O Gabinete de Avaliação Educacional do Ministério da Educação não pára de nos espantar. Agora resolveram, num teste intermédio do 11.º ano de Física e Química A, repito do 11.º ano, fazer uma transcrição de um texto de um livro meu, com apenas quatro linhas e adaptado (adaptado? faz algum sentido?), pedindo aos alunos para "transcrever" (sic) uma informação trivial que está no texto. Pede-se apenas uma transcrição de uma transcrição. Já só falta assinar o nome para ser aprovado.
Não posso por isso deixar de concordar em absoluto com o comentário de Carlos Portela, responsável da Divisão Técnica de Educação da Sociedade Portuguesa de Física sobre aquela prova:
"A questão 1 do Grupo I na qual o aluno deve transcrever a parte de um texto, de apenas 4 linhas, que refere o que Oersted observou, não é admissível neste ano de escolaridade. Esta questão pode ser respondida por um aluno do 2º ciclo do ensino básico que nunca tenha estudado o assunto abordado, não permitindo avaliar se o aluno consegue distinguir entre observação e interpretação (...)
Conclui-se que este teste intermédio dá indicações erradas aos alunos sobre as suas aprendizagens e não os estimula ao esforço que é necessário para que sejam atingidos os objectivos de aprendizagem da disciplina. Constitui-se, desse modo, como um elemento que perturba o trabalho desenvolvido pelos professores na escolas, já que desincentiva a criação de hábitos de trabalho dos alunos para que possam ser atingidos os objectivos da disciplina ao dar a ideia de que é possível atingir resultados positivos sem que seja necessário investir no estudo."
Para que o leitor julgue por si próprio, deixo o excerto da prova:
"GRUPO I
Durante algum tempo o magnetismo e a electricidade ignoraram-se mutuamente. Foi só no início do século XIX que um dinamarquês, Hans Christian Oersted, reparou que uma agulha magnética sofria um desvio quando colocada perto de um circuito eléctrico, à semelhança do que acontecia quando estava perto de um íman. Existia pois uma relação entre electricidade e magnetismo.
C. Fiolhais, Física Divertida, Gradiva, 1991 (adaptado)
1. Transcreva a parte do texto que refere o que Oersted observou."
Carlos Fiolhais
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
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17 comentários:
O problema principal, a meu ver, é que situações deste tipo se tenham vindo a repetir cada vez mais frequentemente nos últimos anos, obra da incompetência sem limites do GAVE com a conivência (e incentivo) do Ministério da Educação.
A avaliação do ensino secundário tornou-se numa autêntica fraude, em que o bom aluno acaba não raramente prejudicado face ao mau aluno, dado o desprezo generalizado ao raciocínio próprio que as provas vêm evidenciando. Em particular, as diferenças verificadas nas notas mais altas são cada vez mais um resultado de critérios de correcção duvidosos e não de disparidade no nível conhecimentos dos alunos em exame.
Qualquer um pode confirmar tudo que disse acima relativamente às disciplinas de Matemática, Física e Biologia, cujas provas de exame nacionais venho acompanhando de perto desde 2005.
or muito bons que sejam os professores das escolas públicas, não têm qualquer hipótese de fazer alguma coisa de útil pelos seus alunos. Bem podem dizer aos alunos que o trabalho compensa, que é necessário estudar, que a preguiça é algo contra o qual devem lutar, que a disciplina é fundamental na organização e no estudo. Podem discursar assim todos os dias, em todas as aulas que nada conseguirão, porque em seguida aparece o Ministério da Educação a exigir que os alunos "transcrevam".
E estava eu aflita, porque, cada vez mais, tenho a sensação que eu e os alunos falamos línguas diferentes, pois eles consideram que um powerpoint feito numa hora é um trabalho de pesquisa, não entendem a necessidade de escrever frases completas e ignoram completamente a influência da leitura num bom desempenho escolar e não conseguem realizar o que se pede numa pergunta que exige que relacionem factores diferentes...O que é aflitivo é que não estamos a falar de uma recusa perante o esforço, mas de uma incompreensão total da necessidade de esforço no trabalho escolar. Agora devo esclarecer que sou professora de 3º ciclo.
Estou à espera dos testes intermédios (que surgem este ano para a minha disciplina, no 9º ano) para compreender o grau de exigência que o Ministério considera adequado. Mas não sei se conseguirei suportar tal 'evidência'!
Talvez o GAVE devesse passar a chamar-se G(R)AVE? Sem o parêntesis, e significando qualquer coisa como:
Grupo Repetente (em) Asneiras (que) Vêm (nos) Exames.
Até quando vamos estar sujeitos a exames que são vexames, para professores, para alunos e para o país?!
Não há quem tenha mão nisto?
Quem avalia os inspiradores, os mentores, os decisores e os autores de tais programas, de tais orientações curriculares e metodológicas, de tais exames e respectivos critérios de correcção? Então, não inventam um "simplex avaliativo", ao menos para dar umas estatísticas mais conformes? Ó senhores, se não encontram mais ninguém recorram aos ex-ministros e seus ajudantes. Eles andam por aí. E nem sequer estão calados...
Aproveitem-nos..., que eles também aproveitariam...
Uma vez que os resultados (verdadeiros) não são coisa que os incomode por aí além.
O problema é que a sociedade, na generalidade, nem sequer quer saber porque se discutem estes assuntos. O desinteresse pelo tema "Educação" é total.
Quando há dívida pública, deficit, desemprego, cortes em apoios sociais, cortes de salários, futebol e notícias escandalosas todas as semanas, de que interessa se o nível de exigência na escola é cada vez menor, maior ou igual?
Aliás, corrijo, o nível de exigência tem que ser maior sim, mas para os professores, em termos de tarefas burocráticas e administrativas, de forma a dar credibilidade a um sistema que a sociedade quer, a todo o custo, descredibilizar ou tornar numa coisa completamente diferente do que outrora foi mas que, curiosamente, se continua a chamar escola.
Palavras para quê? É Portugal no seu melhor.
Hoje há a ideia que na internet está tudo e que já não é preciso aprender nada. Eu pergunto a esses "pedagogos" se o aluno não aprendeu nada como pode seleccionar a informação? Fazendo como os meus alunos do CEF, abrem e copiam só do 1º site que encontram? Òptimo meio de fazer escravos com 9/12 anos de escolarização
Resposta à questão colocada no dito teste:
Oersted observou que o sistema português de ensino é actualmente a maior farsa que pode existir, por única e exclusiva culpa dos políticos intelectualmente medíocres que temos.
Julgo que foi num Prós e Contras recente que Nuno Crato questionou a Ministra da Educação sobre uma pergunta num exame de Matemática de grau de dificuldade também ridiculamente baixo.
A resposta, se bem me recordo, é que era uma pergunta de "controlo", com o objectivo de determinar o quão baixo era de facto o nível de conhecimento dos alunos. E a pergunta teria um valor muito baixo para a nota do exame.
A meu ver isto coloca dois problemas, dado que a maioria das pessoas não parece ter conhecimento da existência deste tipo de perguntas.
O primeiro e mais óbvio é relativamente às consequências para a motivação dos alunos para o estudo, que Carlos Portela já refere no post original.
O segundo é a má imagem que passa do trabalho do ministério da educação e o tempo que se perde a discutir isto quando há tanto para resolver na educação.
Naturalmente que cabe a quem cria este tipo de perguntas informar quem de direito da sua existência para prevenir as consequências de não o fazer. Diga-se a verdade, as consequências eram bastante previsíveis.
P.Santos
Aposto que foi preciso explicar o que significa "transcreva".
Continuam os Professores a remar para um lado e o misnistério da Educação para o outro. Uma disciplina que requer por parte dos alunos grande empenho e concentração, desenvolvendo o raciocinio abstrato reduzida, por parte do ministério, a competências demasiado básicas. No meio disto pergunto: Qual o papel do professor?
O papel do professor? Boa pergunta...
Todos os dias me faço essa pergunta sobretudo com turmas do Ensino Básico...
Façamos de conta que isto é um país e que somos professores e que trabalhamos em escolas e que damos aulas a alunos...
Cada instituição tem as suas funções bem definidas:
A escola ensina e resulta
O Ministério burocratiza e não resulta
Ora bem, aqui está o problema do país: o descrédito das instituições.
O que pode fazer em relação a isso?
Pagam a alguém para fazer estes testes?Quantas pessoas formaram esta equipa e fazem mais alguma coisa sem ser "testes" deste tipo?? É preciso existir GAVE para se estupidificar de tal forma o ensino??
Cá para mim no GAVE trabalha algum boy do partido do Governo com o 12.º ano completo e pagam-lhe 5000€ para fazer as provas.
Sugiro a melhoria do nome GAVE para GAVE UP.
Num Prós e Contras recente, a senhora ministra justificou a inclusão de uma pergunta em que se perguntava qual era o resultado de oito a dividir por quatro, numa prova de aferição do 6.º ano, com a necessidade de verificar se os alunos sabiam fazer essa operação. Portanto, a resposta é simples: aqui é para verificar se os alunos de Física e Química A do 11.º ano sabem interpretar um texto.
Espero sinceramente que a moda pegue e, da mesma forma que temos perguntas de Português num teste de Física, passemos a ter perguntas sobre o magnetismo e a electricidade nas provas de Português.
Bem...até tenho vergonha de dizer isto mas eu sou uma aluno do 11º de Ciências e realizei essa prova e confesso que me enganei nessa primeira pergunta. A verdade é que eu sou muito boa a física e quimica e sabia a matéria mas li a pergunta e pensei que era uma rasteira. nunca acreditei que um intermedio tivesse uma pergunta tão obvia que simplesmente transcrevi a parte errada...
Outra coisa que achei incrivel nesta pergunta são igualmente os criterios de avaliação, sei de colegas meus que transcreveram o correcto mas igualmente a ultima frase "Existia pois uma relação entre electricidade e magnetismo.
" e com isto têm a conotação 0. Incrivel!
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