Minha recensão no último "As Artes entre as Letras":
Joaquim Fernandes (JF, n. 1946) é
um jornalista, historiador e professor universitário que se especializou no
estudo de fenómenos estranhos. A tese de doutoramento que defendeu na Faculdade
de Letras da Universidade do Porto intitula-se O Imaginário Extraterrestre
na Cultura Portuguesa - do fim da Modernidade até meados do século XIX
(2004). Saiu uma versão impressa intitulada Moradas Celestes: O imaginário
extraterrestre na cultura portuguesa (Âncora 2014). Os primeiros livros do
autor tinham a ver com os fenómenos extraterrestres: OVNIS em Portugal
(Nova Crítica, 1978). JF tem continuado a escrever sobre o assunto: De
Outros Mundos: Portugueses e extraterrestres no século XX (Planeta, 2009) e
Ficheiros Secretos à Portuguesa: Avistamentos de Ovnis, fenómenos
impossíveis e outros casos à espera de explicação (Manuscrito, 2018).
Confesso que nunca encontrei grande substância em livros sobre fenómenos OVNI,
que têm sempre um público interessado, mas que já estiveram mais na moda do que
hoje. Costumo dizer que sei tudo sobre “discos voadores”: não existem! Os
livros de maior sucesso de JF devem ter
sido aqueles, em colaboração com Fina d’Armada, pseudónimo de Josefina
Moreira (1945-2014), historiadora e poeta, que abordaram as aparições de Fátima,
explorando a possibilidade de serem fenómenos extraterrestres: Intervenção
Extraterrestre em Fátima: As aparições e o fenómeno ovni (Bertrand, 1981),
As Aparições de Portugal e o Fenómeno Ovni (Estampa, 1995) e Fátima: Nos
Bastidores do Segredo (Âncora, 2002). JF escreveu a solo recentemente As
Outras “Fátimas” (Manuscrito, 2021), um livro sobre aparições marianas que
não tiveram a “bênção” da Igreja. Não penso que haja qualquer substância em
explicações extraterrestres de Fátima. É muito mais provável que “fenómenos inexplicados” sejam explicáveis
por causas terrestres, humanas ou não, do que por quaisquer causas
extraterrestres.
A vasta bibliografia de JF inclui
vários livros, relacionados com a sua tese doutoral, que descrevem,
documentadamente, o “Portugal prodigioso”, o Portugal onde, ao longo dos
séculos, a religião e a superstição se cruzam com a astronomia e a
meteorologia. JF conhece muitas fontes bastante curiosas e permite-nos perceber
como é que o irracional prevaleceu muitas vezes sobre o racional (foram longos
os tempos pré-científicos e ainda hoje não falta quem ignore as explicações
científicas). Elenco alguns títulos, que tive curiosidade e gosto em ler: Halley:
O cometa da República (Círculo de Leitores, 2010), História Prodigiosa
de Portugal: Mitos e maravilhas (QuidNovi, 2012), História Prodigiosa de
Portugal: Magias e mistérios (Verso da História, 2015), Portugal
Insólito: Enigmas, crenças, experiências sobrenaturais e outros mistérios
(Manuscrito, 2016) e Portugal: Uma História de Prodígios (Book Cover,
2020). Acho esta literatura de JF, bem escrita, mais interessante do que a
referida atrás, porque na maioria das vezes ajuda a compreender e desmistificar
histórias fabulosas. De entre as obras de JF, gostaria de destacar um original
dicionário sobre portugueses que merecem ser mais reconhecimento, para o qual
escrevi o prefácio - O Grande Livro dos Portugueses Esquecidos (Círculo de Leitores, 2008) - e uma antologia
de poesia portuguesa sobre astronomia, com prefácio do saudoso Manuel António
Pina - Mitos, Mundos e Medos: O céu na poesia portuguesa da tradição popular
ao século XX (idem, 2010). Acho também interessantes Newton Herético
(Ésquilo, 2006), em coautoria, sobre o lado secreto do grande físico inglês, e O
Livro do Universo: A revelação do Cosmos e a procura do outro (Quidonovi,
2013), com prefácio do astrofísico Paulo Gali Macedo, sobre o lugar do homem do
Universo. JF também é dado à ficção. Nesta área escreveu dois romances, que
ainda não li: O Cavaleiro da Ilha do Corvo (Circulo de Leitores, 2008) e
As Curandeiras Chinesas. Um motim que abalou a I República (Gradiva,
2014). É ainda poeta: escreveu Multiversos (Seda Publicações, 2018), com
prefácio de Isabel Ponce de Leão.
Acabo de ler o último livro de
JF: Apocalipses: Os vários fins do mundo da história de Portugal,
publicado pela Contraponto, com prefácio de Miguel Real (que já tinha
prefaciado As Curandeiras Chinesas). Os fins do mundo do título, todos
eles frustrados, são, como destaca a contracapa, muito variados; “cometas, auroras boreais,
eclipses, terramotos, dilúvios, pragas, epidemias, invasões extraterrestres e
outros momentos que sobressaltaram o país”. Claro que as “invasões
extraterrestres” são só ilusão. O autor conta a história do programa de Matos
Maia em 1958 na Rádio Renascença sobre uma suposta invasão de marcianos,
recriando entre nós a famosa emissão de Orson Welles nos EUA baseada na Guerra
dos Mundos de H. G. Wells, e a da repetição desse embuste em 1988 na Rádio
Braga. JF fala, no resto do livro, de muitos fenómenos naturais que causaram
grande alarme social. Os cometas e eclipses sempre excitaram a imaginação
humana, quando se desconhecia a sua explicação científica e mesmo depois (há pouco mais de cem anos
temia-se o cometa Halley). Outros fenómenos naturais como as auroras boreais
também suscitaram pânico (viu-se uma em Portugal em 1938). E o mesmo se passou
com os terramotos, dos quais o maior, de longe, foi o que devastou Lisboa e o
Sul do país em 1755. Nos dilúvios estão incluídos eventos raros como as chuvas
de areias que ocorreram no Minho em 1759. Por sua vez, as pragas e epidemias
têm sido recorrentes, desde a peste negra que cá chegou em 1348 até à actual
Covid, passando pela pneumónica de 1918-1919. No final são referidos
apocalipses contemporâneos, que vêm menos a propósito num livro centrado em
Portugal, como o receio do “bug do milénio”, associada ao ano 2000, ou o
medo mais delirante de um apocalipse indicado num calendário maia. Todas as
notícias sobre o fim do mundo foram manifestamente exageradas.
Haverá fim do mundo? A ciência prevê que, daqui a 5000 mil anos, a Terra não será um bom lugar para estar… Mas, no Universo todo, não haverá fim do mundo, mas tão só um arrefecimento muito lento: o Universo tem um futuro infinito à sua frente. O mito também é eterno: acompanhar-mos-á sempre, ou, pelo menos, enquanto existirmos.
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