Segunda parte do artigo de Eugénio Lisboa sobre a língua portuguesa:
Em entrada
anterior, neste blog, publicámos uma breve antologia de testemunhos/homenagem à
língua portuguesa, precedidos de algumas considerações sobre a riqueza dela e
modos de a usar. Hoje juntamos mais
algumas homenagens, em verso e em prosa.
AFONSO LOPES VIEIRA
(1878 – 1946)
A LÍNGUA PORTUGUESA
Ó Portuguesa língua,
quando um dia
Floresceste nos
rústicos cantares,
Quem te diria que por
sobre os mares,
Com tua alma o teu
génio cresceria!
Soou na Terra a tua
melodia
E pelo orbe criou
nações e lares;
Com teu ritmo de
impulsos e vagares
Foste laço de povos e
harmonia.
DAVID MOURÃO-FERREIRA
(1927 – 1996)
EXCERTO DO LIVRO
Magia, Palavra, Corpo1993
Faça-se todo
o possível – mesmo o possível impossível – para que os povos de língua
portuguesa leiam cada vez mais os autores de língua portuguesa qualquer que
seja a nacionalidade a que pertençam: angolanos, brasileiros, caboverdianos,
portugueses, santomenses, sem prejuízo, aliás, do estimulante conhecimento de
autores de outras línguas, e pouco a pouco virá a verificar-se a crescente e
saborosa mestiçagem do idioma que de Portugal “banzou”, não para “xingar” os
demais povos nem para com eles “cutucar”, mas para que a todos servisse de vivo
instrumento de fraterna aproximação.
ALBERTO DE LACERDA
(1928 – 2007)
A LÍNGUA PORTUGUESA
Esta língua que eu amo
Com seu bárbaro lanho
Seu mel
Seu helénico sal
E azeitona
Esta limpidez
Que se nimba
De surda
Quanta vez
Esta maravilha
Assassinadíssima
Por quase todos que a
falam
Este requebro
Esta ânfora
Cantante
Esta máscula espada
Graciosíssima
Capaz de brandir os
caminhos todos
De todos os ares
De todas as danças
Esta voz
Esta língua
Soberba
Capaz de todas as cores
Todos os riscos
De expressão
(E ganha sempre a
partida)
Esta língua portuguesa
Capaz de tudo
Como uma mulher
realmente
Apaixonada
Esta língua
É minha Índia constante
Minha núpcia
ininterrupta
Meu amor para sempre
Minha libertinagem
Minha eterna
Virgindade
EUGÉNIO LISBOA
(1930 - )
OUTRO SONETO À LÍNGUA PORTUGUESA
Com a língua portuguesa
me caso,
com ela vivo quando é
preciso;
a língua portuguesa não
tem prazo
e veste-se de luxo e
conciso.
Vive de tristeza e de
alegria,
sossega, como sabe, os
aflitos
e sabe matizar a
euforia,
apaziguando, suave, os
altos gritos!
Enfeita-se com cores e
buzinas,
desperta, com clamores
bem sentidos
e com ares de grande
dançarina,
aqueles que andando
adormecidos
acordam àquele toque de
alerta:
a língua é clamor e é
oferta!
TERESA RITA LOPES
(1937 - )
A LÍNGUA É UMA PÁTRIA
- é dito de Junqueiro e
de Pessoa
mil vezes repetido
mas não sei se sentido.
Foi sobretudo no exílio
que saboreei
essa verdade amarga e
doce.
Quando o chão do meu
país me faltava
debaixo dos pés,
errava sonâmbula dia e
noite
agarrada às palavras
- meu colo minha
respiração meu sustento.
Hoje orgulho-me de
partilhar a pátria pobre
que somos
com miríades de irmãos
constelando os céus
de todos os
continentes.
A riqueza maior que ter
podemos
não está em cofres,
bancos ou acções
mas na música da nossa
língua, ecoando
por milhões e milhões
de gargantas.
Assim damos
por concluída esta modesta mas sentida homenagem à língua de Camões e Vieira.
Eugénio Lisboa
4 comentários:
Poemas RIQUISSIMOS sobre o bem falar português sem dúvida alguma.
Fascinou o meu ego tão salutar leitura.
.
Abraço de amizade poética
.
Pensamentos e Devaneios Poéticos
.
De vez em quando, e ultimamente cada vez mais, entre afazeres e actividades, dou comigo a tomar sentido, pela primeira vez, em que a minha língua me fala mais a mim, desde criança, do que eu a ela, e só muito tarde comecei a reparar quão carregada de cultura, de significados e de sentidos, a minha fala e escrita e leitura andava.
Passei a perceber que a língua, só por si, nos dá a filosofia e a ciência, até das perguntas e das respostas nunca antes feitas. Comecei a ver, numa acepção muito especial de sentir, que, além dos sentidos do sistema sensorial, visão, audição, sensações corporais, paladar, olfacto, temos outros sentidos mais internos, que trabalham no silêncio e no escuro, com que sentimos dores, alegrias, entusiasmos e tristezas, paixão, saudade, amor e ódio, etc., e passamos a vida a dar sentido, aos sentimentos, ao que sentimos e ao que pensamos, porque pensamos o que sentimos, mas também sentimos, muitas vezes o que pensamos.
E quando me ponho a pensar e a falar das minhas descobertas, e sentir em todos os sentidos é uma delas, é com a sensação, senão com a certeza, de que quando se fala ou escreve sobre algo, já estava tudo na língua.
Só uma correção: Afonso Lopes Vieira nasceu em 1878 (século XIX) e não em 1978 como está neste post.
emendei, obrigado cf
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