quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

EINSTEIN, ÍCONE DO SÉCULO XX


Meu artigo na Visão - Biografias dedicado a Einstein:

Em 1905, Albert Einstein (1879-1955), um modesto funcionário de uma pequena repartição de patentes na cidade suíça de Berna enviou para publicação cinco artigos científico, que mudaram o nosso conhecimento do mundo.

Dois desses artigos, um deles a sua tese de doutoramento, tratavam das dimensões e o movimento das moléculas. Quando ainda não era clara a constituição atómica da matéria, o diplomado pela Escola Politécnica de Zurique, então com 26 anos, ajudou a quantificar a noção de molécula. Os átomos e as moléculas deixaram então de ser meras hipóteses para se tornarem, a nossos olhos, realidade.

Um terceiro artigo sobre o efeito fotoeléctrico foi talvez o mais revolucionário. Einstein explicou esse efeito, conhecido experimentalmente, que consistia na expulsão de electrões de uma superfície metálica quando nela incidia luz. Einstein «fez luz» sobre a luz: prosseguindo na senda iniciada em 1900 por Max Planck, sustentou que a luz era formada por pequenas unidades, os quanta (plural de quantum, termo latino para quantidade). Havia um paradoxo, já que corpúsculo é um conceito oposto ao de onda, que era na altura assumido para a luz. Einstein, que por este trabalho recebeu em 1921 (faz este ano cem anos) o Nobel da Física, tornou-se assim um dos fundadores da teoria quântica, a teoria que anula o paradoxo, ao conjugar ondas com corpúsculos. Mas ele não conseguiu acompanhar os novos desenvolvimentos da teoria. A sua frase «Deus não joga aos dados» significa a sua rejeição das ideias probabilísticas que estão no cerne na teoria quântica. Foi um pai que a certa altura deixou de compreender a filha...

Os dois outros artigos desse «ano milagroso» fundaram a teoria da relatividade. Na física há coisas relativas, isto é, que dependem do observador, e outras invariantes, isto é, que são as mesmas para os vários observadores. A noção de relatividade. que remonta a Galileu, tem a ver com a universalidade das leis físicas: as leis da mecânica são as mesmas para todos os observadores, quer estes estejam imóveis quer viajem com velocidade constante. O princípio da relatividade de Einstein alargou o de Galileu: não só as experiências mecânicas são as mesmas para todos os observadores, mas também todas as leis da física, incluindo as do electromagnetismo. Einstein acrescentou a este princípio um outro, o da invariância da velocidade da luz. As conclusões dessas premissas foram imperiosas: a mecânica de Galileu e Newton tinha de ser modificada, enquanto a teoria electromagnética de Faraday e Maxwell (que inclui a óptica) podia permanecer incólume. As modificações têm implicações profundas: o espaço e o tempo são inseparáveis, integrando o espaço-tempo, dependendo as medições do espaço e do tempo de cada observador. Uma outra consequência expressa-se na mais famosa equação da física: E= mc2. Energia e massa são equivalentes, podendo converter-se uma na outra. Esta equação explodiu na «cara da humanidade» com as bombas atómicas de 1945. Einstein que teve um papel distante no processo sentiu a culpa («Fui eu que carreguei no botão») e intensificou o seu pacifismo. Mas a equação tem aplicações benfazejas no nosso quotidiano: quando um doente é submetido a um exame de PET, electrões colidem com positrões, desaparecendo matéria para dar lugar a energia.

Einstein não se ficou por aqui. Uma década volvida generalizou a sua teoria da relatividade para o caso de observadores acelerados. O ponto de partida foi uma experiência pensada por Galileu: todos os corpos, pesados ou leves, caem da mesma maneira à superfície da Terra, se se desprezar a resistência do ar. O resultado foi uma epifania: a força de gravitação universal, que Newton tinha descrito por uma fórmula matemática, passou a ser vista como uma deformação geométrica do espaço-tempo à volta de algum corpo com massa e energia. A matéria-energia modifica o espaço-tempo, numa visão esteticamente atraente. A teoria da relatividade geral não só tem uma enorme elegância como é fonte de um grande número de previsões, que foram até agora confirmadas, como a existência de buracos negros. E há aplicações práticas no nosso dia-a-dia, como o GPS.

Observações cruciais para decidir a validade da teoria foram realizadas em 1919 na ilha do Príncipe e em Sobral, no Brasil, durante um eclipse total do Sol. A luz de estrelas por detrás do Sol devia, segunda a relatividade geral, encurvar-se ao passar perto dos bordos da nossa estrela. Ele não tinha dúvidas que ia ser assim: «Deus não dispôs de outra escolha na criação do mundo» (Deus era a sua metáfora preferida para a «harmonia do Universo.») As chapas fotográficas deram razão a Einstein, eclipsando as dúvidas.

Como em todas as revoluções científicas, Einstein baseou-se no que já se sabia,  mudando o que era preciso mudar. Em cada revolução, há sempre elementos de continuidade. Newton tinha compreendido bem o modo como a ciência progride: «Se consegui ver mais longe é porque estava aos ombros de gigantes». O sábio queria realçar os que viveram antes dele, preparando-lhe o caminho. Einstein conseguiu subir para cima dos ombros de Newton, elevando a pirâmide humana do saber. Se conseguiu ver mais longe foi porque tinha uma sólida base de apoio. Hoje não falta quem tente subir aos ombros de Einstein, tentando conciliar a teoria da relatividade geral com a teoria quântica. Mas a tarefa não se tem revelado fácil: Um novo Einstein precisa-se!

Einstein teria ficado famoso por qualquer um dos referidos trabalhos. Mas ele foi o autor de todos eles... e de mais alguns: deve-se também a ele a ideia do laser (que está hoje em qualquer impressora ou leitor de DVD), baseada em saltos quânticos. Não admira, por isso, que a revista Time, no ano 2000, o tenha elegido a «pessoa do século». Einstein é um ícone do nosso tempo, marcado pelo saber e pelo poder que só o saber pode dar.

 

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