Meu último texto do ano no «As Artes entre as Letras», a excelente revista cultural nortenha:
Não se sabe o dia em que Jesus
Cristo nasceu. O dia 25 de Dezembro é uma convenção cristã, que assenta em
tradições pagãs. Nem sequer se sabe o ano em que Ele nasceu. Muito
provavelmente foi entre os anos 6 e 4
a.C., isto é, antes da era cristã, mas, mais uma vez, trata-se de uma convenção, bem mais tardia do que a do 25 de Dezembro. Quais são as origens do Natal, que é talvez a
data festiva mais importante no nosso calendário?
Jesus Cristo, a figura central do
Cristianismo, tem, decerto, existência histórica, mas essa existência está
envolta numa nuvem de mistérios. Os historiadores concordam que um pregador
judeu foi condenado à morte na cruz por Pôncio Pilatos, o governador romano da
Judeia, no tempo do imperador Tibério em Roma. Os quatro Evangelhos canónicos
falam da crucificação de Cristo. Mas sabe-se menos sobre o Seu nascimento. Desses Evangelhos só dois o relatam: segundo o Evangelho de São Lucas, José e
Maria viajaram de Nazaré para Belém, um lugar da Judeia pouco a Sul de
Jerusalém, por altura de um recenseamento. Segundo o Evangelho de São Mateus, que concorda
com o nascimento em Belém, o Menino Jesus é visitado pelos «reis magos», que
vêm do Oriente avisados por uma estrela. O governador Herodes, um antecessor
de Pilatos, terá ordenado a «matança de inocentes», que obrigou a família de
Jesus a fugir para o Egipto. Herodes existiu mesmo, mas o referido massacre é
provavelmente um mito.
Os Evangelhos que relatam a
Natividade são omissos quanto ao dia em que ela se realizou e até quanto à
estação do ano. Só no século IV da nossa era é que foi estabelecido o dia 25 de
Dezembro como dia de Natal. Este dia era, no calendário romano, o solstício de
Inverno, quer dizer, o dia em que há o menor período de luz solar durante o
dia (esse período começa então a crescer).
Os Romanos tinham uma festividade ligada a esse solstício, em honra de Saturno,
uma divindade agrícola, festa essa que começava a 17 de Dezembro e ia até 25 de Dezembro. Realizava-se
um banquete público e havia troca de presentes, tal como hoje há nas
festas natalícias. Havia dias feriados sendo dadas escravos algumas regalias, a principal das quais era não trabalharem. A festa significava o final do ano agrícola, sendo
expressas as boas expectativas quanto ao ano que estava a começar. Foi o físico
inglês Isaac Newton (um anglicano que, curiosamente, nasceu a 25 de Dezembro, no
calendário juliano que então se usava em Inglaterra), que, no século XVII,
sugeriu a associação entre a data escolhida para o nascimento de Cristo e o
solstício. No tempo cristão há todo um simbolismo de início de luz associado ao
nascimento de Cristo, a «luz do mundo», e esse simbolismo tem claramente origem
na festa pagã. A Igreja soube «colar» muito bem as tradições que criou com aquelas
que a precederam.
Os Romanos não sabiam tanto de
astronomia como nós. Hoje sabemos que a data do solstício, sendo variável,
calha a 20 ou 21 de Dezembro, diferindo o nosso calendário, o gregoriano (que
se iniciou em 1682, com uma bula do papa Gregório XIII), do antigo calendário
juliano por onze dias. Hoje sabemos também que a órbita da Terra em torno do
Sol é ligeiramente elíptica, ocorrendo o periélio (o ponto de aproximação máxima)
a 2 de Janeiro, perto do solstício e, ainda mais, do começo do ano
civil. A sucessão das estações do ano (sendo o Inverno a mais fria no hemisfério
Norte) tem a ver não com a maior ou menor
aproximação do nosso planeta ao Sol, mas sim com a inclinação do eixo de
rotação da Terra relativamente ao plano da órbita.
Como Herodes morreu no ano 4 a.C.,
o nascimento de Jesus teria de ser anterior a esse ano, partindo do princípio de
que Herodes orientou os reis magos para Belém, seguindo uma profecia do Antigo
Testamento sobre o nascimento do «rei dos Judeus». Foi só no século VI da era
cristã que um monge da Igreja, Dionísio,
o Exíguo, nascido na Círia Menor, na actual Roménia, mas estabelecido
na Cúria Romana em 500, fixou o ano do Senhor no ano 1. Como não existe ano
zero, o primeiro século começou no ano 1 e, para perfazer cem anos, tem de
incluir o ano 100 (nesta lógica, o século XX não acabou a 31 de Dezembro de
1999, mas sim a 31 de Dezembro de 2000). Díonísio foi o primeiro a abandonar o calendário associado a
imperadores romanos ou à fundação da cidade de Roma. A sua proposta demorou a
estabelecer-se. Em Portugal tardou até 1422, no reinado de D. João I… Os cálculos dionisianos não podiam estar
certos, até pelo grande desconhecimento historiográfico que então havia sobre Cristo.
Hoje dispomos de várias maneiras de datar o nascimento de Cristo: ou olhamos para os Evangelhos canónicos e outros documentos que refiram a infância de Jesus e analisamos as figuras ou eventos históricos associados, ou olhamos para os relatos da sua vida pública nos mesmos Evangelhos ou noutros documentos e recuamos três décadas. Convém notar que os Evangelhos são muito posteriores à vida de Jesus)
Um terceiro meio de datação,
embora tenha um fundo científico, está cheio de incerteza: Como o Evangelho
de Mateus fala da «estrela de Natal», podemos, supondo a existência de um evento astronómico
real, deduzir quando Jesus nasceu pela astronomia. Mas é uma tarefa muito difícil,
pois não se sabe o que teria sido essa estrela. Terá sido uma conjugação dos
dois maiores planetas, Júpiter e Saturno, um fenómeno que é relativamente banal?
Ou terá sido o aparecimento de um cometa, tal como Giotto representou no seu famoso fresco
de uma capela em Pádua? Ou terá antes sido uma supernova, tal como aquela que o
astrónomo alemão Johannes Kepler avistou em 1604. Ele pensava ter visto uma
estrala a nascer (uma «nova estrela»), mas sabemos hoje que era uma estrela a morrer.
Não existe informação suficiente, divergindo a opinião dos astrónomos e dos historiadores
da astronomia.
Certo é que o Natal não «é sempre que um homem quiser», mas, porque o homem assim o quis, no dia 25 de Dezembro de todos os anos. Bom Natal!
1 comentário:
O importante do Cristianismo, o que realmente importa, não é a data, nem sequer Cristo, mas a Igreja. O oco do ovo. Vitrais e cânticos e estátuas por todo o lado...
O problema foi a crucificação e o "Pai, porque me abandonaste?".
Por isso, não deixo crescer o meu Menino Jesus. Todos os anos o tapo de palhinhas deitado na imobilidade de nunca vir a ser. Salvo.
A salvação cumpre-se na inocência, não no sofrimento.
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