segunda-feira, 21 de julho de 2008
A “nota positiva” de Feytor Pinto
Ainda a propósito dos exames nacionais, divulgamos um texto da autoria de Maria do Carmo Vieira, professora de Português e Francês do Ensino Secundário, que foi publicado no semanário Expresso do passado sábado.
"Antes de me referir às palavras de Paulo Feytor Pinto, presidente da Associação de Professores de Português, sobre os exames do 12.º ano, recordo que a APP foi interlocutora privilegiada do ME na reformulação dos novos programas de Português. Da sua implementação em 2003, sem uma séria e honesta discussão, pelas limitações impostas, resultou a intensificação do nivelamento por baixo, do facilitismo e de uma cultura de ignorância, num espaço cuja função sempre foi a de preparar para a vida. Em nome da mudança, centrou-se o ensino nos alunos e assistiu-se ao esvaziamento de conteúdos programáticos, à subestimação da Literatura, agora em pé de igualdade com requerimentos, bulas, atestados médicos, publicidade..., ao apagamento dos clássicos, à interpretação de textos com verdadeiro e falso ou cruzes, à aceitação de erros ortográficos, à imposição da TLEBS, causadora de um caos indescritível no estudo da gramática, esta sim indispensável.
Nas suas afirmações, Feytor Pinto esquece que a leitura é um valor e que conhecer uma obra literária, discuti-la e dialogar com ela, no silêncio da leitura, não é um «papagueamento». Não esquecerá, no entanto, que defendeu junto do ME que se retirasse a literatura do secundário, dissociando-a do estudo da língua, e que só a polémica então suscitada o não permitiu.
Sabendo-se que mentores e apoiantes do programa do secundário incluíram o estudo aprofundado de «Os Lusíadas» no 12.º ano, retirando-o do 10.º, estranhámos a «nota positiva» de Feytor Pinto «à utilização no exame de um texto literário que não era do programa do 12.º ano», o que «impede o papagueanço e permite sentido crítico e criatividade». Na verdade, esse texto literário foi retirado do canto IX de «Os Lusíadas». Utilizando estratégias inovadoras, houve perguntas mastigadas, no sentido de orientar a resposta (veja-se o exame). Não posso, contudo, deixar de revelar dois exemplos flagrantes da pouca exigência que se pratica na Escola, retirados do vocabulário fornecido aos alunos e relativo ao texto camoniano: 1. Ilha angélica pintada: (...) pintura de uma ilha linda, que lembra um lugar habitado por anjos; 4. No estelante Olimpo: na brilhante morada dos deuses. Esquece igualmente o meu colega a importância extrema de memorizar, capacidade que se tem vindo a abafar desde o 1.º ciclo, porque considerada violência pedagógica. Por essa razão temos alunos de vários níveis de ensino que evitam consultar um dicionário porque não sabem o alfabeto de cor; idêntica situação relativamente à História, prejudicando a análise de textos que a exigem, o que acontece com «Os Lusíadas». Foi para não massacrar os alunos com a História que o episódio d’«O Velho do Restelo» foi retirado do estudo da epopeia, para além do nocivo espírito crítico perante o Poder. Assim se educa a obediência e a passividade, entretendo no facilitismo em ambiente de brincadeira.
Envergonhemo-nos pelo descalabro do Ensino e pelo futuro hipotecado dos nossos alunos e do país."
Maria do Carmo Vieira
(Expresso de 19 de Julho, Primeiro Caderno, página 36)
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4 comentários:
Os Lusiadas é uma grande seca e no meu tempo dava-se no 9 ano, o que eu acho ridículo, acho que nem para o 12 ano, é melhor só ser dado na universidade onde há pessoal se interessa mesmo por coisas dessas.
Eu estou a comentar sem saber nada dos programas novos mas acho bem que incluam coisas mais práticas, os programas antigos são para lunáticos, toda a gente sabe que nunca ninguém lia os Luisiadas ou as Viagens na Minha Terra, outra grande seca.
Não saber o alfabeto de cor é um bocado exagerado, mas eu também sou contra a memorização, que é outra grande estupidez. Os copiansos que o pessoal fazia eram sempre sobre essas secas dessas memorizações, se o alumínio é um ião positivo ou três vezes positivo, fórmulas secas que não dizem nada, etc. Que é que interessa se o alumínio perde um ou três eletrcões, e porque é que um gajo se vai lembrar disso passado uma semana.
Vocês não acham que estão um bocado cotas e ultrapassados? Vôces deviam ser aqueles geeks que no liceu nunca fumaram um cigarrito nem tinham namorados. Vocês eram os cromos que liam os Lusiadas duma ponta ao outra só porque vos metiam isso na cabeça, não era? Vôces têm que se lembrar que nós, as pessoas normais, estamos completamente a borrifar-nos para perder tempo a ler secas como os Lusiadas e saber se o alumínio perdeu dois ou três electrões.
Será que essas cenas são assim tãoooo importantes? Eu conheço muitos gajos que estão bem na vida, tanto ao nível de pasta como académico, que não fazem a puta da idéia do que se passa nos Lusiadas.
Come on pessoal, metam umas obras mais engraçadas e que atraim mais o pessoal, um bocadinho de brilho e faísca não fazem mal a ninguém!
Bons posts, seu cotas quequéticos!
LOL !!!!
Mas que comentário divertido, ó meu! :)
Hummm... e não será que se continua a forçar um sistema de ensino artificial, ele sim cota e caquético?
Onde se pretende sobrepor o lado puramente racional aos aspectos emocionais básicos da sensibilidade humana... o famoso inconsciente mais potente?!
Ora aqui na pedagogia é que talvez seja mesmo preciso uma revolução copernicana, já que não me refiro unicamente ao que se passa em Portugal mas falo numa perspectiva universal.
Depois, de que interessa saber tanta coisa se nem sequer conhecemos aquilo que deveras somos?!
Em suma: estará mesmo o ensino ligado à vida, muito mais do que a essa mera finalidade utilitária a que se chama o "mercado do trabalho"?
Talvez todas estas convulsões sejam também um ajuste, de facto qualquer actividade humana é sempre dinâmica e evolui.
Logo, mais brilho e faísca...
Rui leprechaun
(...e uma saborosa isca! :))
PS: Eis uma série de 3 artigos sobre educação, de um insigne e misterioso participante neste espaço, numa perspectiva inovadora e tought-provoking... just as I like it! :)
Educação 1
Educação 2
Educação 3
Não quero pronunciar-me sobre os méritos da argumentação desenvolvida no artigo mas não posso deixar de notar que, quem não tiver dentro da questão, não tem a minima hipotese de compreender o que a autora do texto esta a querer dizer. Traduzam isto para inglês ou para alemão e dêm a ler a pessoas conhecidas, mesmo a especialistas em ciências da educação, e eles não vão perceber patavina, nem compreender onde a senhora quer chegar com o que diz, a não ser criticar vagamente alguém que, pelos vistos, exerce ou exerceu responsabilidades.
Se calhar, o problema do ensino do português começa por ai.
Desculpem as gralhas e o "tiver" em vez de "estiver" (que horror). Não reli antes de mandar.
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