sexta-feira, 14 de setembro de 2007

REGRESSO ÀS AULAS


Minha última crónica do "Público":

O regresso às aulas começou com a cerimónia da bênção do Centro Escolar de S. Martinho de Mouros, em Resende. Na foto do “Público” de 12 de Setembro o primeiro-ministro e a ministra da educação acolitavam um sacerdote. Não sabemos se algum deles ou todos rezavam pelo sucesso do novo ano escolar, mas não há dúvida que o primeiro-ministro mostra uma grande fé nas mudanças de que fala.

Deixo de lado a discussão sobre a bênção das escolas públicas quando há liberdade religiosa e há separação entre o estado e as igrejas. Prefiro falar da situação do nosso ensino. José Sócrates tinha-se gabado, no dia anterior à bênção, de o seu governo precisar de menos dinheiro e de menos professores para obter o mesmo insucesso que os anteriores: “Há dez anos havia o dobro do dinheiro, mais professores e menos alunos, o mesmo resultado, o mesmo insucesso escolar, o mesmo abandono escolar”. Louvou o insucesso mais barato, esquecendo-se que fez parte, de 1995 a 2002, de governos com a “paixão” pela educação (terá sido essa paixão a responsável pelo desperdício de recursos?) e esquecendo-se que o insucesso sai sempre caro. Logo a seguir, entrou em contradição ao afirmar que, nos últimos dois anos, os resultados escolares tinham melhorado. Os ingleses chamam a isso “wishful thinking”, confusão dos desejos com a realidade. São conhecidas algumas virtudes do pensamento positivo, mas na educação não é como em “O Segredo”, de Rhonda Byrne, em que se acredita, se deseja e se obtém. Talvez fosse mais sábio olhar com atenção para os resultados de exames que sejam comparáveis (infelizmente, muitos não são) e talvez fosse mais prudente esperar alguns anos (porque em educação as mudanças levam o seu tempo a produzir efeitos).

“Recupere a ilusão”, dizia um cartaz político que vi em Espanha durante as férias. Muitos políticos, noutros sítios como aqui, gostam de semear ilusões. Mas a realidade é a maior inimiga da ilusão. Em Julho, dias depois de o Ministério da Educação ter anunciado a melhoria das notas de exames de Matemática no 12º ano, eram divulgados os resultados catastróficos – dois em cada três alunos foram reprovados – no exame de Matemática do 9º ano, precisamente no nível de ensino para o qual o governo tinha um plano especial. Era preciso fazer mais alguma coisa. E, pasme-se, o que a ministra fez foi pedir aos autores do anterior currículo, especialistas na experimentação pedagógica e na desvalorização do saber, para o reformular. Não seria mais sensato pedir a outras pessoas? Não estaremos a ser iludidos?

Noutras disciplinas estamos tão mal como em Matemática. A Física e a Química são agora residuais no nosso ensino secundário, quando deviam ser obrigatórias para uma formação científica sólida. Os respectivos exames no final do secundário têm aparecido com erros e só não há erros no exame de Ciências Físico-Químicas do 9º ano porque os exames não aparecem...

O primeiro-ministro é com certeza uma pessoa bem intencionada que deseja a melhoria dos resultados, tal como a ministra da educação e como todos nós. Mas o governo tem mostrado, pelas palavras e pela prática, uma enorme ilusão a respeito do modo de lá chegar. Não é com exames mais fáceis ou sem exames. Nem com currículos pejados de “eduquês”. E muito menos com quadros interactivos. É com o apoio aos professores e com o apoio dos professores. O maior erro do Ministério da Educação foi ter hostilizado os professores, que são a pedra angular de qualquer sistema educativo. O governo, na sua justa luta contra sindicatos jurássicos, confundiu os sindicatos com os professores. E, tendo reparado que havia mais pais do que professores, quis pôr os pais contra estes.

Os nossos professores – agora há muito menos, para poupar – têm feito o seu trabalho em condições adversas. E, nos últimos dois anos, têm ainda de arrostar com a desconfiança de quem os tutela. No regresso às aulas, o governo devia ter incentivado os professores e, claro, os alunos. Mas falou sobre poupanças. Podia também ter poupado nas palavras.

12 comentários:

Fernando Martins disse...

in a Educação do Meu Umbigo - http://educar.wordpress.com/:

http://i30.photobucket.com/albums/c347/PauloG/Editorial.jpg

Obriguei-me a ir comprar o DN já a meio da tarde para ler com estes olhinhos míopes que terra comerá se estiver com muita fome, o semi-editorial anónimo (não me parece que João Marcelino, director do jornal se preste a este tipo de frete, mas já não sei se do desconhecido editor executivo posso dizer o mesmo porque não faço ideia de quem seja o Leonídio em causa, ou mesmo da dupla de directores adjuntos, quasi tão desconhecidos como o referido desconhecido) que se dobra perante o discurso do primeiro-ministro sem se dar ao trabalho de tentar verificar da sua veracidade.

Não discuto opiniões neste caso, pelo que deixo passar impune a afirmação útil para o ME de que este Setembro «foi» um mês sem contestação (ainda vamos no dia 11 e já o mês foi).

Mas já sou obrigado a contestar quando o editorialista desconhecido evoca factos como o dos manuais escolares estarem mais baratos, quando nas últimas semanas tivemos conhecimento do aumento dos seus preços acima do valor da inflacção. O informado editorialista estaria, por certo, algures de férias. Não leu, não sabia, estava a observar um furacão nas Caraíbas.

Mas há mais: há dez anos havia muito mais professores; muito mais alunos; o dobro dos custos, tudo indicadores falsos que já no post anterior tentei desmontar. Aqui apenas acrescento um dado recolhido no próprio jornal e que é o número de 1,7 milhões de alunos para este ano lectivo, dado oficial que desconhecia. Pelo prosador editorialista sabemos que em 1997-98, e de acordo com as contas do primeiro-ministro, existiam «muito menos alunos».

Consultando os dados oficiais do GIASE verifico que em 1997/98 existiam 1.881.217 alunos. Muito menos, portanto. 1.881.217 é muito menos que 1.700.000. Manifestamente menos. Comparativamente menos. Absolutamente menos. Socraticamente menos. Cretinamente menos.

Bom. A única coisa que posso esperar é que, como o excelso editorialista proclama, exista a partir de agora «um melhor ensino». Para que os futuros editorialistas saibam fazer contas. Que tal um quadro interactivo para a sala de redacção?

E concordo com o brilhante editorialista quando afirma na sua última frase que «uma má educação é muito difícil de ultrapassar».

Nota-se à distância.

Bastar-lhe-ia, caro e ilustrado editorialista ver-se ao espelho.

Anónimo disse...

"A deixis é um fenómeno de referência dependente e constitutiva da enunciação. Os deícticos apontam verbalmente para realidades específicas do acto enunciativo."
Percebeu alguma coisa, meu caro Carlos Fiolhais? E o Fernando Martins? E quem quer que eventualmente leia isto?
Eu não entendi patavina. Analfabetismoo funcional, decerto, da minha parte. Trata-se da introdução a um tema do manual de Português para o 10º ano. O Ciberdúvidas diz que o termo vem do grego antigo. Se calhar os gregos modernos nem sequer o usam. Como é que se pode ensinar a gostar de Português impingindo catoptromancias destas? (É TLEBS, pois claro, esse produto de mentecaptos ou de diabólicas criaturas que atentam contra o governo procurando derrubá-lo pelo insucesso escolar. Talvez não o façam premeditadamente, mas pode ser que resulte. Abrenúncio!)

Anónimo disse...

ACUDÃOOOOOOO!!!!!!!!!!!!!
ACUDÃOOOOOOO!!!!!!!!!!!!!
Houve um terramoto legislativo no M.E.
O Ministério ordena que prendam os professores, como principais suspeitos e se fechem, os sindicatos pq se pensa, terem sido estes, os produtores de tal legislação, para descredabilizar o M.E.

Uma analfabeta que aprendeu a ler no PNAEBA.

avelaneiraflorida disse...

APLAUDO DE PÈ!

EU SEI O QUE È SENTIR NA PELE...ESTAR NA ESCOLA!!!
FUI PARA LÀ, POR VONTADE, POR VOCAÇÃO...

Passados 33 anos ...só os alunos ainda me prendem lá!!!!!
NUNCA pensei dizer...ou sequer pensar semelhante coisa!!!!
Mas foi aí que me "levaram"... e pelos vistos, até ao final, vou ter experiências muito mais "excitantes"...
"Brigados" por este post!

Carlos Medina Ribeiro disse...

Aprende-se que «Qualidade é a satisfação do Cliente ao menor custo».

Por isso, quando certos membros do Governo (como Correia de Campos) falam na "redução de custos" e omitem (ou até desprezam) a "satisfação do Cliente"... está tudo dito.

Anónimo disse...

1. Meu Caro Professor Carlos Fiolhais: Achei muito opotuno todo o seu post, mas essa de "sindicatos jurássicos" é mesmo na "mouche". Sindicatos que lutam e esbracejam por questões de lana caprina deixando a milhas de distância a enunciação das graves questões do ensino e suas possíveis e desejáveis soluções. Em resumo, numa desadaptação a tempos modernos.

2. Caro Fernado Martins:"Uma má educação é muito difícil de ultrapassar" , DN. Ora aí está mantê-la ou mudá-la para ficar tudo na mesma é muito mais fácil e quem tutela a Educação não está para se arriscar a enfrentar uma Hidra de 7 cabeças: há que deixá-la quieta e acomodada na lagoa de Lerna.

3. Meu Caro Daniel de Sá: Para Pierce, "uma boa linguagem é a própria essência do pensamento". Eu que ainda mantenho o (mau?) hábito e o gosto de manusear as folhas dos livros, recorri ao "Dicionário Houaisss", tomo VI, p. 2671, tendo verificado que "deixis" é uma palavra recentemente introduzida no português. O resto do relambório pode aí ser consultado. Só duvido que sirva para descodificar a introdução do manual de português para o 10.º ano que refere e que bem exemplifica a apetência para as palavras difíceis e os conceitos arrevezados de um "eduquês" que assentou arraiais em terras lusitanas. Enquanto não se descobrir uma máquina que desvende o pensamento, o autor do manual pode guardar para si fechado a 7 chaves a riqueza do seu pensamento deixando para nós a esmola da sua esotérica linguagem Saibamos agradecer-lhe a dávida e aguardar pela tal máquina que desvende o seu pensamento!

Anónimo disse...

Nos tempos em que frequentei o liceu, vigorava o critério do livro único. Na sequência do 25 de Abril entendeu-se que era melhor acabar com aquela prática. Os professores deram largas à sua criatividade e começaram a aparecer múltiplos manuais escolares. As escolas, quando não os professores das cadeiras, procedem à selecção. Ficámos melhor ou pior?
Jorge Oliveira

Teresa Martinho Marques disse...

Excelente.
Divulguei a crónica na minha teia e... ela (crónica) acabou por provocar uma catarse pouco habitual em mim.
Peguei num fio... e acabei por me deixar ir numa longa reflexão e exposição de absurdos que ninguém terá paciência para ler, mas me fez bem. Coisas de quem anda nisto há muito, com um Amor e uma dedicação muito especiais, e que se sente cansada, muito cansada e até triste.
Obrigada pelas palavras que nos defendem, já que as nossas ninguém escuta. Quem sabe as vossas possam ter algum eco... (Embora, tal como digo na minha teia, duvide já da inteligência de quem devia escutar e entender.)

Anónimo disse...

Meu caro Rui Baptista
Perece-me que há um grave problema de comunicação entre os cientistas da Língua e o destinatários dos programas. Isto a acumular com a própria desorientação das orientações gerais do Ministério. Quem pensa sabe “explicar” a si mesmo os seus pensamentos; transmiti-los é que requer dotes que os autores dos programas e dos manuais não têm ou não querem usar. Não é com linguagem hermética que se difunde a cultura, porque primeiro há que fazer com que a cultura atinja um nível capaz de entender tais tipos de linguagem. E por este caminho não vamos lá.
Deíctico é uma palavra que é como que se tivesse sido inventada para depois se criar o conceito. “Pronome” ou “advérbio” são designações que desde o século XVI, com João de Barros, têm servido muito bem a Gramática. Não consigo entender a utilidade destas mudanças, pois os gramáticos deste ano já não têm a mesma opinião dos gramáticos de há um simples lustro. Problema de comunicação de mim comigo mesmo? Talvez. Mas já não tenho paciência para estas coisas.

maga.pata.logika disse...

Com este e outros posts e comentários fica-me uma dúvida essencial que não sei se me sabem responder:

porque é que os sábior (exemplo: os autores deste blogue) não se organizam e não obrigam o Ministério da Educaçao a vergar e fazer uma coisa revolucionária que é cuidar da qualidade do ensino?

Entre outras coisas (e olhem que isto não é trivial) abolir a obrigatoriedade do 12º ano como escolaridade obrigatória. Parecendo que não, o 12º não é para qualquer um nem para qualquer altura da vida de um jovem.

Só dei este exemplo, porque a quantidade de coisa que precisam de revolução é imensa! Incluindo o maldito eduquês e o TLEBS!

Anónimo disse...

Depois de tantas reflexões sobre o panorama da educação em Portugal, gostaria apenas de lembrar que " ainda sou do tempo", em que qualquer discussão sobre este assunto, começava pela distinção entre "instruir"e "educar".
Qual destes conceitos está implícito em todas as "charadas" que vão sendo lançadas pela Ministra e seus acólitos?
Seria óptimo que se separassem as águas, para que a geração dos nossos netos não seja tão "mal educada" como o foi a dos nossos filhos.
Estamos de acordo que o que é necessário é "rever" os conceitos e não repetir os erros, embora também tenha sido bombardeada com a pedagogia do erro, que só pode dar resultados quando se derem aos professores as melhores "ferramentas" na sua formação inicial.

RioDoiro disse...

http://range-o-dente.blogspot.com/2007/09/sem-sublinhados.html

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