRÓNICO
Post convidado de João Carlos Carvalho (na imagem, o detector da experiência Atlas, no LHC do CERN, pnde o autor tem trabalhado):
Em Novembro de 2009 o grande colisionador hadrónico (LHC) voltou a funcionar no laboratório europeu de física de partículas (CERN), junto a Genebra, na fronteira entre a França e a Suiça. Após cerca de 20 anos de desenho e construção, nos primeiros testes, realizados em Setembro de 2008, o acelerador de partículas sofreu uma avaria grave e esteve parado mais de um ano para reparações e melhoramentos. Agora a máquina, com os seus 27 km de perímetro a maior jamais construída pela humanidade, teve um reinício muito promissor, tendo logo nos primeiros dias batido o recorde de energia em laboratório, em colisões de protões que atingiram o valor de 2.36 TeV (tera electrões-volt).
A 20 de Novembro de 2009 era enorme a expectativa e tensão nas salas de controlo do LHC e das experiências instaladas em cavernas ao longo do percurso do feixe. Enquanto os especialistas faziam os ajustes finais nos parâmetros da máquina, os olhos não largavam os ecrãs onde eram mostradas informações acerca do estado e posição e estado do feixe. Ao longo de cerca de 2 horas o feixe foi percorrendo cada vez maior distância dentro do túnel, um oitavo do seu perímetro de cada vez, até que finalmente completou uma volta, acompanhada de uma explosão de alegria geral. Seguiram-se as primeiras colisões com os colimadores do feixe, produzindo enormes quantidades de partículas, registadas pelos diferentes detectores, provando deste modo que estes também estavam a funcionar e preparados para registar os acontecimentos produzidos.
O LHC representa um enorme esforço científico global. Dada a sua dimensão, complexidade e custo é um empreendimento que não está ao alcance de um único país; os recursos têm de ser reunidos numa colaboração que envolve países de todos os continentes, desde Marrocos ao Canadá, do Brasil à Coreia do Sul, passando pela generalidade dos países europeus. Portugal, como estado membro do CERN (desde 1986), entrou no projecto logo no seu início, participando no desenho, construção e operação de dois dos detectores instalados (ATLAS e CMS), em estudos de simulação de física de partículas, e no fornecimento, por parte da indústria portuguesa, de componentes e serviços para a construção da máquina.
Para conseguir alcançar a enorme energia de colisão necessária para revelar e estudar nova física, é necessário curvar os feixes de protões para que percorram a trajectória circular sempre dentro do tubo de vazio no interior do túnel, escavado a cerca de 100 m de profundidade. Esta curvatura é apenas possível usando campos magnéticos muito intensos, de 8,33 T (cerca de 200 mil vezes mais intensos que o campo magnético terrestre), que precisam de correntes eléctricas muito elevadas para serem produzidos.
Para minimizar as perdas devido à resistência eléctrica, o LHC é a maior instalação supercondutora do mundo (a supercondutividade, ou condução de corrente eléctrica sem resistência, é uma propriedade de alguns materiais atingida apenas abaixo de uma certa temperatura crítica). Para arrefecer o material supercondutor, uma liga de nióbio-titânio, é usado hélio no estado líquido, a 271 graus abaixo de zero, mais frio que o espaço exterior. Os enormes depósitos especiais usados para armazenar o Hélio foram especialmente desenvolvidos e produzidos pela indústria portuguesa.
E o que se pretende estudar com todo este esforço, envolvendo mais de 6000 físicos e engenheiros de todo o mundo? Muitas das questões fundamentais da física de partículas, e logo do nosso conhecimento da constituição mais elementar da matéria e do início e evolução do Universo, estão ainda por esclarecer. Exemplo disto é a constituição da matéria negra, que sendo cerca de 25% da massa do Universo ainda não temos a mínima pista acerca da sua origem (bem como da chamada energia negra, que constitui cerca de 70% do Universo). Ou porque é que as partículas elementares têm massa, e porquê massas diferentes (aqui pode entrar em acção o chamado bosão de Higgs, também ainda não descoberto). Ou porque é que o Universo é essencialmente constituído por matéria e não também por antimatéria. Ou se será possível criar micro buracos negros em laboratório (são buracos negros que se evaporam rapidamente, não aqueles que consomem galáxias inteiras, que não são possíveis criar em laboratório). E muitas outras questões igualmente importantes e fascinantes. No LHC a energia da colisão de protões transforma-se na massa de conhecidas ou desconhecidas partículas, seguindo a relação de Einstein. O trabalho dos físicos, após o registo desses acontecimentos no centro dos detectores, é analisar os dados, interpretá-los à luz do conhecimento actual e testar novas teorias, quando as antigas não descrevem o que é observado.
Todos os anos cada experiência do LHC registará milhares de terabytes de dados. Para o seu armazenamento, reconstrução e análise são necessários cerca de 100 mil dos processadores actuais. Como não é prático instalar essa capacidade computacional num único centro (nem existe financiamento para tal), recorreu-se ao conceito de computação distribuída designado por Grid de computação, em que muitos centros, grandes e pequenos, partilham a tarefa de reconstrução e partilha dos dados, ficando assim acessíveis a todos os investigadores envolvidos nas experiências. Em Portugal existe um centro de cálculo de Grid dedicado aos dados do LHC, numa federação entre três centros, dois em Lisboa e um em Coimbra. Tal como o conceito de World Wide Web (www), desenvolvido no CERN nos anos 1980, permitiu a partilha de informação a nível global, expandindo enormemente o alcance da sociedade da informação e facilitando o acesso ao conhecimento, também o conceito de Grid de computação permite o acesso a meios de cálculo poderosos a qualquer investigador localizado em qualquer parte do mundo. A tecnologia de ponta desenvolvida e utilizada no LHC, seja em computação, materiais, detectores, sensores ou software, entrarão, mais tarde ou mais cedo nas nossas vidas.
O Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), Laboratório Associado, esteve desde o início envolvido em duas das grandes experiências do LHC: ATLAS e CMS. Por exemplo, a Delegação de Coimbra do LIP, instalada no Departamento de Física, está envolvida na colaboração ATLAS, tendo desenvolvido, produzido e instalado componentes para o detector, para além de importantes estudos no âmbito da simulação e análise de dados, tendo realizado reconhecido trabalho no estudo das propriedades do quark top, a mais pesada das partículas elementares conhecidas. O detector ATLAS, um cilindro com 44 m de altura e 25 m de diâmetro, é o maior e o mais complexo detector de partículas jamais construído.
Após uma curta paragem de Inverno, o LHC irá iniciar agora a sua operação regular e, previsivelmente, bater novos recordes de energia e de taxas de colisão, e produzir dados que poderão revolucionar não só a Física como também a nossa imagem da Natureza e do Universo.
João Carvalho (LIP Coimbra)
Transição para a civilização do tipo I
O físico norte-americano Michio Kaku (na figura, a cumprimentar o robô) termina assim o seu livro "Mundos Paralelos" (Bizâncio, 2006) advogando a transição para uma civilização verdadeiramente planetária, uma civilização que usa toda a energia que recebe da sua estrela (a nossa civilização ainda é de tipo 0,7):
"Na peça de Anton Chekhov "As Três Irmãs", no acto II, o Coronel Vershimin proclama: "Dentro de um século ou dois, ou dentro de um milénio, as pessoas viverão de uma maneira diferente e mais feliz. Não estaremos lá para ver, mas é para isso que vivemos e trabalhamos. É para isso que sofremos. É para isso que estamos a contribuir. É essa a finalidade da nossa existência. A única felicidade que podemos conhecer é saber que estamos a trabalhar para esse objectivo."Michio Kaku
Pessoalmente, longe de me sentir deprimido pela imensidão do Universo, estou impressionado com a existência de mundos inteiramente novos a seguir ao nosso. Vivemos numa época em que estamos a começar a exploração do Cosmos com sondas e telescópios espaciais, com teorias e equações.
Também me sinto privilegiado por viver num tempo em que o nosso mundo está a dar passos tão heróicos. Estamos vivos para presenciar o que talvez venha a ser a maior transição da história da humanidade: a transição para uma civilização de tipo I, talvez a a mais significativa, mas também a mais perigosas transição da história da humanidade.
Outrora, os nossos antepassados viveram num mundo cruel e hostil. durante a maior parte da história, as pessoas tinham uma vida curta, uma vida selvagem, e a esperança média de vida era de cerca de 20 anos. Viviam à mercê do destino, do terror constante das doenças. o exame dos ossos dos nossos antepassados revela que estão incrivelmente gastos, o que testemunha as cargas que transportavam diariamente; também exibem marcas indiciadoras de doenças e de acidentes horríveis. Mesmo no século passado, os nossos avós viviam sem os benefícios das medidas sanitárias modernas, dos antibióticos, dos aviões a jacto, dos computadores e das outras maravilhas da electrónica.
Os nossos netos, contudo, viverão na alvorada da primeira civilização planetária da Terras. Se nós não permitirmos que o nosso instinto brutal para a autodestruição nos consuma, os nosso netos poderão viver numa idade em que a miséria, a fome e a doença deixarão de ameaçar o nosso destino. Pela primeira vez na história, temos ao nosso dispor os meios para destruir toda a vida na Terra ou para transformar o planeta num paraíso.
Quando era criança, muitas vezes perguntava como seria a vida num futuro longínquo. Hoje acredito que, se pudesse escolher viver noutra era qualquer da humanidade, escolheria esta. Vivemos hoje o tempo mais excitante da história do homem, o ponto culminante de algumas das maiores descobertas cósmicas e avanços tecnológicos de todos os tempos. Estamos a fazer a transição histórica de observadores passivos da dança da Natureza para nos transformarmos em coreógrafos dessa dança, com a capacidade de manipular a vida, a matéria e a inteligência. Contudo, a esse tremendo poder acresce a grande responsabilidade de garantirmos que o fruto dos nossos esforços será usado sensatamente e para benefício de toda a humanidade.
A geração actual é talvez a geração mais importante da humanidade. Ao contrário das gerações anteriores, temos nas nossas mãos o destino da nossa espécie: ou nos elevamos cumprindo o nosso destino como uma civilização de tipo I ou caímos no abismo do caos, da poluição e da guerra. As decisões que tomarmos irão repercurtir-se no presente século. O modo como resolvermos as guerras globais, a proliferação de armas nucleares e a guerra sectária e étnica erguerão ou deitará por terra as bases de uma civilização do tipo I. Talvez a finalidade e o sentido da actual geração sejam garantir a suavidade da transição para uma civilização do tipo I.
A escolha é nossa. Este é o legado da geração actual. Este é o nosso destino."
CIMEIRA SOBRE O UNIVERSO
O "New York Times" de terça-feira, pela pena de Dennis Overbye, informa sobre uma cimeira de físicos (e não só) realizada recentemente em Los Angeles, Califórnia: aqui.
Imagem: a física Lisa Randall, uma das participantes.
Manhosos, manhosos, manhosos, e mais manhosos
Este ano passam 40 anos sobre a morte de Almada Negreiros (ainda me lembro de o ver numa entrevista no programa "Zip-Zip" da RTP). Ora leia-se esta sua intervenção de 1933 e veja-se se o pintor, poeta e publicista perdeu a actualidade:
"Há, sim senhor!
Há um Portugal sério, um Portugal que trabalha, que estuda; curioso, atento e honrado! Há um Portugal verdadeiro que não perde o seu tempo com inimigos fantásticos e cujo único desejo é apenas e grandemente ser Ele próprio! Há um Portugal, o único que deve haver e que afinal é o único que não anda por causa dos vários Portugais inventados de todos os lados de Portugal! Há um Portugal profissionalista, civil e insubornável! Há, sim senhores! Mas entretanto...
Entretanto, a nossa querida terra está cheia de manhosos, de manhosos e de manhosos, e de mais manhosos. E numa terra de manhosos não se pode chegar senão a falsos prestígios. É o que há mais agora por aí em Portugal: os falsos prestígios. E vai-se dizer de quem é a culpa de haver manhosos e falsos prestígios: a culpa é nossa, e só nossa!"
José de Almada Negreiros, In Diário de Lisboa de 3 de Novembro de 1933
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
Retrospectiva Yuriy Pogorelov, no Porto:
Informação recebida da Nomadic.0910 (meetings between art and science), do Porto:
O ciclo Nomadic.0910 – encontros entre arte e ciência orgulha-se de apresentar a primeira exposição retrospectiva de ilustrações de Yuriy Pogorelov, professor de Física da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
O percurso de Yuriy Pogorelov é paradigmático da ambição do ciclo Nomadic.0910, na medida em que testemunha de forma particularmente eficaz a convergência de vocações diferenciadas do conhecimento. Yuriy tem vindo a dedicar-se de forma continuada à ilustração desde há várias décadas, alimentando esta prática quotidiana com conhecimentos multidisciplinares e referências a áreas tão distintas como as ciências, política, história, tecnologia e sociedade.
O seu corpo de trabalho, profundamente enraizado no seu próprio percurso biográfico, desdobra-se em universos simultaneamente acessíveis e complexos, simultaneamente severos e delirantes. Estes universos são construídos a partir de um humor que observa, subverte e desconstrói o conhecimento e a condição humana dos modos mais surpreendentes.
LUAS EXTRASOLARES
Como o filme "Avatar", que acaba por ultrapassar "Titanic" como filme que mais receita gerou, se passa numa lua extrasolar, vale a pena ler o que o blogue "Astro.pt" diz sobre luas extra-solares: aqui.
REDESCOBRIR A CORTIÇA
Unformação recebida da ONG Euronatura:
O que foi a Junta Nacional da Cortiça? Quais foram os temas que estavam mais presentes nas suas funções e objectivos? Quais as dificuldades atravessadas pela fileira da cortiça na crise de 1929 e durante a ditadura de Salazar? O que levou ao desaparecimento da Junta ou do Instituto dos Produtos Florestais? Em que medida conhecer o percurso da Junta pode ser útil para as novas instituições corticeiras que estão a aparecer actualmente?
Para responder a essas questões, a ONG Euronatura lança o livro Junta Nacional da Cortiça (1936-1972), no próximo dia 28 de Janeiro, pelas 19h, na livraria Aletheia (Rua do Século, nº 13, Lisboa), com a presença do autor, o investigador Ignacio Garcia Pereda e a intervenção do Dr. Dionísio Mendes (presidente da Câmara Municipal de Coruche) e da Dra. Graça Filipe (subdirectora do Instituto dos Museus e da Conservação).
A obra é o resultado do projecto de investigação homónimo, realizado pelo programa Promocork.com, cujo objectivo é conhecer e divulgar esta emblemática Instituição, tendo, neste sentido, digitalizado mais de 10 anos dos boletins da Junta Nacional da Cortiça, publicações mensais que apareceram pela primeira vez em 1938 (disponíveis aqui).
Num momento em que a fileira da cortiça assiste ao nascimento de novas instituições como o Observatório da Cortiça de Coruche ou o Centro Nacional de Valorização do Montado, de Portel, esta Instituição, da metade do século XX, deve ser justamente reconhecida. Até agora não se tem prestado a devida atenção ao teor e ao impacto das suas funções, nem às vertentes de investigação e divulgação desenvolvidas pelo seu laboratório. É esta falha que este projecto pretende colmatar, contribuindo simultaneamente para um melhor conhecimento da realidade do Estado Novo português.
Com esta publicação a Euronatura lança o segundo volume da sua colecção “História e Política Florestal” que pretende contribuir para melhorar o conhecimento nesta área da história contemporânea portuguesa.
DO ESPAÇO E DO TEMPO
Vale a pena ver, na Biblioteca da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (no Monte da Cparaica), dirigida por José Moura, a exposição "Do Espaço e do Tempo" de Mário Cabrita Gil.
HÁ CEM ANOS (MAIS OU MENOS)
O antecessor do Segway: "No Palácio de Cristal do Porto: Sr.ª D. Ru Soares, distinta sportswoman, passeando no seu autoped." In Ilustração Portuguesa n.º 651, 12.08.1918
Ciência e Ficção
Informação recebida do Centro Ciência Viva Romulo de Carvalho:
O projecto “Quark!” e o Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho levam a cabo a iniciativa “Ciência e Ficção“.
Uma sexta-feira por mês, nos fins de semana da escola Quark!, pelas 21h15m, no Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho (situado Departamento de Física da FCTUC), haverá debate com convidados, à volta de livros de ficção científica… e da ciência que estes encerram.
A primeira secção será sobre a Obra "Da Terra à Lua" de Júlio Verne.
· Data: 29 de Janeiro de 2010
· Hora e local: 21h15, CCVRC, Departamento de Física da Universidade de Coimbra
· Palestrante: Maria Luísa Malato
· Tema: Espaços imaginários da Lua e outros planetas
HAPPY BIRTHDAY WOLFGANG
Hoje, dia de aniversário de Mozart, deixamos uma das suas sonatas tocadas por Horowitz. Sobre a relação entre Mozart e Einstein ver aqui.
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
CRONOGRAFIA OU REPORTÓRIO DOS TEMPOS
Informação recebida da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra:
Agora que se aproxima do fim a primeira década do terceiro milénio, está patente no espaço das Prisões Académicas da Universidade de Coimbra (no edifício da Biblioteca Joanina), até 19 de Março, uma mostra bibliográfica sobre o calendário que expõe edições dos Reportórios dos tempos, precursores dos Almanaques ou Calendários. Estes repositórios de dados e conhecimentos eram destinados ao grande público que neles encontrava os dados astronómicos necessários à vida prática e as tão apreciadas indicações de astrologia.
Das obras dedicadas ao calendário religioso os calendários perpétuos destinavam-se ao cômputo a curto ou longo prazo das festas móveis da igreja. Quer o Calendário Gregoriano perpétuo (1583) qyer a Chronographia ou Reportório dos tempos (1506) de André de Avelar (sucessor de Pedro Nunes em Coimbra), incluem as correcções necessárias que se seguiram à reforma do calendário gregoriano, em 1582, que nasceu da necessidade de fazer regressar o equinócio da Primavera a 21 de Março desfazendo o erro de cerca de 10 dias que ocorria na contagem do tempo do calendário juliano.
O papa Gregório XIII criou uma comissão formada pelos melhores astrónomos e matemáticos da época, onde o célebre jesuíta Christoph Clavius (antigo aluno da Academia de Coimbra) desempenhou um papel preponderante. Veio a ser escolhido o projecto de reforma apresentado pelo astrónomo Luís Lílio e, após serem ouvidos vários príncipes, bispos e universidades, o papa publicou em 24 de Fevereiro de 1582 a Bula Inter Gravíssimas, que estabeleceu o novo calendário. De início houve algumas críticas, como as de Viète, mas actualmente o calendário gregoriano pode ser considerado de uso universal.
Mostra | 18 de Janeiro a 19 de Março | Prisões Académicas da Universiodade de Coimbra
2ª. a 6ª. Feira das 9:30h – 17:30h
Obras expostas (ordem cronológica):
ANTÓNIO DE BEJA, fl. 1493-?, Contra os juyzos dos astrólogos. [Lisboa] : Germam Galhard, 1523. R-14-10
REGIOMONTANUS, Johannes Müller, 1436-1476 Tabulae directionum et perfectionum clarissimi viri ac praestantissimi mathematici … Eiusdem Regiomontani Tabula sinuum, per singula minuta extensa, universam sphaericorum triangulorum scientiam comprehendens ... Augustae Vindelicorum : excudebat Philippus Ulhardus, 1551. 4 A-16-35-3
SACRO BOSCO, Johannes, fl. 1230 Sphaera … emendata. Eliae Vineti Santonis scholia in eandem sphaera ab ipso auctore restituta. Adiunximus huic libro compendium in sphaeram, per Pierium Valerianum Bellunensem, et, Petri Nonii … Demonstratione eorum, quae in extremo capite de climatibus sacroboscius scribit, de inaequali climatum latitudine … Lutetiae : apud Gilielmum Cavellat, 1556. RB-13-3
LI, Andrés de, fl. 14-- , Reportorio dos te[m]pos em lingoagem portugues, co[m] as estrellas dos signos, y com as co[n]dições do que for nascido neste signo. E ho crecer y mingoar do dia y noite. E das quatro co[m]preixões, y suas condições. E a declinaçam do sol co[m] seu regimento. E o regimento da estella do Norte, com outras muitas cousas acrescentadas de nouo … Em Enora [sic] : em casa de André de Burgos, 1573. V.T.-18-8-17
NUNES, Pedro, 1502-1578 Petri Nonii Salaciensis De arte atque ratione navigandi libri duo. Eiusdem in theoricas planetarum Georgij Purbachiij annotationes... Eiusdem De erratis Orontij Finoei liber unus. Eiusdem De crepusculis lib. I cum libello Allacen De causis crepusculorum. Conimbricae : in aedibus Antonij à Marijs, 1573. RB-29-9
JERÓNIMO DE CHAVES, 1523-1574, Chronographia o Reportorio de los tiempos, el mas copioso y preciso que hasta ahora ha salido a luz …Añadio se en esta vltima impression vna Tabla perpetua para saber las Lunas nuevas y outra tabla perpetua para saber la hora dela marea y assi mismo outra tabla perpetua de las fiestas mouibles. Em Lisboa : por António Ribeiro, 1576. R-11-30
IGREJA CATÓLICA. Liturgia e ritual. Calendário Calendarium perpetuum triginta sex tabulis comprehensum : breviario romano ex decreto sacrosancti Concilij Tridentini restituto, ac Pij V Pont. Max. iussu aedito cum primis utile & necessarium … Adiectis quoque ad calcem libri non solum Hispaniae, sed & lusitaniae peculiaribus sanctorum festitutatibus quae in hisce provintijs a fidelibus communiter celebrantur. [Conimbricae] : apud Antonium à Mariz, 1581. R-4-23
IGREJA CATÓLICA. Liturgia e ritual. Calendário Kalendarium gregorianum perpetuum. Conimbricae : excudebat Antonius à Mariz, 1583. R-3-21
TORNAMIRA, Francisco Vicente de, 15-- Chronographia, y Repertorio de los tiempos, a lo moderno, el qual trata varias y diversas cosas: de Cosmographia, Sphera, Theorica, de Planetas, Philosophia, Computo y Astronomia, donde se conforma la Astrologia com la Medicina y se hallaran los motiuos y causas que ha auido para reformar el año y se corrigen muitos passos da Astrologia que por la dicha reformacion quedauan atrasados. Pamplona : por Thomas Porràlis de Sauoya, 1585. R-71-15
CLAVIUS, Christoph, 1583-1612 Christophori Clavii … Opera mathematica V tomis distributa ab auctore nunc denuo correcta, et plurimis locis aucta … Moguntiae : sumptibus Antonii Hierat : excudebat Reinhard Eltz, 1592. 1-21-9-4/8
AVELAR, André de, 1546-ca 1626 Chronographia ov Reportorio dos Tempos : o mais copioso que te agora sayo a luz. Conforme a noua reformação do Santo Padre Gregório XIII. Nesta quarta impressam reformado, & accrescentado pello mesmo author com hum tratado do pronostico da mudança do ar, & algu[n]s princípios que tocão asi à Philosophia natural, como à Astrologia rústica, & co[m] hu[m]as breues, mas mui proueitosas regras pera sementeiras, cultura de aruores, & criação dos animaes. Lisboa : por Iorge Rodriguez, 1602. R-13-35
KEPLER, Johannes, 1571-1630 Astronomia nova … seu Physica coelestis, tradita commentariis de motibus stellae Martis, ex observationibus G. V. Tychonis Brahe … [S.l. : s.n.], 1609. 4 A-26-15-18
KEPLER, Johannes, 1571-1630 Ioannis Kepleri mathematici, pro suo opere Harmonices Mundi apologia … Francofurti : sumptibus Godefridi Trampachii, 1622. 4 A-7-1-2
BORRI, Cristoforo, 1583-1632 Collecta astronomica … Ulysipone : apud Matthiam Rodrigues, 1631. RB-34-10
VIÈTE, François, 1540-1603 Francisci Vietae Opera mathematica, in unum volumen congesta, ac recognita, opera atque studio Francisci à Schooten Leydensis matheseos professoris. Lugduni Batavorum : ex officinâ Bonaventurae & Abrahami Elzeviriorum, 1646. 2-24-15-1
SEQUEIRA, Gaspar Cardoso, 15---16-- Thesouro de prudentes ... Lisboa : na officina de Joaõ Galraõ, 1686. 9-(4)-A-180
IGREJA CATÓLICA. Liturgia e ritual. Calendário Calendário perpétuo gregoriano com o início em 15 de Outubro de 1582 : prático e de fácil consulta. [Lisboa : s.n., 1957] 5-50-21-14
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