quarta-feira, 7 de maio de 2008
Como o Acaso Comanda as Nossas Vidas
Foi por mero acaso que encontrei este livro numa livraria, pois não costumo passar pelas secções, cada vez maiores, de auto-ajuda nas livrarias. Mas prendeu-me a atenção a capa: um homem vai distraído a olhar para o telemóvel e uma mulher vai, do outro lado da esquina e não menos distraída, a ouvir o Ipod. A colisão é inevitável... E o resultado podemos imaginá-lo.
Acaso? Sim, acaso. A nossa vida está cheia de acasos. Coincidências, como ir a passar na esquina certa à hora certa. A escritora Margarida Rebelo Pinto tem um romance intitulado “Não há Coincidências”, mas o título está errado (obviamente que os títulos dos romances não têm que estar certos), pois há coincidências, e felizmente que há coincidências. Aliás, a nossa vida não teria graça nenhuma sem coincidências.
Foi assim que comecei a ler o terceiro livro em português, “Como o Acaso Comanda as Nossas Vidas”, do físico alemão Stefan Klein, tradução publicada pela Lua de Papel (um “imprint” da ASA para obras de ensaio) de “Alles Zufall”, à letra “Tudo é acaso” (Rowohlt, 2004). Os outros dois não me prenderam a atenção, talvez porque as capas não fossem tão apelativas. O primeiro saiu na Presença em 2005 intitulando-se “A Fórmula da Felicidade” (tem uma senhora a rir na capa) e o segundo saiu também na Lua de Papel em 2005 intitulando-se “Simplesmente Feliz: como as recentes descobertas da neurociência nos ajudam a encontrar a felicidade” (tem um malmequer na capa). O tradutor dos três, a partir do alemão (louve-se esse facto, pois a nossa tradução de ensaio tem mais tradição noutras línguas) é de João Bouza da Costa. A edição da Lua de Papel – a editora, dirigida por José Pratas, que conheceu um sucesso milionário com “O Segredo” de Rhonda Byrne e seus derivados – tem bom design e bom papel. A sugestiva ilustração da capa é de Carlos Antunes. A bela edição só peca por ter notas e bibliografia em letras pequeníssimas (além disso, a bibliografia não foi adaptada para os leitores portugueses, aparecendo por exemplo referências a traduções alemãs de Jorge Luís Borges e de Italo Calvino, quando há edições entre nós bem mais acessíveis).
Na capa, o autor surge recomendado pelo neurocientista português António Damásio: “Stefan Klein é o mais importante escritor sobre Neurociência da Alemanha”. Toda a gente já ouviu falar de Damásio, mas poucos terão ouvido falar de Klein. Quem é? O autor tem 43 anos, estudou Física e Filosofia em Munique, tendo-se doutorado em Biofísica Teórica na Universidade de Friburgo. Tornou-se jornalista de ciência, qualidade em que trabalhou para as conceituadíssimas revistas “Spiegel” e a “Geo”. Ganhou um importante prémio alemão de jornalismo científico. Acabou já neste século por se tornar escritor de ciência a tempo inteiro, sedeado em Berlim, com títulos que têm conhecido um enorme sucesso internacional em dezenas de línguas, como, além dos três publicados em português europeu, “Os Diários da Criação” (DTV, 200) e “O Tempo” (Fischer, 2006). Este último, com o título “The Secret Pulse of Time” e o subtítulo “Making Sense of Life's Scarcest Commodity”, saiu em inglês na De Capo há poucos meses e está a conhecer enorme êxito lá fora.
O livro “Como o Acaso Comanda as Nossas Vidas” trata-se de divulgação científica (e, Damásio tem razão, de boa divulgação científica!), mas que pode, de facto, ser vista como auto-ajuda. Se a ajuda que o leitor pretende for saber o que é isso do acaso então poderá mesmo ser ajudado com a leitura desta obra. Klein começa por contar como o encontro da mãe e do pai dele foi resultado de uma sucessão de acasos. O leitor poderá ter o sabor da prosa escorreita de Klein ao ler parte da introdução num post anterior (aqui), que dá uma ideia da abordagem que o autor faz ao tema do livro. Eu não simpatizo muito com a literatura de auto-ajuda e acho “O Segredo” um chorrilho de tolices, que apenas servem para ludibriar muitos incautos. Mas os livros de Klein têm, ao contrário de “O Segredo” e quejandos, uma base científica. E se alguns leitores de auto-ajuda stiverem interessados em informação de base científica em vez de larachas e patranhas, só posso estar do lado deles e ajudá-los recomendando esta obra. De facto, hoje em dia a investigação em neurociências tem produzido resultados que nos ajudam a compreender melhor o funcionamento do nosso cérebro e, portanto, a procurar em, bases mais sólidas a tão desejada “felicidade”. Começam a aparecer livros sobre felicidade que têm uma base científica. Há muitas razões para apreciar a ciência, mas uma pode também ser esta: ela ajuda-nos a ser felizes!
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
35.º (E ÚLTIMO) POSTAL DE NATAL DE JORGE PAIVA: "AMBIENTE E DESILUSÃO"
Sem mais, reproduzo as fotografias e as palavras que compõem o último postal de Natal do Biólogo Jorge Paiva, Professor e Investigador na Un...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à in...
7 comentários:
Eu não li "O Segredo" e tenho uma boa razão para isso: há muito que eu sei do assunto certamente muito mais do que quem escreveu esse livro.
Há muito que eu me dediquei a prestar alguma atenção ao funcionamento inconsciente do nosso cérebro e descobri coisas fantásticas sobre a máquina que temos a operar dentro da cabeça.
Uma das coisas que descobri é a imensa actividade mental que se realiza inconscientemente e independente da nossa vontade.
Descobri por exemplo que posso resolver um problema daqueles do tipo "temos 12 vacas, uma tem peso diferente, como descobrir em 3 pesagens" sem necessidade de elaborar um unico raciocínio: basta-me concentrar sobre os dados do problema, ou seja, de certa forma fornecer os dados ao inconsciente, e depois esperar pacientemente que ele me dê a resposta. Simples, não é?
Mas isto não é invenção minha, já encontrei descrito em livros de Raja Yoga. E eu devo ter um cérebro de "baixa cilindrada" porque ele até leva algum tempo a chegar à resposta. Nada que se compare com esse tipos que fazem contas num instante.
E também descobri que se fizer o mesmo não com um problema mas com um objectivo, o meu inconsciente vai andar alerta para todas as coisas que têm a ver com esse objectivo. E, de uma forma quase inconsciente para mim, vai-me guiando em direcção a esse objectivo. No fim, tem-se a sensação de que " O Universo conspirou para me ajudar"
Portanto, como se vê, não há nada de místico nem de "banha da cobra" no mistério do "segredo". Apenas há a nossa ignorância de como funciona o nosso cérebro.
Ao contrário, a invocação do Acaso é que é geralmente banha da cobra. Eu não li o livro em referencia, mas já li outras coisas e sei como para muitos cientistas o "Acaso" surge como uma conveniente alternativa à ideia de Deus, a maneira simples de explicar aquilo que não se sabe explicar.
Outra das propriedades do nosso cérebro que eu descobri é o seu horror às coisas por explicar e os truques que ele usa para "fechar" os modelos de realidade que construimos - enganando-nos, o nosso cérebro, porque se baseia nos sentidos e nos instintos, engana-nos continuamente.
Por último, a ideia de que os pais se encontraram por acaso é muito fácil de desmontar; provavelmente pelo menos um deles tinha uma imagem muito concreta de quem queria encontrar; provavelmente frequentava locais onde esse tipo de pessoa podia aparecer com mais probabilidade; e um dia uma pessoa com um perfil dentro do quadro pretendido apareceu.
Já repararam que quem não está interessado em casar raramente encontra o seu par? É só partir do momento em que considera essa possibilidade que o "acaso" aparece a dar uma mãozinha.
Bem, quem não pensa como eu não se zangue: da discussão nasce a luz!
Caro Alf
Quando está num exame e não sabe a resposta da pergunta que lhe vai permitir concluir a prova com distinção, como faz? Fornece o enunciado do problema ao inconsciente? E ele? Devolve-lhe a resposta ainda a tempo do professor recolher o exame? Gostava de saber como funciona essa parte...
Caro fernando
Eu expliquei bem, parece-me, que tipo de problema poderia resolver usando este método. É um problema em que todos os dados são fornecidos ao cérebro e a solução advem, ao fim e ao cabo, da exploração exaustiva de todas as possibilidades de combinar os elementos do problema.
São, pois, casos muito simples.
Mas o nosso cérebro é capaz de coisas muito mais sofisticadas.
Nunca ouviu falar de que o estudante que se deita com um problema na cabeça que não sabe resolver muitas vezes acorda de manhã com a solução?
Por outro lado, quando está num exame e tem um problema para resolver, espreme as meninges, espreme e de repente surge-lhe a solução. Pensará que a solução surgiu de algum esforço feito a nível consciente, de um brilhante raciocínio lógico que o conduziu à solução? Raramente.
O que normalmente acontece aí é exactamente o que eu descrevi: está profundamente concentrado no problema e a nivel incosnciente decorre um imenso processamento de toda a informação relativa a ele e sugestões de solução vão sendo enviadas ao consciente; o papel do consciente é sobretudo de verificação, é isto, não deve ser, o que vai guiando o processamento inconsciente até que ele surge com a solução. É o inconsciente que obtem a solução.
Percebendo isto podemos depois começar a perceber os mecanismos lógicos do inconsciente, porque o inconsciente não gera todas as hipóteses, a maioria são eliminadas, nuncam chegam ao consciente - por exemplo, se for a atravessar uma rua e surgir de repente um carro não lhe ocorre levantar voo porque o inconsciente sabe que isso é impossivel.
Na minha vida profissional aprendi que os grandes problemas raramente são problemas dificeis - são apenas problemas cuja solução contraria presunções admitidas como verdadeiras. A partir daí especializei-me a resolver problemas "dificeis" - é só uma questão de descobrir os pressupostos adoptados. O que não é fácil, porque não temos consciencia das nossas presunções.
Como disse o António Sérgio, "é contra o sensível que o saber depõe" ... ou seja, o nosso pensamento está condicionadíssimo a informações sensíveis que nos fazem "cegos" à descoberta da verdade.
Por acaso alguém viu um comentário colocado aqui com uma perspectiva diferente?
Decididamente o acaso tem as costas largas!
Tanta treta concentrada em tão pouco comentário...
As únicas coisas que se aproveitam são a noção de o acaso ser muitas vezes apenas aquilo que se desconhece e a afirmação de sabermos ainda pouco sobre como funciona o cérebro.
A primeira afirmação tem interesse. A segunda não (é óbvia).
Ainda assim, o acaso é real e consequência de praticamente nada ter um valor definido e racional (no sentido numérico do termo). Como já disse num comentário abaixo, poder-se-ia ter uma capacidade de cáculo infinita que estivesse ao dispor de um conjunto de leis universais compreendidas na perfeição e à qual (capacidade de cálculo) se entregassem todas as condições iniciais e condições fronteira do universo. Se isso sucedesse, não seria possível prever tudo na perfeição, simplesmente porque precisão absoluta é impossível de alcançar. mais uma vez o número de pi, que é desconhecido até à última casa decimal (que não existe) e portanto nos impede de descrever o valor do perímetro de uma circunferência na perfeição pelo simples facto de não se ter um valor absoluto e final e pi. E isto para uma equação absolutamente simples. Imagine-se para relações mais complexas.
O último post aflora a real questão... mas de uma prespectiva errada!
Não é verdade "nada ter um valor definido", mas sim nada ter um valor DEFINÍVEL.
A totalidade de PI é desconhecida mas existe. PI é apenas infinito!
Não sou fã dos acasos, pelo contrário, tento em crer que tudo é determinado, porém indeterminável.
Gosto da Teoria do Caos e do Efeito Borboleta, e isso, meus caros, é ciencia.
Meus Amigos,
Estive a ler (mais) essa treta sobre bruxedo(?) do moço alemão a quem os pais deram o nome de Stephan Klein, e que defende, muito mal, "Como o acaso comanda as nossas vidas". O "título "alles zu fall", também está muito mal traduzido. António Damásio diz que o moço percebe da poda, o que duvido, mas talvez seja porque o Stephan, nas toneladas de bibliografia que diz que consultou para escrever sobre a "inteligência" que diz fazer mover o acaso, botou o nome do cientista luso na dita mega-biblioteca consultada. O livro não vale um chavelho enquanto obra pseudo-científica, mas tem algum valor enquanto relato de outras experimentações feitas com o bichinho humano. Apresenta erros de palmatória, p.e. logo na apresentação quando confunde as causas necessárias e suficientes com as causas ultra-remotas, concretamente em relação à sua origem. Também dá umas valentes calinadas na aritmética quando afirma pela alma da avózinha que é mais fácil cair um raio em cima da cabacinha dum alemão do que lhe "sair" o totoloto. O erro está em que introduz uma condição, que não existe, o pessoal andar a passear-se normalmente debaixo duma trovoada. Mete ainda o pé na argola quando jura com os pés que é indiferente jogar no totoloto ao "calhas", ou através das máquinas que preenchem os boletins automaticamente. O moço é burro porque preencher o boletim do totoloto através da máquina representa outro jogo e depois a coincidência de resultados entre duas maquinetas, a do preenchimento dos boletins e a do jogo do totoloto. Também não se percebe onde foi descobrir a "inteligência" no acaso para negar essa mesma inteligência no determinismo cósmico. A teoria dos sonhos do Stephan também não tem ponta por onde se lhe pegue, bem como a da telepatia. Atira abaixo a teoria das partículas que o José Rodrigues dos Santos também defende no seu "Sétimo selo", mas aqui estou do lado do Stephan, embora com outros fundamentos. O curioso é que o Stephan dá umas dentadinhas no Grande Einstein, que entende, e bem, que o chefe do universo não joga aos dados, mas não tem tomates, em alemão seria mais curial falar-se de salsicha, para afirmar que o pai da relativadade meteu água. Stephan klein não quer ser um determinista e deixa "a coisa" nas mãos do acaso inteligente. Já escrevi ao moço a dar-lhe conta dalgumas calinadas. Vamos ver se a "net" funciona.
Repito, a obra tem algum valor enquanto repositório de outros relatos de outras experiências, uma espécie de upgrade das várias ciências, e nada mais.
Abração
Gil Teixeira
Lisboa
Enviar um comentário