O professor João Peres, num artigo de opinião publicado ontem no Público revela em toda a sua glória o pensamento nacional-fascista português, nesta passagem singela:
"o Governo precisará de nomear de imediato uma comissão de peritos (incluindo, entre outros, linguistas, professores de Português, neuropsicólogos, psicolinguistas e sociólogos, com intervenção das Universidades e não apenas a Academia das Ciências de Lisboa) que fique incumbida de, com base em estudos sérios, fixar os critérios de selecção das opções previstas e acompanhar a delimitação do vocabulário ortográfico parcial da língua portuguesa a adoptar em Portugal nas esferas de uso referidas."
Ou seja, temos de ter um conjunto de bestas a mandar as pessoas escrever "ótimo" em vez de "óptimo" porque o Acordo Orotgráfico, na prática, permite que se escreva de uma ou de outra maneira.
Isto é puro delírio, como deveria ser evidente. Nunca um governo realmente democrático iria formar uma comissão para censurar a maneira como as pessoas querem escrever as palavras, mas na mentalidade nacional isto é encarado com naturalidade.
De onde raio vêm estas ideias à cabeça das pessoas em Portugal? Esta coisa de governos a nomear peritos para mandar nos outros, quando é manifesto que passamos bem sem isso? Por que não peritos nomeados pelo governo para policiar as aulas dos professores catedráticos? Ou a sua vida sexual? Ou os seus hábitos alimentares? Ou se lavam as mãos depois de fazer xixi? Haja paciência.
O artigo do professor Peres tem aspectos interessantes e importantes, mas falta-lhe este bom senso democrático que infelizmente não pertence à mentalidade da generalidade dos portugueses. E é pena.
sexta-feira, 16 de maio de 2008
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15 comentários:
É um fascismo que não sai nem com palha-de-aço... :)
Só um reparo: o exemplo do "óptimo" não é o melhor, porque com o Acordo passaremos todos sem excepção a escrever "ótimo". Talvez "facto", ou "contacto" sirvam, não sei. Depende do que quer dizer.
Bem, reli o texto e não tenha uma opinião tão crítica como a sua. É certo que ele é a favor da legislação ortográfica, mas a tal comissão que ele pede serviria para elaborar uma espécie de subconjunto do "vocabulário comum", e não para controlar as pessoas. E ele faz questão de salientar que essa regulação apenas se aplicaria a documentos oficiais. Não concordo com isso, na medida em que sou contra a legislação da ortografia; mas se admitíssemos que essa legislação fosse aceitável, então o texto dele é razoável. Leia com mais calma.
E li na Wikipédia que o parlamento aprovou a coisa...
Segundo a Lusa
O Parlamento aprovou hoje, com os votos favoráveis do PS, PSD, Bloco de Esquerda e sete deputados do CDS o Segundo Protocolo do Acordo Ortográfico, mas Manuel Alegre (PS) e dois deputados do PP e Luísa Mesquita votaram contra.
Três deputados do PSD, Henrique Freitas, Regina Bastos e Zita Seabra - que invocou "conflito de interesses" por ser editora - além de Matilde Sousa Franco, do PS, abandonaram o hemiciclo antes da votação.
Apesar de não o ter anunciado em plenário, o deputado do Movimento Partido da Terra (MPT) Pedro Quartin Graça, eleito pelas listas do PSD, disse posteriormente à Agência Lusa que também se ausentou do hemiciclo para não participar na votação.
O acordo teve a abstenção das bancadas do PCP, PEV e dos deputados Paulo Portas, José Paulo Carvalho e Abel Baptista (CDS-PP).
Contra votaram Manuel Alegre, PS, Nuno Melo e António Carlos Monteiro (CDS) e a deputada não inscrita Luísa Mesquita (ex-PCP).
Paulo Portas e o deputado João Oliveira anunciaram declarações de voto.
O protocolo abre a possibilidade de adesão da República Democrática de Timor-Leste, que à data do Acordo (1990) ainda não era um Estado soberano.
Olá, Luís Pedro. Bom, eu reli o texto do João Peres com calma, e continua a parecer-me errado. Porque o que está em causa é sempre esta ideia de que sem um conjunto de sábios com força legislativa será um caos.
Ora, se os sábios fossem sábios realmente, publicariam livros e artigos, dicionários e gramáticas, vocabulários e prontuários, e alguns desses trabalhos seriam livremente seguidos pelas pessoas, sem necessidade alguma de polícia. A legislação sobre a ortografia é uma forma de esconder o facto brutal de que os sábios não publicam, não escrevem, não fazem o que teriam o dever profissional de fazer.
Como filósofo, por exemplo, já trabalhei em projectos que visavam estabelecer alguma terminologia filosófica central em língua portuguesa. Mas jamais faria esse trabalho se o meu trabalho fosse depois usado pelas bestas dos políticos para obrigar legislativamente os meus colegas a usar a terminologia que eu penso que deve ser usada. Aceitar tal coisa tranquilamente é puro salazarismo, e não sai nem como palha-de-aço, como dizes!
Concordo com tudo o que disse. Temos a mesma opinião sobre a matéria.
Mas o que me parece é que o JAP está apenas a dizer que em vez de uma ortografia oficial, devia haver uma para cada país. Nós achamos que não devia haver nenhuma; mas entre haver uma única, na concepção que os apologistas do Acordo têm, e uma para cada país, esta segunda hipótese parece-me mais razoável. O que ele quer é consagrar as diferenças, em vez de fingir que não existem. Dentro do universo de opiniões favoráveis à legislação ortográfica, a opinião dele é mais aceitável que outras. O texto dele não é tanto a defesa do controlo legislativo da ortografia, mas mais a distinção entre as normas.
Quanto ao caos, até acho que ele tem alguma razão, porque este Acordo favorece o caos, como já escrevi algures. Quando não há uma Academia, emerge naturalmente uma norma, como escrevi hoje no meu blogue. Mas quando há um conjunto de políticos que impõem uma reforma cheia das tais facultatividades, então está a favorecer-se uma selva gráfica. Note-se bem: este é um caso exemplar de como a regulação pode originar uma selva que não ocorre na ausência de regulação. Por exemplo, na visão dos defensores do Acordo, é tão correcto um português escrever facto como fato, aspecto como aspeto, contacto como contato, recepção como receção. Onde antes havia uniformidade, agora haveria uma multiplicação de formas. É contra isto que o JAP se insurge. É claro que isto leva por arrastamento a visão de que é legítimo legislar a ortografia, mas penso que isso é secundário no artigo dele. E relembro que ele frisou que essa regulação se aplicaria apenas a textos oficiais -- algo a que me oponho, mas tenho de reconhecer que não é a mesma coisa que dizer que se pretende obrigar toda a gente a escrever da mesma forma...
Discordo absolutamente do Desidério no seu ponto central para discordar do acordo ortográfico: a legitimidade do Estado para legislar sobre a língua.
O Estado, nas suas acções e nas suas competências, tem interferência directa nas liberdades individuais. Isso é um facto, quer gostemos, quer não. Mas o seu campo de intervenção privilegiado nem é esse: o Estado deve intervir no que é domínio público.
O primeiro ponto com que não concordo é que a língua não seja domínio público. Ela não é pertença de cada um de nós individualmente, nem sequer de um conjunto de intelectuais ou literados, escritores ou especialistas do português. A língua serve outro propósito muito simples: que todos nos possamos entender.
O que me impede de escrever "hamkotr" para dizer "amor"? Nada. Mas não é inteligível a mensagem que quero passar com essa grafia. A língua é o corpo da comunicação, e tem de ser comum a receptor e emissor para valer de algo. E a sua grafia é mais ou menos arbitrária, desde que as regras sejam claras e estejam bem estabelecidas para que todos as conheçam.
É por isso que tudo isto é absurdo desde o início. Não faz diferença prática nenhuma dizermos "óptimo" ou "ótimo". Daqui a meia dúzia de anos já ninguém se lembra que um dia se usou "p", tal como hoje o "ph" de farmácia é uma mera anedota de tempos longínquos. Mudam-se as regras, elas são conhecidas, e assim a língua altera-se mas no essencial permanece tão ou mais útil que dantes.
Porque o acordo não está a reduzir orwellianamente o nosso vocabulário, como se quer passar. Pelo contrário, está a abrir-lhe novos horizontes, a actualizá-lo, e, no limite, a limitar-se a introduzir ou retirar letras.
Também ao contrário do que se diz, a nossa pátria é a nossa língua, mas num sentido profundo e não cosmético. Os termos que usamos, não a forma como estes se escrevem, são o que dá alma ao que é ser português. Sobre esses, sim, não há legislação que possa intervir.
"neuropsicólogos, psicolinguistas e sociólogos"
Só?!
Então e psiquiatras, astrólogos, tarólogos, quiromantes e socio-neuro-psico-bio-liguintas já não?
Caro Desidério
Desculpe lá mas não percebi.
Você é contra o facto de "temos de ter um conjunto de bestas a mandar as pessoas escrever "ótimo" em vez de "óptimo" porque o Acordo Orotgráfico, na prática, permite que se escreva de uma ou de outra maneira[...]".
Mas o acordo ortográfico não é mais que o resultado de um grupo de peritos que um governo real mente democrático nomeou para obrigar todos os Portugueses a escreverem de uma determinada forma, e o resultado deste grupo de luminárias foi uma ortografia onde uma palavra pode ser escrita da maneira que uma pessoa entender?
Já não é tempo de oferecer um par de patins ao incompetente de nome Casteleiro, que desde há décadas se julga e age como dono e senhor da língua Portuguesa?
Que saudades de José Pedro Machado
Puxando obviamente a brasa à minha sardinha, parece-me que o exemplo dado na Física (e, normalmente, nas ciências duras ou moles) é salutar: uma anarquiazinha misturada com meritocracia e darwinismo bibliográfico. Eu explico:
- Raras vezes um autor nomeia explicitamente o seu modelo físico, bicharoco esquisito, estudo sociológico ou seja o que for (quando o faz, tal é muitas vezes ignorado, sendo o esforço tomado como arrogante e arrivista); ao invés, normalmente adopta-se uma designação inóqua e descritiva (possivelmente chata), tipo "Estudo de um modelo com acoplamento não-linear entre cotão do umbigo e auto-golos do Benfica".
- Mais tarde alguém pegará no artigo, se este o merecer, e naturalmente irá referir-se ao dito modelo pelas iniciais dos proponentes originais, acrónimo do título original, etc — não por esforço doutrinário, mas mera necessidade de simplificar a referência a resultados passados. Se o trabalho for realmente original, as iterações sucessivas por vários autores originarão vários nomes relativamente próximos, mas ainda não uniformizados.
- Normalmente, o que sucede depois é que ou os autores originais adoptam um dos nomes como seu, e este se vai estabelecendo (inclusivé através de estudos conjuntos com autores "de segunda geração"), ou a comunidade converge algo caoticamente para uma designação comum, apenas pela necessidade de falarem uma língua comum.
Não me parece, portanto, que seja preciso legislar sobre a língua: se na Física, um ramo habituado a denominações estrambólicas e com a sua quota parte de personagens misó-qualquer-coisa, a necessidade pura de comunicar se sobrepõe à dispersão dos valores iniciais dados às coisas, porque não pode uma sociedade coesa e com uma identidade definida confiar em si própria para fazer o mesmo?
Já agora, a acrescentar ao meu comentário acima, não podia deixar de lamentar o tom com que o Desidério fala nas tais "bestas" democraticamente eleitas pelos mesmos portugueses que falam a língua. São bestas, mas infelizmente são o melhor que temos.
Também não fazem sentido as analogias (sobretudo para um filósofo) com a vida sexual, os hábitos alimentares ou as idas à casa-de-banho. Esses são da esfera da nossa vida privada. A língua não, essa é pública, tem de ser mediada caso contrário ninguém se entende. Faço o que quero na minha vida sexual, mas não devo escrever como me apetece, pois se o fizer ninguém compreende os caracteres que produzo, e a mensagem perde-se.
Costumo concordar com o Desidério nos seus posts, mas desta vez parece-me que se está a exceder. Aliás, como toda a nossa elite intelectual portuguesa. Não lhe(s) fica nada bem esta embirração com o acordo ortográfico, que se confunde com pleno chauvinismo. Sobretudo porque a ânsia de combater todos os argumentos que furam o seu raciocínio acabam por tropeçar na mesma lógica que apregoam. E isso pode não ser fascismo, mas é certamente preconceito.
Caro Ricardo, você está a cometer uma falácia simples: se não legislarmos sobre a língua, não haverá norma. Isto é falso e é esta ideia que é salazarista. Desculpe o termo, mas não encontro outra designação com a força que lhe quero dar. Não há qualquer legislação fonética, pois não? Mas você entende-me se eu falar, e eu a si. Então para que raio precisamos de legislação ortográfica? A norma ortográfica, como muitas outras normas da vida social, não deve ser objecto de legislação. Porquê? Porque um princípio simples de liberdade e democracia é que só se deve legislar sobre o que ficaria pior sem legislação. A quem não aceita ou não entende este princípio básico eu chamo fascista. E aos políticos, democraticamente eleitos ou não, que atropelam este princípio, eu chamo bestas (invocando Ega, já agora — mas ninguém parece fazer essa associação).
Eu discordo de quase todas as pessoas que são contra o acordo, com a ilustre excepção do Luís Pedro Machado, porque elas são contra o acordo pelas razões erradas: colonialismo linguístico, nomeadamente, ou mero hábito. Nada tenho contra a eliminação do “p” de “óptimo” — desde que isso não me seja imposto legislativamente. Está a ver a diferença? É como decidir pronunciar “idiossincraSSias” em vez de “idiossincraZias”. Nada tenho contra qualquer uma delas, nem contra uma uniformização da pronuncia, desde que ocorra naturalmente e não por legislação.
Por outro lado, todo este fado é orwelliano. Uns linguistas enganam uns políticos idiotas falando-lhes da necessidade de harmonia “hortographica” para conquistarmos o mundo; qualquer político fica logo cheio de tesão com essa ideia e cai na esparrela. Mas os linguistas têm em mente apenas ficar na história e mandar na maneira como as pessoas escrevem palavras porque se orgasmam com essas coisas. E ficamos num reino da mentira porque 1) não precisamos de harmonia ortográfica para nos afirmarmos no mundo, precisamos é de trabalho sério — em filosofia, história, linguística, etc. — e 2) o acordo não uniformiza porque nós continuaremos a escrever “irónico” e os brasileiros “irônico", o que é irónico. Quando a mentira política se torna banal, estamos mal. E pior ainda estamos quando as pessoas não vêem isso e se põem a discutir tolices sobre a estética e o afecto do “p” do “óptimo”, ou a beleza de escrever “farmácia” sem “ph”. A verdade é esta: os linguistas querem mandar na nossa vida linguística, mas são tão calões que não conseguem ter qualquer tipo de influência orgânica, escrevendo dicionários, e etc.; logo, usam políticos palermas para lhes dar força legislativa.
Desidério, porque (assim junto, dizem as regras) segue você (homenagem à informalidade brasileira) as regras linguísticas estabelecidas há uns anos atrás por umas "bestas políticas" quaisquer. Porque não inventa a sua própria língua. E não me venha com o argumento do senso comum, responda-me enquanto filósofo que diz ser.
Bem haja!
Que raio de pergunta! É melhor abrandar na pinga, oh Dionísio.
Desidério
Não estou a ver onde há o fascismo, sinceramente! Por uma coisa muito simples: o que é que acontece a quem não seguir as regras do acordo ortográfico? É preso? Paga € 750 euros de multa? Há multas diferenciadas para erros diferentes? Uma palavra com 2 erros tem desconto de cliente? Isso parece-me mais importante do que falar em fascismo.
A multa não foi escolhida ao acaso: é o que li que o nosso Primeiro-Ministro terá (teria?) que pagar por ter fumado num sítio onde era claramente proibido. QUebrou a lei e confundiu isso com a liberdade que tem de ter os comportamentos que escolhe ter... onde lhe é permitido por lei!
O que me parece é que há falta de bom senso e que este acordo é um nado-morto: depois de 18 anos a marinar, em vez de ganhar sabor ganhou ranço e cheira mal. Cheira muito pior do que o que cheirava na altura. Por cheirar mal na altura foi abandonado. A despeito de forte contestação de populares e "sábios" foi-se para a frente.
Mas foi-se para a frente... legislando? Uma coisa destas ou tem legitimidade natural ou não tem. Claramente não tem, pelo que se pode legislar o que se quiser que as pessoas vão continuar a escrever como entendem. Se não era um nado-morto, vai ser assassinado em público.
O facto de ser legislado só conferiu ao acordo e aos legisladores o ridículo final que lhe faltava.
Desidério:
Esta discussão já está enterrada abaixo de muitos posts, pelo que provavelmente nem lerá o que escrevo agora. Mas não creio que incorra na falácia que me aponta. O facto de não existir legislação sobre a grafia das palavras não implica que seja ilegítimo alterar esta mesma por motivos políticos. Quais são, afinal, os modos "naturais" de mudar a língua? Através de escritores? Sejamos justos, Eça só houve um. Através da live vontade de quem fala? Isso é impossível, porque se eu no secundário escrevesse uma palavra de forma diferente e lhe chamasse estilo, a minha professora de português (legitimamente) chamar-lhe-ia um erro.
O dicionário não é um decreto, é um guia, um road map para nos entendermos. Se os próprios representantes eleitos pelo povo não têm legitimidade para o mudar, ninguém tem.
Para além de tudo isto, será que isso da língua mudar "naturalmente" (seja lá o que for) não é favorecido pelo próprio acordo? Afinal, este acordo é a língua a abrir-se ao exterior, quando até hoje vivia fechada sobre si mesma...
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