sábado, 19 de setembro de 2020

SOBRE JORGE LUÍS BORGES

Novo post de João Ventura sobre Borges:

No Arco do Cego, onde durante muitos anos funcionou uma estação da CARRIS, existe agora o Jardim Jorge Luís Borges que, excepto quando chove, é um local de encontro dos estudantes do Instituto Superior Técnico. A um canto desse jardim, face à embaixada da Argentina, pode ver-se um Memorial a Borges, da autoria de Federico Brook. Inaugurado em 2008, é constituído por um bloco de granito, encimado por uma “nuvem” de mármore, simbolizando a imaginação. Na parte superior do bloco existe uma cavidade onde está uma mão, cópia da mão de Borges, segurando uma pena. De um lado do bloco está gravado o soneto “Los Borges”, alusivo aos antepassados lusitanos do escritor (“Nada o muy poco sé de mis mayores / Portugueses, los Borges, vaga gente…”).

Na noite de 23 de Agosto, aniversário do nascimento de Borges, há um grupo que se reúne à volta do monumento. São doze: sentam-se no chão, formando um círculo com centro no Memorial, e falam em voz baixa, um de cada vez. Um deles funciona como secretário e toma notas num pequeno caderno. Depois de todos terem falado, o secretário diz algo como: “Ainda não foi encontrada. Continuemos a percorrer os caminhos que se bifurcam.” Todos se levantam e abandonam o local, cada um numa direcção diferente.

Esta reunião apenas poderá ser observada discretamente à distância (recomenda-se o uso de binóculos com intensificador de imagem). À vista de um estranho o grupo ficará em silêncio e, se este se aproximar, o grupo dispersará rapidamente, presumindo-se que completarão a reunião em local alternativo.

A razão dos acontecimentos descritos é apenas conhecida em círculos restritos. No ano seguinte à inauguração do monumento um estudioso de Borges, pesquisando os escritos inacabados que o escritor deixara na sua casa na Suíça, encontrou uma folha de papel que tinha simplesmente escrito, em português(!):

 “Na terra antiga / está a Biblioteca / oculta por livros” 

O investigador teve a intuição que este fragmento indicava a existência física da famosa Biblioteca de Babel. Mais, que ela estaria localizada em Portugal (a designação “terra antiga” e o facto de o pequeno texto estar escrito em português) e que estaria junto de uma biblioteca “normal” que funcionaria como camuflagem.

Tendo convencido um grupo de borgianos bem colocados no mundo da finança da plausibilidade da sua tese, o investigador conseguiu reunir os fundos necessários para iniciar o projecto. Obtido o equipamento apropriado para sondagens não intrusivas do subsolo e reunida uma equipa dedicada, tudo isto feito no maior secretismo, começaram um levantamento sistemático das bibliotecas existentes em Portugal continental.

E uma vez por ano o grupo reúne-se em volta do monumento para cada membro da equipa apresentar o relatório de progresso e ser distribuído o trabalho para o ano seguinte.

Infelizmente, até à data de fecho deste Guia, a demanda da Biblioteca de Babel revelou-se infrutífera.

 João Ventura

In   Guia Turístico - Lisboa Oculta / Edições Imaginauta / Lisboa, 2018

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