quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Fomento de vocações científicas


Excerto do meu livro "A Ciência em Portugal", saído há pouco na Fundação Francisco Manuel dos Santos, na colecção "Ensaios da Fundação" e que se encontra à venda, entre outros sítios, na cadeia de supermercados Pingo Doce:

Uma sociedade desenvolvida necessita de atrair para a ciência e tecnologias alunos em quantidade e qualidade suficientes. Isso pressupõe o fomento de vocações científicas, o que significa não só vocações para a criação da ciência mas também para a aplicação da ciência na vida prática.

Tem-se assistido em todo o mundo a um declínio do número de jovens que procuram cursos e carreiras de ciência e tecnologia, no sentido estrito, em favor da procura de cursos de ciências sociais e outros. E o problema atinge-nos também. Precisamos de mais cientistas e engenheiros, se compararmos os nossos índices dessas profissões com os índices dos países mais desenvolvidos da Europa, a que pertencemos. Toda a Europa, para se desenvolver rumo à “economia mais desenvolvida do mundo” (um objectivo da chamada Estratégia de Lisboa do ano 2000, cuja concretização ficou bastante aquém do previsto) necessita de mais pessoas com formação em ciência e tecnologia.

Como superar este evidente desfasamento entre oferta de jovens e procura pela sociedade e pelo mercado? Por que é que os jovens se afastam, pode mesmo dizer-se, se auto-excluem, da ciência e da tecnologia? As causas são várias, mas entroncam no distanciamento entre ciência e sociedade. Se é verdade que a ciência é impulsionadora do progresso social, proporcionando aos cidadãos níveis de conforto inalcançáveis sem o seu concurso (em múltiplos sectores: na saúde, alimentação, habitação, transportes, comunicações, lazer, etc.), não é menos certo que parte importante da sociedade receia a ciência, chegando mesmo nalguns casos extremos a recusá-la liminarmente. A ciência, depois dos desastres de Bhopal e Chernobyl (para não falar de outros mais recentes, como o derrame petrolífero no Golfo do México), está associada a perigos, não se encontrando interiorizada a noção de que o risco é inerente a qualquer actividade humana e que a própria ciência, mais e melhor do que ninguém, poderá prever, evitar e diminuir os riscos.

Por outro lado, as duas ciências mais básicas – a matemática e a física – apresentam dificuldades intrínsecas de aprendizagem. As duas estão relacionadas de perto e sua aprendizagem exige um processo gradual e sem hiatos.

Em Portugal, onde o fenómeno mundial da fuga da ciência chegou com algum atraso, a recente queda demográfica no ensino superior não ajuda. Havendo menos jovens, haverá também menos candidatos a cursos de ciência e tecnologia. E, além disso, somos vítimas do deficiente rendimento dos estudos de ciência a nível do nosso básico e do secundário. Os exames do final do secundário revelam, como vimos, terríveis insuficiências na preparação da maioria dos jovens nas disciplinas científicas de base.

Que podem as escolas de ensino superior e o Governo fazer? Pois podem multiplicar e melhorar as acções de marketing das ciências, que em muitos locais já têm sido promovidas. Nesse aspecto os projectos e as colaborações entre as escolas do ensino básico e secundário e as escolas do ensino superior são decisivas. Palestras dos cientistas nas próprias escolas ou em centros e museus de ciência são úteis para aproximar os jovens das ciências e motivá-los para o seu estudo. As acções dos alunos, organizados em associações juvenis (incluindo os clubes de ciência nas escolas), podem também contribuir. Os Dias Abertos das Universidades e, em geral, de institutos e laboratórios de investigação são igualmente positivos. As actividades de Verão, como o programa Ciência Viva nas Férias ou as Universidades de Verão, são também benéficas por aproximarem jovens pré-universitários das instituições do ensino superior. A iniciativa Despertar para a Ciência, da responsabilidade da FCT, com o apoio da Fundação Gulbenkian, foi igualmente meritória ao motivar para a ciência jovens em várias regiões do país (nomeadamente nas universidades de Lisboa, Porto, Coimbra, Faro e regiões autónomas).

Todos estes são meios mais ou menos informais. Mas há também, na escola, que melhorar o ensino das ciências para atrair os jovens. Como se deve dar o despertar para a ciência nas crianças e nos jovens? A maneira mais eficaz parece ser através de actividades experimentais proporcionadas o mais cedo possível. A ciência é, ao fim e ao cabo, o conhecimento do mundo e, para conhecer o mundo, é preciso agarrar, mexer, experimentar. É isso precisamente que uma criança faz a partir do momento que nasce: agarra, mexe, experimenta, para conhecer o mundo onde entrou há pouco tempo.

De facto, a curiosidade é a mola que propulsiona a descoberta. E uma criança nasce “equipada” com uma curiosidade natural. Antes de experimentar, devem ser colocadas interrogações: Como é? Por que é? As respostas só poderão ser encontradas depois de fazer, ver e pensar. E, encontradas algumas respostas, fica-se pronto para enfrentar novas interrogações.

Uma criança que desperte para a ciência não tem necessariamente de ser um cientista ou um tecnólogo. Ao crescer, tornar-se-á num cidadão mais informado e consciente a respeito do mundo que o rodeia, qualquer que seja o ramo de actividade pelo qual enverede. Será uma pessoa não facilmente enganável, uma pessoa mais apta a escolher perante as várias opções que a vida constantemente lhe coloca. Uma criança que desperte para a ciência, mesmo que não venha a exercer uma profissão científica ou técnica, fará ideia do que é a ciência e a tecnologia. E perceberá que não é preciso ter uma grande cabeleira como Einstein para se ser cientista, mas que este tem, na esmagadora maioria dos casos, um aspecto absolutamente normal.

Será que nos nossos jardins-escolas e nas nossas escolas do primeiro ciclo do ensino básico se desperta para a ciência? Infelizmente, e apesar de alguns bons exemplos, tal não se dá ainda na medida desejável. No ensino básico, a ciência, que se chama “estudo do meio” (sic), não tem o devido relevo e, no ensino pré-escolar, a ciência quase não existe. A experimentação, que deveria ser o caminho para que os alunos passassem a ver a ciência como a compreensão do mundo em que vivem, está ainda em falta. Há razões para recear que os nossos alunos estejam a fugir da ciência por não terem tido contacto com ela na idade adequada. Fogem mas nem sabem bem de quê e porque nem sequer sabem o que é.

A comparação com países mais desenvolvidos devia iluminar-nos sobre as mudanças que urge realizar. Por exemplo, o currículo do ensino básico na Grã-Bretanha prescreve os conhecimentos científicos a alcançar e as capacidades a atingir em cada patamar da escolaridade mais baixa. A experimentação científica é promovida de um modo efectivo, recomendando-se a colocação de perguntas e a procura de respostas a elas. Em contraste, o currículo português, em vez de apregoar objectivos concretos e meios concretos de os alcançar, está envolto num incompreensível jargão pedagógico (que já foi sugestivamente baptizado de “eduquês”).

O problema português da educação científica reside em grande parte na formação dos professores dos primeiros níveis de ensino. Com efeito, acontece que a maior parte dos nossos professores do pré-escolar ou da escola básica, nos seus três ciclos, não despertaram eles próprios para a ciência suficientemente cedo. Não tratam a ciência por “tu”, pelo que não podem fazer com que os alunos a tratem desse modo… O nosso défice no ensino das ciências só pode ser enfrentado se houver boa formação de professores do ensino básico. Um investimento desse tipo deve ser feito nesse nível de ensino e no pré-escolar, o que pode ser realizado com materiais simples e baratos. De pequenino que se torce o pepino? Não, de pequenino é que se torce o destino!

5 comentários:

São Canhões? Sabem mesmo a manteiga... disse...

Precisamos de mais cientistas e engenheiros, se compararmos os nossos índices dessas profissões com os índices dos países

e levá-los para lá quando é mais imediatista
a recompensa de um curso de comunicação social ou de psicologia social ou de sociologia

ou aparentemente mais apelativa um curso de direito mesmo com saídas zero

apesar de uma vaga aberta de tempos a tempos à lei da bala

não precisamos necessária mente de mais
precisariamos era de melhores cursos de engenheiros e de ciências em geral

concentrar nas melhores instituições recursos
e não dispersá-las por cursos exóticos com 20 alunos ou em 20 alunos que nunca desenvolverão aplicação prática para o seu curso

Racionalizar versus expandir

Cursos técnicos em quantidade
e menos mestrados que no fundo desde o advento de Bolonha são mais uma fonte de financiamento das estruturas universitárias
que uma mais valia geral

São Canhões? Sabem mesmo a manteiga... disse...

a maior parte dos nossos professores do pré-escolar ou da escola básica, nos seus três ciclos, não despertaram eles próprios para a ciência suficientemente cedo

e generalizações e passa culpas são pouco científicas

não têm disciplina devido ao pré-escolar
não sabem escrever devido ao básico
não sabem ciência

e só sabem de futebol e internet devido ao ensino superior
é o nosso fado

A Gata Cristina disse...

Para quê desperdiçar? Eu, que toda a minha vida quis ser cientista. Eu, que consegui terminar uma licenciatura em biologia marinha e, posteriormente, um mestrado em ecologia marinha...estou no desemprego da área. E como eu, tantos outros colegas.
Se quero sobreviver arranjo emprego (como fiz) noutro sítio qualquer...longe do mar e da ciência. Se quiser trabalho precário e com mau salário, ou de preferência voluntário...aí sim, vou para cientista. Mas por agora prefiro conseguir sobreviver.
São tantas as instituições a matarem-nos os sonhos: quero abrir empresa em biologia marinha - não posso, porque não há quem me empreste dinheiro; quero dar aulas na faculdade - não posso porque agora com o fantástico Processo de Bolonha, exigem o doutoramento e os professores que agora estão nas universidades só podem sair de lá aos 65 anos; quero fazer investigação - não posso porque o IPIMAR (e outras tantas instituições iguais) não tem dinheiro para me pagar sequer o passe social e não tenho experiência (ora se não me dão trabalho como é que posso ter experiência????)...
É o País onde vivo hoje, mas opto por não fugir de cá e esperar que um dia melhore: enviando CV's para todas as ofertas que aparecem e que alguém, como por exemplo um dos autores de De Rerum Natura, o veja e me queira dar uma hipótese como cientista que sou.

Anónimo disse...

Há mais um motivo para haver cada vez menos gente interessada em Matemática, Fisica e Engenharias.

Para se ser bom nessas áreas também se é noutras áreas (economia e gestão) que são muito melhor recompensadas. A Matemática, Fisica e Engenharias estão em competição (por alunos) com Economia e Gestão (com todas as suas variantes). Como a recompensa no final é inferior então estão a competir em desvantagem...

Já dizia um empresário da nossa praça: Um engenheiro que após 5 anos de experiência profissional ainda esteja a fazer engenharia é um falhado!

Com esta mentalidade não se vai muito longe...

maria disse...

bom , na era em que a ciência economicista manipula espíritos e corpos , tal e qual como já o fez a religião , sem dúvida que desmistificá-la e aproximar o mais possível as crianças dela é mesmo boa ideia : para poderem distinguir logo quem quer lucrar com elas de quem as quer servir.

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