Richard Feynman, o físico teórico premiado, o inventor perspicaz, o professor talentoso, o divulgador de ciência, o músico amador, também escreveu poesia, desenhou e pintou.
Podemos perguntar, o que há de comum em todas estas actividades, que se afiguram como distintas? A resposta pode ser: observar com precisão e tentar compreender, sem excluir a imaginação, claro. Feynman reconheceu que devia essas aprendizagens, em primeiro lugar, ao pai.
"Conta-se que, quando a minha mãe estava grávida — não tive conhecimento directo da conversa, bem entendido —, meu pai disse um dia: «Se for rapaz, será cientista. Como é que ele conseguiu isto? Nunca me disse que devia ser cientista». De facto, meu pai não era cientista, era um homem de negócios, chefe de vendas de um armazém de uniformes militares. No entanto, lia e tinha uma verdadeira paixão pela ciência. Quando era miúdo — a primeira história que conheço —, quando ainda comia numa cadeira de bebé, meu pai, depois do jantar, costumava brincar comigo um jogo. Tinha trazido vários azulejos rectangulares de casa de banho de um lugar qualquer da cidade de Long Island. Colocávamo-los de pé, um após outro, todos empilhados, e podia empurrar o primeiro e ver cair tudo. Até aqui tudo bem!
A seguir, o jogo tornou-se mais complicado. Os azulejos eram de cores diferentes. Tinha de dispô-los numa certa ordem, com a seguinte sequência: um branco, dois azuis, mais um branco e depois dois azuis (…); se, por acaso, quisesse colocar um terceiro azulejo azul, meu pai obrigava-me a colocar um branco. Já estão a reconhecer a velha astúcia: primeiro, encantar a criança com a brincadeira, depois, introduzir lentamente material de valor educativo. Ora, a minha mãe, que era muito mais emotiva do que o meu pai, começou a compreender a perfídia dos seus esforços e disse-lhe: «Por favor, Mel, deixa a pobre criança pôr um azul, se quiser!». Meu pai respondeu-lhe: «Não, quero que prestes atenção aos padrões. É (…) matemática ao nível mais elementar»".
E, continua...
"Penso que é muito importante — pelo menos era-o para mim — que ao ensinar as pessoas a fazer observações se lhes deve mostrar que algo de maravilhoso pode resultar desse facto. Foi nessa altura que aprendi qual é a base da ciência: uma grande paciência. Se se souber olhar, observar e prestar atenção, é-se amplamente recompensado (provavelmente nem sempre!).
Mais tarde, como adulto (…) trabalhava meticulosamente em vários problemas, hora após hora, durante anos — algumas vezes vários anos, outras vezes menos tempo —, sem chegar a algo que não fosse deitar um monte de rascunhos para o cesto dos papéis. Contudo, de vez em quando, surgia um instante dourado: antever uma nova compreensão, momento que aprendera a esperar, ainda quando miúdo (…). E isto acontecia porque tinha plena consciência de que a observação vale sempre a pena e é recompensada."
Para se entender bem do que Feynam fala, a estas palavras em prosa deve aliar-se o seguinte poema:
Contemplo a sós o mar e penso ...
Vejo as ondas em agitado movimento ...
São montanhas de moléculas,
cada umas indiferente às outras ...
triliões as separam
formam, porém um uníssono a branca espuma.
Idades primervas sucessivas ...
´inda as ondas não eram por humanos olhos visíveis
ano após ano
ano após ano, tão estrondosamente
como agora, batiam nas praias.
para quem, para quê? ...
num planeta ainda sem vida,
um espectáculo sem espectadores.
Jamais em repouso ...
torturado era o mar pela energia
prodigiosa do Sol ...
desperdiçada sem trégua, derramada no espaço.
Uma migalha apenas faz bramir o mar.
Na profundidade dos oceanos, as moléculas
repetiam-se em padrões codificados
e repetindo-se, repetindo-se sem fim,
moléculas complexas formaram.
Novas e outras iguais a si ...
E uma dança original iniciaram.
Crescendo em tamanho, escolheram a via da
complexidade ...
Eis, por fim, a vida, multidões de átomos,
ADN, proteínas ...
Sempre, sempre embalando-se em estrutura complicada
Saídos já do berço-mar, agora
terrestres ...
átomos que ponderam,
matéria observadora.
À beira-mar ...
um Eu ...
Pergunta e pergunta-se:
um universo de átomos ...
um átomo-ilha no universo
Citação retirada de uma conferência proferida por Richard Feynman em 1966, na 14.ª Convenção Anual da National Science Teacher Association e publicada, bem como o poema, no livro Uma tarde com o Sr. Feynman (Gradiva).
Imagem: Equations and sketches, desenho de Richard Feynman, datado de 1985.
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5 comentários:
Desconhecia tanto talento a Richard Feynman (em áreas tão distintas, claro), mas fascinou-me particularmente a sua poesia.
Obrigada pela partilha.
Recomendo o filme Infinity.
http://en.wikipedia.org/wiki/Infinity_(film)
Lindo texto.
Marta
Brasil
Poesia não é comigo, mas o poema do Feynman não me parece muito notável. Não será um pouco sobrevalorizado por ser do Feynman?
"Quero que preste atenção nos padrões" - génese
a forma a fórmula a matemática:amplia em movimento
pensar em acção têmpora, tempo:logos
dilecta:dilacta:lacta
di-dois
Portugal em padrões anterior a Feynman:Colinbria
Coimbra diferenciada consciência:dilacta, dilecta, lectus
ler a forma compreender.
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