segunda-feira, 19 de maio de 2008

Professor X e a conspiração da ciência



A publicação do livro «Seduction of the Innocent» de Fredric Wertham em 1954, em pleno McCartismo, um período de forte sentimento anticomunista nos EUA, marcou uma época negra para a banda desenhada norte-americana. A cruzada moralizadora contra a banda desenhada levada a cabo por Wertham, iniciada em 1948 com os artigos «Horror in the Nursery» publicado na revista Collier e «The Psychopathology of Comic Books» no American Journal of Psychotherapy, traduziram-se numa queda das vendas e no encerramento de muitas editoras.

Fredric Wertham, o principal actor nesta cruzada, nasceu em Nuremberga em 20 de Março de 1895. Formado em Medicina pela Universidade de Wurzburg em 1921, depois da pós-graduação, Fredric foi contratado pela Clínica Kraepelin, em Munique, onde as teorias do seu fundador, Emil Kraepelin, exerceram um impacto tremendo na sua carreira.

Em 1922 Wertham mudou-se para os EUA e trabalhou na Clínica Psiquiátrica Phipps, da Universidade Johns Hopkins. Enquanto trabalhava na Hopkins, redigiu seu primeiro livro, «The Brain as an Organ», publicado em 1926. Wertham deixou a Johns Hopkins em 1932 para assumir o cargo de psiquiatra-chefe do Hospital Belleview, em New York, um dos cargos de maior prestígio no campo da psiquiatria da altura.

Wertham estava especialmente interessado na relação entre saúde mental e comportamento criminoso e ajudou o estado de New York a preparar um processo de avaliação psiquiátrica para os detidos nas respectivas cadeias. A partir dessa altura, a explicação de comportamentos criminosos passou a ser o cerne do seu interesse, como exemplificado pelo seu segundo livro, «Dark Legend», que narra a história de um adolescente de 17 anos que matou a mãe.

Como todos os adolescentes da altura, o assassino era um consumidor ávido de banda desenhada mas para Wertham tal não era coincidência mas sim a explicação para o seu comportamento psicopata. Assim, a investigação de Wertham centrou-se neste ponto a partir do início da década de 50 e a sua convicção da culpabilidade da banda desenhada na indução de comportamentos criminosos atingiu o seu zénite no referido livro em que desenvolve a tese de que de que a banda desenhada era uma causa importante da delinquência juvenil. No livro Wertham apresentava casos de delinquência infanto-juvenil em que os criminosos «admitiam» que se tinham inspirado na banda desenhada.

Embora o seu último livro, «The World of Fanzines» publicado em 1973, seja uma espécie de pedido de desculpas pelo mal que as suas críticas anteriores tinham infligido no género, é inegável que a era Wertham marca o fim dos «anos dourados» das HQs e de certa forma despoletou uma reviravolta nestas.

Um dos nomes que se destacam nesta verdadeira revolução é o de Neal Adams, uma das lendas da banda desenhada que não aceitou a morte do género que muitos consideravam inevitável em meados da década de 50 . A trabalhar na área desde finais dos anos 50, o seu trabalho mais marcante foi realizado a partir de 1967. Adams desenvolveu um trabalho notável para a Marvel e a DC Comics nomeadamente sendo o grande responsável pela imagem actual de personagens como Batman, Desafiador, X-Men, Vingadores e Lanterna Verde & Arqueiro Verde. Detentor de vários prémios, estabeleceu um estilo que influenciaria uma legião de novos artistas (entre eles, Bill Sienkiewicz). Após alguns desentendimentos com a Marvel e a DC Comics, Adams abriu a sua própria editora, a Continuity Comics, reunindo vários talentos da área e alargando os horizontes da sua influência na banda desenhada de super-heróis.

Quiçá pelo seu trabalho intenso e louvável em séries que podemos considerar de ficção científica, como os X-Men, Adams começou em simultâneo a confundir realidade e ficção e tornou-se um apóstolo de uma teoria bizarra. Esta advoga que a Terra está a «crescer» (supostamento o seu diâmetro «aumenta» cerca de 25 cm por ano sem ninguém dar por isso) e que a massa necessária ao seu crescimento provém de um processo misterioso que produz elementos químicos no seu interior a partir de uma «nova» (e desconhecida) partícula que dá pelo nome «prime matter particle».

A sua experiência profissional permitiu-lhe produzir uma série de vídeos de defesa desta variante de «ciência» alternativa, de muito boa qualidade gráfica como o que ilustra o post, mas cujo conteúdo não difere muito das histórias de mutantes que tão bem ilustrou. O vídeo poderia ter sido incluído num dos filmes dos X-Men: conta-nos, de forma atraente, que há uma conspiração tenebrosa em jogo, a acção passa-se na Terra, mas, tal como na série de ficção, qualquer correspondência com a realidade é pura coincidência!

4 comentários:

Anónimo disse...

«Como todos os adolescentes da altura, o assassino era um consumidor ávido de banda desenhada mas para Wertham tal não era coincidência mas sim a explicação para o seu comportamento psicopata. Assim, a investigação de Wertham centrou-se neste ponto a partir do início da década de 50 e a sua convicção da culpabilidade da banda desenhada na indução de comportamentos criminosos atingiu o seu zénite no referido livro em que desenvolve a tese de que de que a banda desenhada era uma causa importante da delinquência juvenil.»

Ontem como hoje estes homens de ciência fazem os seus diagnósticos baseados em suposta ciência inquestionável, qual oxímoro.
Ontem como hoje a validade dos seus diagnósticos e terapêuticas resume-se a uma só palavra: Autoridade.

Autoridade reconhecida social e judicialmente ao ponto de lhes ser permitido retirar de forma na prática discricionária direitos a quem quer que tendo o azar de tendo ou não um problema mental se cruze no seu caminho.

Um vulgar criminoso tem uma sentença com uma duração máxima determinada, mas os crimes que estes senhores julgam são de tal ordem que a liberdade fica inteiramente ao seu critério, ad eternum. Todas as decisões tomadas de forma colegial claro.

Hoje mas não como ontem, as crianças são vítimas da charlatanice que consiste em serem "diagnosticadas" de forma completamente subjectiva como sofrendo de hiperactividade (ou chavão relacionado à sua escolha) sendo os pais recomendados (ou forçados de forma indirecta ou legal) a medicá-los com estimulantes.

Para que fique claro não sou fundamentalista ao ponto de não reconhecer que existem problemas mentais ou que se possam dever a desordens bioquímicas. Isto é uma coisa. Fazer diagnósticos análogos à associação que este senhor (supostamente) fez entre a banda desenhada e comportamento homicida é outra.
Diagnosticar alguém como tendo um desequilíbrio na sua química cerebral, medicá-lo para o reajustar e nunca medir o que quer que seja é pura aldrabice.

A causalidade entre esses desequilíbrios e problemas psiquiátricos é muito mais delicada mas o ponto anterior é insofismável.

Destas patetices não escreve a Dra. Palmira embora já o tenha prometido.

Parece preferir as homeopatetices.

lobotomias disse...

Caro manuel
"Destas patetices não escreve a Dra. Palmira embora já o tenha prometido.

Parece preferir as homeopatetices."
fico também a aguardar ansiosamente...
Entretanto deixo apenas uma nota em relação a "nunca medir o que quer que seja é pura aldrabice."
Não me parece que seja necessário medir para que enquadremos uma prática dentro da medicina (ou da medicina cientifica se quiser). nem me parece que tenha sido assim historicamente.
Há um conjunto de sintomas que causam sofrimento (um sindrome ou sindroma nunca sei muito bem), e há formas de avaliar - agora sim quantitativamente- se determinadas práticas tendem a reduzir(ou eliminar) esses mesmos sintomas.
Repare que a validação do constructo sindrome (e das teorias subjacentes ao constructo) não é forçosamente resolvida pela validação das praticas perante o sindrome, mas parece-me a mim que sai claramente fortalecida.
De resto penso que a ciencia é mais ou menos isto- procurar teorias que suportem constructos que permitam praticas que funcionem (agora sim quantitativamente)-não será assim Dra Palmira?
Ou seja caro Manuel Maria- em psiquiatria não me parece que seja essencial medir neurotransmissores e a sua alteração quantitativa em determinadas vias neuronais mas parecem-me mais importantes os ensaios randomizados e duplamente cegos das praticas propostas.
Claro que estes têm limitações, mas a "charlatanice" que houver estará aí.
Há claro outras formas (tambem quantitativas e que não passam por medir neurotransmissores) de avaliar a solidez dos constructos diagnósticos e tambem se poderá discutir isso noutro dia, mas esta será talvez a mais importante, afinal quando se está doente o que se quer é uma coisa que funcione, que retire ou alivie o sofrimento, ou não?

Fernando Gouveia disse...

Como teoria da conspiração, esta do "abafamento" de uma terra que "incha" é bem fraquita... A Ciência deu bom crédito a teorias bem mais revolucionárias, com impacto mais dramático tanto sobre todo o edifício teórico como sobre a percepção popular do mundo, como sejam a Evolução, a Relatividade, a Mecânica Quântica ou o Big Bang. Não me parece que uma eventual expansão da Terra tivesse (de longe) tal impacto; porquê escondê-la? Paranóias...

alf disse...

essa da banda desenhada não conhecia - conhecia a TV, a internet, mas estou a ver que o processo é mais antigo.

Este é um processo permanente, as pessoas estão sempre a fazer este tipo de associações - basta ver a quantidade de coisas que se diz que causa o cancro quando não se faz ideia nenhuma do que possa causar o cancro.

As nossas mentes "simplórias" carecem de uma explicação e sobretudo de um "culpado" para todas as coisas incómodas que acontecem.

Quanto à ideia da terra que incha, a primeira vez que a vi deduzi logo inúmeras evidências mortais para a ideia. Mas depois caí em mim e pensei que não estava a seguir o meu método de inteligência.

Uma das minhas regras de ouro para resolver problemas "impossíveis" é "ouvir a opinião de ignorantes do assunto". Isto porque o que torna os problemas impossiveis são presunções que temos na cabeça e estão erradas. Ora um ignorante na matéria é capaz de formular hipóteses erradas mas que questionam essas presunções que quem "sabe" tem e quem não é do métier pode não ter.

Então comecei a olhar para essa teoria com outros olhos. E parece-me que descobri nela algo que melhora tremendamente a teoria actual. Um hipótese errada que é trampolim para uma hipótese melhor.

Só não contactei ainda o senhor porque fiquei algo indignado com alguma desonestidade do seu video... por exemplo, "esqueceu-se" de fazer variar adequadamente o diametro da Terra numa animação.. entre outras coisas...


Bem construído este post. Suponho que o objectivo era chegar a este assunto mas soube fazê-lo com muita arte e interesse. Parabéns.

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