Novo post de João Ventura sobre Borges:
No Arco do
Cego, onde durante muitos anos funcionou uma estação da CARRIS, existe agora o
Jardim Jorge Luís Borges que, excepto quando chove, é um local de encontro dos
estudantes do Instituto Superior Técnico. A um canto desse jardim, face à
embaixada da Argentina, pode ver-se um Memorial a Borges, da autoria de
Federico Brook. Inaugurado em 2008, é constituído por um bloco de granito,
encimado por uma “nuvem” de mármore, simbolizando a imaginação. Na parte
superior do bloco existe uma cavidade onde está uma mão, cópia da mão de
Borges, segurando uma pena. De um lado do bloco está gravado o soneto “Los
Borges”, alusivo aos antepassados lusitanos do escritor (“Nada o muy poco sé de
mis mayores / Portugueses, los Borges, vaga gente…”).
Na noite de
23 de Agosto, aniversário do nascimento de Borges, há um grupo que se reúne à
volta do monumento. São doze: sentam-se no chão, formando um círculo com centro
no Memorial, e falam em voz baixa, um de cada vez. Um deles funciona como
secretário e toma notas num pequeno caderno. Depois de todos terem falado, o
secretário diz algo como: “Ainda não foi encontrada. Continuemos a percorrer os
caminhos que se bifurcam.” Todos se levantam e abandonam o local, cada um numa
direcção diferente.
Esta reunião apenas poderá ser observada discretamente à distância
(recomenda-se o uso de binóculos com intensificador de imagem). À vista de um
estranho o grupo ficará em silêncio e, se este se aproximar, o grupo dispersará
rapidamente, presumindo-se que completarão a reunião em local alternativo.
A razão dos
acontecimentos descritos é apenas conhecida em círculos restritos. No ano
seguinte à inauguração do monumento um estudioso de Borges, pesquisando os
escritos inacabados que o escritor deixara na sua casa na Suíça, encontrou uma
folha de papel que tinha simplesmente escrito, em português(!):
O
investigador teve a intuição que este fragmento indicava a existência física da
famosa Biblioteca de Babel. Mais, que ela estaria localizada em Portugal (a
designação “terra antiga” e o facto de o pequeno texto estar escrito em
português) e que estaria junto de uma biblioteca “normal” que funcionaria como
camuflagem.
Tendo
convencido um grupo de borgianos bem colocados no mundo da finança da
plausibilidade da sua tese, o investigador conseguiu reunir os fundos
necessários para iniciar o projecto. Obtido o equipamento apropriado para
sondagens não intrusivas do subsolo e reunida uma equipa dedicada, tudo isto
feito no maior secretismo, começaram um levantamento sistemático das
bibliotecas existentes em Portugal continental.
E uma vez por
ano o grupo reúne-se em volta do monumento para cada membro da equipa
apresentar o relatório de progresso e ser distribuído o trabalho para o ano
seguinte.
Infelizmente, até à data de fecho deste Guia, a demanda da
Biblioteca de Babel revelou-se infrutífera.
In Guia Turístico - Lisboa Oculta /
Edições Imaginauta / Lisboa, 2018
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