Nicholas Carr tem formação em Língua e Literatura Anglo-Americana por Harvard e, entre outras ocupações profissionais, escreve. Conta ele que sempre foi um leitor incansável e muito concentrado, até que um dia deu consigo cansado e disperso. O livro fugia-lhe ou ele fugia do livro. Porquê?
A procura de resposta originou uma obra que, podendo considerar-se de divulgação, foi prémio Pulitzer. O título é Os superficiais: o que a internet está a fazer aos nossos cérebros. Já sabemos a resposta: no caso de a exposição ser prolongada e intensiva e de não ser guiada por propósito ou critério os efeitos não são maus, são péssimos!
Ainda assim vale a pena voltar à pergunta e à explicação de Carr, que coincide, de resto, com a explicação de quem investiga o cérebro tanto do ponto de vista biofisiológico como do ponto de vista das suas manifestações, sobretudo de pensamento estruturado.
É que, como se sabe, muitos sistemas educativos encontram-se em plena "transição digital" e a "educação através da internet" é uma realidade que, em Portugal, passou a estar consagrada na Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital (cf. ponto 2 do artigo 11.º dedicado ao "Direito ao desenvolvimento de competências digitais").
As palavras abaixo são de Leda Muñoz, professora da Universidade da Costa Rica, que num artigo do jornal El País, dá conta do essencial de uma entrevista que fez há poucos dias a Carr.
Muita informação, pouca compreensão: um novo tipo de analfabetismo.
Quando nos conectamos “trocamos profundidade por amplitude, contemplação por estimulação”, criando desequilíbrios e preconceitos na informação que processamos, com importantes repercussões individuais e colectivas. As redes sociais têm um desenho industrial de gestão da informação, que privilegia a quantidade e a velocidade de “transmissão”, em detrimento da qualidade, desenho que corresponde aos princípios de eficiência do cérebro (...). Não são as condições que o cérebro requer para processar os fragmentos da informação que recolhe para os converter em conhecimento, alcançando um pensamento profundo e crítico.
As provas são abundantes: a forma como navegamos nas redes fomenta um pensamento superficial e não promove o pensamento conceptual. Paradoxalmente, os meios digitais, vastas fontes de informação, não nos estão a ajudar a conhecer mais ou melhor.
Recordemos que as redes sociais foram criadas para conversas superficiais, ainda que hoje, em virtude de uma mistura de “preguiça pessoal e manipulação empresarial”, se tenham convertido no espaço para o debate público de todos os temas, substanciais ou banais. Políticos, agências publicitárias (incluindo as redes), e quaisquer grupos interessados em promover a sua agenda particular, aproveitam este desenho para exaltar “a emoção sobre a razão e sobrepor o pensamento de grupo ao crítico”.
Assim, as redes são, actualmente, um meio fecundo (e barato) de propaganda e de desinformação. A presença das tecnologias na sociedade não vai voltar atrás, e têm, sem dúvida, um enorme potencial, mas é preciso entender o que enfrentamos, para fazermos uso adequado destas poderosas ferramentas. Os mais jovens são especialmente vulneráveis uma vez que o seu pensamento crítico está em desenvolvimento bem como as estruturas da lógica, necessárias para discernir. Mas também a população adulta deve ser guiada para um uso das tecnologias que estimule a construção do conhecimento e diminua o risco de manipulação.
Maria Helena Damião e Isaltina Martins
1 comentário:
Caras professoras
É certo que “os mais jovens são especialmente vulneráveis uma vez que o seu pensamento crítico está em desenvolvimento bem como as estruturas da lógica, necessárias para discernir”.
Todavia, não é essa a preocupação da escola pública! A escola pública, acriticamente, presta vassalagem às mais diversas orientações educativas, a tudo o que seja novidade, ainda que os resultados sejam nefastos para os nossos alunos. A “ era do líquido”, “ do gasoso” (Zygmunt Bauman) está instalada nas escolas públicas com a anuência dos professores que, desorientados com as funções administrativas que lhe são acometidas e com o espectro de uma avaliação iníqua, deixaram de ter força anímica para se fazerem ouvir.
É criminoso o que está a acontecer! O direito à educação consignado na DUDH e na Constituição da República Portuguesa está a ser completamente enviesado.
Como professora, educadora, devo ter como objetivo ajudar a formar jovens conscientes e críticos, capazes de analisar o mundo e de se posicionarem autonomamente face a ele. Não vou ser conivente...
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