quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

TEMPO E RELÓGIOS

 


Minhas respostas ao jornalista Fernando Correia de Oliveira, director do Anuário dos Relógios (AR) que acaba de publicar num número especial comemorativo dos 25 anos:

AR – O que é o tempo? 

CF- Não é fácil definir. Já Santo Agostinho dizia que sabia o que era se não lhe perguntassem, mas já não sabia se lhe perguntassem. O tempo é uma grandeza física, portanto mensurável com instrumentos a que chamamos relógios. Os primeiros relógios derivavam do movimento do Sol, mas também do fluxo de queda de água ou de areia sujeito à gravidade. Mas hoje dispomos de relógios atómicos extraordinariamente precisos, sendo previsíveis que surjam relógios nucleares, ainda mais precisos. Apesar da definição do segundo – a unidade básica de tempo - assentar hoje em experiências atómicas, a sua origem está nos céus: o ano de 365,25 dias é o tempo que a Terra demora a dar uma volta ao Sol, cada dia tem 24 horas, cada hora 60 minutos e cada minuto 60 segundos (se o número de dias é dado pela astronomia, o número de horas, de minutos e de segundos são convenções humanas, enraizadas na história).

AR – Usa relógio? Herdou algum de família? 

CF- Já usei, mas não uso há algum tempo. Para mim é mais prático ver o tempo no telemóvel. Tive e tenho vários relógios, o primeiro dado pelos meus pais (um Cauny, quando fiz a 4.ª classe). Herdei com os meus irmãos relógios de pulso dos meus pais, todos eles pouco sofisticados. Na minha casa de criança não havia um relógio de parede, mas hoje tenho na cozinha um relógio de parede, dos que se compram no Ikea, que dá muito jeito. E uso um radiodespertador barato na mesa de cabeceira, que me acorda com as notícias. 

AR– Há algum relógio que gostasse de ter? 

CF- Não. Em vez de gastar dinheiro em relógios, prefiro gastar em livros que apresentem cronologias ou que falem sobre os mistérios do tempo. Claro que admiro a engenharia e a arte de alguns relógios, que vejo na publicidade. Fico pasmado com o preço que custam certos relógios, como os Patek Philippe, que segundo os anúncios servem de elo material entre as gerações. 4

AR– Como gere o seu tempo? 

CF- Uso, como muita gente neste tempo tecnológico, a agenda do Google. Quando tinha uma vida mais agitada, tinha alguém que me ajudava a gerir, mas hoje sou eu. Costumo olhar para a agenda com cuidado, mas já me aconteceu enganar-me. Fiquei muito arreliado comigo próprio. 

AR – Fale-nos da relação entre Ciência, Tempo e Relógios 

CF- Os físicos usam a variável tempo, que eles medem com os relógios, nas suas equações. Uma das suas dificuldades é que, nas equações que descrevem o movimento de partículas, o tempo é reversível: tanto faz andar para a frente ou para trás. Sabendo nós que há uma “seta do tempo”: o Universo vai do passado para o futuro (este é o teor da Segunda lei da Termodinâmica) e não ao contrário , a questão – de modo nenhum não resolvida ¬– é como se passa do tempo reversível à escala microscópica para o tempo irreversível à escala macroscópica. Este é um dos grandes mistérios do tempo. Mas há outros: serão o tempo e o espaço contínuos, como parecem ser, ou haverá na última escala um “quantum” de tempo, que seria então uma unidade natural? 

AR-  – Portugal, como sociedade, que relação tem com o Tempo? 

CF- Fiz o meu doutoramento na Alemanha e lá o tempo é levado a sério: no dia-a-dia universitário seja na vida em geral, incluindo os transporte públicos. Horas são horas. Por exemplo, se chegar, ainda que por escassos segundos, atrasado a um seminário, todos reparam. Os portugueses têm uma relação muito mais relaxada com o tempo do que os alemães e outros povos do Centro e Norte da Europa. Nas universidades há um atraso estabelecido de um quarto de hora. Marca-se um encontro com alguém muitas vezes sem precisar com exactidão a hora (“lá para a tardinha”). Os transportes chegam quando chegam. Eu gosto de ser pontual, porque a vida colectiva funciona muito melhor dessa maneira. Só podemos ser desenvolvidos – e ricos – se respeitarmos o tempo. O meu pai não me deixou relógios caros, mas deixou-me um conselho que me é muito caro: “o tempo ganha-se em casa.” Quer dizer: numa viagem não se deve acelerar desalmadamente se se partiu tarde, mas sim da próxima vez partir mais cedo. O meu pai aprendeu isso à sua própria custa, pois um dia, a guiar um carro, teve um acidente que prejudicou a sua carreira profissional só porque ia com demasiada pressa. Hoje, se me atrasar, comunico que vou atrasado, pedindo desculpa, não tentando nunca “milagres” para chegar a tempo.

1 comentário:

Maria Montelobo disse...

Teno um relógio Tissot antigo, de pulso, também herdado, não automático que tem a corda partida. Gostaria de conhecer um sítio seguro para o mandar arranjar sem ser em Lisboa. Muito obrigada. Maria Montelobo

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