segunda-feira, 31 de maio de 2021

ACORDAI, PROFESSORES QUE DORMIS!


Onde está
a indignação por parte
- dos múltiplos sindicatos de professores,
- das instituições de ensino superior e outras que formam professores,
- de associações científicas e profissionais,
- mas, sobretudo, dos professores,
quando é roubado, à vista de todos, com a sua concordância ou anuência, o ensino
- àqueles que têm o dever e o direito de ensinar,
- àqueles a quem o Estado reconhece o estatuto profissional para o fazer?

Todos dizem/impõem aos professores o que eles têm de pensar e de fazer,
- são as grandes organizações supranacionais,
- são os políticos e os especialistas emergentes que chamam a colaborar,
- sãs as tutelas e as múltiplas entidades que acarinham no seu grande regaço,
- são as incontáveis fundações e empresas que se servem da escola para benefício próprio,
- são outras entidades estatais e particulares que, em vez de se restringirem às suas tarefas, entram pela tarefa dos outros adentro,
- são os incontáveis ignorantes que nunca estudaram o que quer que fosse sobre educação (e desdenham quem o faz), mas a quem a comunicação social dá voz destacada,
- é a comunicação social...

Detenho-me na comunicação social..., em concreto no jornal Público e, ainda mais em concreto, numa secção sua com o título Aprender com o Público que está, despudoradamente, orientada para a aprendizagem escolar (e, claro, também para o ensino).

À semelhança de jornais estrangeiros, também este iniciou um projecto que se designa por "Público na escola". Avançou e tornou-se parceiro curricular (redigiu ou co-redigiu o Referencial de Educação para os Media), vai às escolas (sensibilizar professores e alunos para a leitura de notícias).

Deu passos que, em circunstância alguma, podia ter dado. Fazer planos de aulas para os professores seguirem é um deles. Sim, eu sei que isto é feito com a colaboração de professores e sei também que outras entidades fazem o mesmo, mas não podem ser razões justificativas para o que mencionei.

Eis um exemplo inscrito na "Educação para os media" no duplo quadro de Português e "Cidadania e Desenvolvimento": "Um facto e múltiplas opiniões. Um plano de aula para ensinar a distinguir uma notícia de um texto de opinião"

A justificação do jornal é a seguinte: a OCDE (sempre a OCDE!) deu a conhecer dados do PISA 2018 (a que fiz alusão em texto anterior), reunidos sob o fantástico título “Leitores do séc. XXI: desenvolver competências de leitura num mundo digital”. Estes dados indicam que cerca de metade dos alunos portugueses não distinguem correctamente opiniões de factos. Vem, então, um jornal propor-se corrigir um problema de ensino, detectado por uma organização de matriz económica.

Mas, é mesmo esta matriz que sustenta a acção do Público. Podemos dizer que as "teclas lhe fugiram para a verdade": "é necessário que os alunos estejam habituados a lidar com textos dos media." Textos do media, diz bem! Os textos que interessam ao Público que os alunos leiam! 

O que aconteceria se os professores dissessem em público, se publicassem, como é que os jornalistas deveriam fazer o seu trabalho? Certamente, a Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas e/ou o Sindicato dos Jornalistas viriam, como lhe compete, esclarecer que em matéria jornalística apenas e só os jornalistas credenciados podem pôr as mãos. E fariam bem. Mas este princípio básico não é respeitado por estas duas entidades, que nunca vi pronunciarem-se sobre as ingerências do jornalismo no ensino.

Em suma, o que quero deixar bem claro é o seguinte: os professores, os académicos que têm responsabilidade na formação de professores, os directores escolares não podem deixar que quem não é professor faça o trabalho dos professores. Casos como este não podem continuem a acontecer, pois, e...

... de modo muito concreto: 
- a planificação de aulas é uma tarefa exclusiva dos professores, de mais ninguém,
- um professor de português tem o programa, as metas curriculares e as aprendizagens essenciais como base de trabalho, onde está contemplada a diferenciação entre facto e opinião,
- os professores de filosofia também abordam esta diferenciação e os que leccionam outras disciplinas têm por obrigação fazê-lo sempre que isso se justifique, ainda que não esteja contemplada nos documentos curriculares.

Mais, os jornalistas e os jornais deveriam, eles sim, preocupar-se com a diferenciação em causa, nomeadamente no que escrevem e publicam sobre educação escolar, em que são, em geral, um péssimo exemplo (entre outras coisas, na diferenciação entre facto e opinião).

Quando vi a planificação que desencadeou este texto, lembrei-me das palavras de José Gomes Ferreira (e a música de Fernando Lopes-Graça), que adapto; acordai professores, que dormis, ou que resistis a acordar. Quando acordardes será tarde demais, se é que não é já tarde demais.

9 comentários:

Mário R. Gonçalves disse...

Já não vai a tempo, pura e simplesmente, o que está em marcha é irreversível.

Li há uns dias alguém a lamentar que os seus netos vão ter que enfrentar "um mundo diferente" (como se isso não fosse sempre o caso, o mundo dos meus avós quando jovens foi há 100 anos, olá se era diferente, entre uma guerra e outra)

Acho bem mais relevante lamentar o mundo que terá pela frente gente tão diferente como serão os nossos netos. Sempre, am ambos os casos, para pior, claro.

Os nossos netos não saberão latim nem francês, Ciências Naturais nem Humanidades. Saberão apenas deep web, dark web, os melhores sítios das melhores cervejas e o calendário das grandes finais de futebol. Um ou outro, maluco varrido, terá tentado fugir para Marte.

Abraham Chevrolet disse...

Se eu fosse pessimista concordaria,ipsis verbis,com o que escreve !
Et pur si muove !!!
Não serão esses cretinos que vergarãp a luz da inteligência,estejam descansados... já os vi mais ameaçadores, armados até aos dentes, e depois a fugirem , batendo com os calcanhares no c-,ou a sairem de helicóptero pelo telhado da Embaixada !!!
O Povo é sereno !

Anónimo disse...

Acrescento a minha preocupação com o destino a ser dado aos dinheiros da bazuca, no âmbito da educação. Infelizmente, é de prever que sejam desbaratados em ações de formação, para professores, relacionadas sobretudo com ciências da educação, apesar desta importante área do conhecimento humano, ainda não ser lecionada no ensino secundário! Para concluir o meu comentário, divulgo, de seguida, o relatório final, modificado apenas nos elementos de identificação de formandos e formadores, de uma ação que frequentei em 2018, para verem o estado a que isto chegou!

"Ação de Formação – AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NOS MÉDIA ESCOLARES
Formadores: _________________
_________________
Formando: __________________
RELATÓRIO INDIVIDUAL DE REFLEXÃO CRÍTICA
1. Motivação para a frequência da Ação de Formação e expectativas em relação à mesma

A minha principal motivação para frequentar a ação de formação foi conseguir obter mais um certificado em papel, ou em formato digital, para anexar ao meu relatório de autoavaliação anual, cumprindo assim uma das formalidades legais indispensáveis para poder, eventualmente, vir a progredir na carreira docente que abracei há mais de 30 anos. Também me atraiu a circunstância da carga horária do curso ter uma grande componente on-line e as Alterações Climáticas serem um assunto na ordem do dia, cuja compreensão e explicação implica o domínio de leis e conceitos científicos que todos os dias leciono na Escola Secundária de Oliveira do Castelo, onde sou professor de Física e Química. Portanto, a minha expectativa era receber formação especializada no âmbito das alterações climáticas e do aquecimento global, porque, dada a minha formação científica de base em Física, e sendo professor do ensino secundário, não estava à espera de receber lições de literacia científica de quem quer que fosse. Qual não é o meu espanto, quando, iniciado o curso, verifico que, junto com a literacia científica, também apanho com uma ensaboadela em jornalismo, através de vídeos e outros documentos disponibilizados na plataforma da ação na internet!
Na escola, quem deve decidir se o tratamento em sala de aula de um certo tema da atualidade noticiosa é, ou não, uma boa estratégia de ensino, são os professores - todos os professores -, quer frequentem, ou não, ações de formação.

3. Aprendizagens realizadas e sua aplicabilidade na prática docente

Na vertente científica, propriamente dita, mais do que referir que as aprendizagens que realizei, no âmbito da Física, da Química ou da Biologia, foram poucas ou nenhumas, importa realçar que não detetei erros científicos dignos de nota nos documentos disponibilizados aos formandos. Contudo, a exploração didática das alterações climáticas, ao nível do ensino secundário, implicaria um estudo mais aprofundado das leis e conceitos científicos envolvidos.
Por outro lado, as aprendizagens que realizei nas áreas do jornalismo e da comunicação social, de um modo geral, foram muito enriquecedoras, já porque aumentaram grandemente a minha bagagem cultural, já porque terão uma vastíssima aplicabilidade na minha prática docente. Ideias chave, como a de que as notícias difundidas por qualquer órgão de comunicação social não refletem objetivamente a realidade, ou a de que uma notícia pode ser pouco fiável se a fonte informativa não for credível, tem implicações óbvias em contexto escolar, quando, por exemplo, se faz trabalho de pesquisa na internet.
O acervo científico e didático on-line desta ação de formação, sendo de livre acesso para todos os formandos, é definitivamente uma mais-valia para a minha prática docente, com especial ênfase para as estratégias de ensino primorosamente elaboradas que não deixarei de aplicar nas minhas aulas futuras."

Ildefonso Dias disse...

Seja-me permitido a correcção: as palavras são do poeta José Gomes Ferreira, a música é de Fernando Lopes-Graça.

Helena Damião disse...

Estimado Leitor Ildefonso Dias.
Muito obrigada pela sua nota. Já fiz a alteração.
Cordialmente,
MHDamião

Helena Damião disse...

Caro leitor Anónimo
Li o documento da "bazuca" nas partes que dizem respeito à educação. Os dinheiros (são vários milhares) irão não para acções de ciências da educação - filosofia da educação, sociologia da educação epistemologia da educação, ética e deontologia no campo da educação... - mas para o uso (sublinho, "uso") de tecnologias (hardware e software) que há-de substituir os professores em muitas tarefas de ensino.
Cordialmente,
MHDamião

Carlos Ricardo Soares disse...

Choca-me o título e nem o relacionei com o áudio, que já conhecia, de outros contextos.
Os professores não precisam de acordar, precisam de descansar e de dormir, mas não os deixam. Não precisam de mais alertas, porque já estão em alerta permanente há demasiado tempo.
Os professores, mesmo quando não há guerras declaradas com espingardas e granadas, ou incêndios e sirenes, assumem o papel de militares, num enquadramento de combate e luta, sem quartel, em todas as torres de vigia e guaritas, que se possam imaginar, com carregadores de balas de pólvora seca, autênticos placebos, que escrupulosamente tomam como princípios activos contra inimigos muito mais poderosos do que eles que, de dia e de noite, a todo o momento, lhes infligem derrotas e que são os mesmos que lhes fornecem os placebos e a pólvora seca e lhes dão instrução rigorosa de como a usarem, ao toque do clarim, ou da caixa, e que aparecem, estrategicamente, nas horas mortas, para os atormentarem com a prova de os apanharem a dormir.
Os que se fazem fortes, porque o são, ou acreditam nisso, e decidem ir à luta, como os touros, ou os guerreiros, por valentia e grandeza de carácter, como manda o hino, só acordam se tiverem a sorte de ir parar a algum hospital que os reanime.
Ninguém aguenta muito tempo uma guerra interminável e sabotada.
O essencial não é lutar, é identificar os inimigos, ou os adversários, avaliar o seu poder de fogo e adoptar estratégias de ataque e de defesa. Mas os professores não recebem preparação para isso.

Ildefonso Dias disse...

O que os senhores professores precisam é de tomar consciência que o verdadeiro poder está nas suas mãos. Tem por isso toda a razão a Sra. Professora Helena Damião ao pedir aos professores para Acordai. A transformação da sociedade para uma forma mais justa, mais humana só é possível com um Acordar colectivo das massas. Tudo o que não compreender isso é uma cortina de fumo que se lança aos olhos dos incautos.

Acordai... disse...

Acordar quem? Não percebi...

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