Minha crónica na última "Gazeta de Física":
Há quem atribua a Lev Davidovitch Landau (na foto, nos anos 30), autor do famoso “Curso de Física Teórica” com Eugene Lifshitz (por vezes designado por Landafshitz), a seguinte frase sobre o Curso: “nenhuma palavra é minha, nenhuma ideia é dele”. De facto, o famoso físico soviético sobre cujo nascimento passaram em 22 de Janeiro último cem anos detestava escrever, mas tinha ideias de génio. Lembro-me de ter tentado ler o primeiro volume, de mecânica, no meu primeiro ano de Física. Nem uma palavra a mais, nem uma palavra a menos, da primeira à última página parecia-me tudo genial.
Bem conhecido é o rigor e a exigência de Landau e da sua escola. Para passar o “mínimo de Landau” os alunos tinham de suar as estopinhas, poucos o tendo conseguido. E bem conhecidas são as suas notáveis e diversas contribuições para a física, justamente premiadas com o Nobel de 1962. Também bem conhecido é o terrível choque do seu carro com um camião que, nesse mesmo ano e antes do prémio, o deixou entre a vida e a morte, pondo termo a uma carreira excepcional. Ainda bem conhecida é a sua personalidade original: era tão divertido como o seu contemporâneo Richard Feynman (por exemplo, Landau tinha uma escala de um a cinco para a beleza feminina, defendia que as raparigas deviam ter o primeiro namorado aos 19 anos mas só casar com o terceiro e advogava abertamente a infidelidade conjugal). Menos conhecido é, porém, o seu percurso político antes da Segunda Guerra Mundial e depois no tempo da guerra fria. Um socialista inconvencional e iconoclasta, nunca pertenceu ao Partido Comunista. Sofreu na pele em 1938 o que era a prisão no tempo de Estaline. Acusado de escrever um panfleto que chamava fascista ao “Grande Líder” (e, pior, de ser um espião nazi, ele que era judeu e tudo), padeceu um ano às mãos do NKVD (a antecessora do KGB), de onde só foi salvo por intervenção pessoal de um Prémio Nobel da Física, Pyotr Kapitza, junto do todo poderoso chefe da polícia secreta, Lavrentiy Beria. As palavras não seriam dele, embora as ideias o pudessem ser. À semelhança de Galileu, foi um outro Landau quem saiu do cárcere. Até à morte de Estaline (seguida logo pela execução de Beria), não hesitou em trabalhar nos cálculos das bombas de hidrogénio que asseguravam a guerra fria (foi aliás Beria quem supervisionou o projecto soviético da bomba). Era uma espécie de seguro de vida, que lhe garantiu de resto as maiores homenagens da URSS, incluindo dois prémios Estaline e o título de “Herói do Trabalho Socialista”.
Et pur si muove. Documentos secretos do KGB revelados depois da queda da URSS mostraram que Landau, que se considerava um “escravo instruído”, chamou repetidamente, e com todas as letras, fascista a Estaline. Afirmou: “Estou em crer que o nosso regime... é definitivamente fascista e não há um modo simples de o mudar.” A mulher, mais simpática para com o regime, nunca chegou a compreender o homem com quem viveu décadas e de quem teve um filho. Mas é fácil compreendê-lo: em assuntos de política, não só as ideias eram dele como também as palavras.
2 comentários:
Boa palestra hoje sobre nanotecnologia. Gostei bastante! Na verdade, quando entrei no auditório e o vi quase repleto, pensei que nao iria ter lugar, mas reparei que "there's plenty of room at the bottom"...e para lá me dirigi.
Bom texto. Passei-o ao meu BLOG com o devido crédito.
Marta Maringá, PR
Brasil
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