quinta-feira, 3 de setembro de 2020

A PACIÊNCIA TAMBÉM SE ESGOTA


(Minha foto com trinta e tal anos de idade)

“Tudo deve ser discutido. Sobre isso não há discussão” (Dino Segrè, escritor e jornalista italiano, 1893-1976).

Em 1948, era eu um jovem de dezassete anos de idade, tempo em que as desavenças entre a rapaziada eram resolvidas ao murro, à chapada e, de quando em vez, com uma cabeçada, existia um indivíduo, considerado o rei da cabeçada de Lisboa, com a alcunha de “Bitas”, de estatura meã e sem físico que impusesse respeito. Hoje terminam essas rixas, por vezes, à facada ou a tiro!

Pretendia eu então inscrever-me na secção de halterofilismo do Ginásio Clube Português, cujo treinador aconselhou o franganote (moi-même): “Vai para casa, come umas sopinhas e depois aparece”! Assim fiz, passado uns tempos, voltei à sua presença que impressionado com a insistência dos meus sessentas e poucos quilos, mais de ossos e menos de músculos, pegou numa barra de ferro com poucas dezenas de quilos passando-ma para as mãos para eu a levantar. Dito e feito! Entusiasmado, pedi uma barra com o meu peso corporal que levantei acima da cabeça.
Espantado, mandou ele chamar os alunos da classe de levantamento de pesos que, simultaneamente, frequentavam, um piso abaixo, uma classe de luta greco-romana, dizendo-lhes: “Este “lingrinhas” levantou o equivalente ao seu peso corporal e vocês espremem-se todos para o conseguir em igualdade de circunstâncias"!

Começava , então, a popularizar-se a prática do culturismo em Portugal, e porque, segundo Roland Barthes, “existe uma erótica do novo, o velho é sempre suspeito”, inscrevi-me no culturismo tendo vir a ser, anos depois, campeão de Moçambique de “bench press” (supino no banco).
A malta dos levantamentos dos pesos e halteres e culturismo era uma espécie de família de farras nocturnas. Uma coisa aprendi com eles: o desforço físico dos fortes sobre os fracos é o argumento dos falhos de razão.
Isto a propósito, da maneira cordata das minhas respostas a comentários menos correctos que me são dirigidos sem comentários agressivos e, muito menos, insultuosos de fazer corar os carroceiros, com que uma comentadora me elogiou tempos atrás. Mas, por vezes, a paciência também se esgota.
Dois exemplo, um antes de 25 de Abril, outro depois desta data:

O primeiro caso, sendo eu na altura alferes miliciano, estando de oficial de dia, dirigi-me com os soldados a marchar, para o refeitório do regimento. A páginas tantas, um soldado reinadio passou uma rasteira ao camarada da frente, tendo-o eu advertido para não o voltar a fazer, mas ele repetiu a gracinha. Mandei-lhe um calduço!
Antes do toque da ordem desse dia, mandei-o chamar à minha presença explicando-lhe a razão para o calduço. Respondeu-me que eu tinha tido razão, mas não estar à espera da minha reacção por eu ser um oficial “porreiro”. Porreiro, mas a paciência também se esgota!
O segundo, durante uma aula no liceu o filho de um senhor muito importante, daqueles que tudo querem, podem e mandam, brincou numa das minha aulas, facto que me levou a dar-lhe uma palmada no ombro numa espécie de vacina para evitar a propagação do vírus da indisciplina! De pronto, ameaçou-me que se iria queixar à Associação de Pais dos Alunos, facto que achei bem por eu estar a pensar em criar uma Associação de Pais de Professores para me queixar, por minha vez, dele. Desta forma gozona tudo acabou ali!
É natural que, aqui chegado, o leitor se interrogue a que propósito vem isto aqui? Repousa no facto de já estar farto de uma telenovela de que são primeiras figuras o PCP, a ministra da Saúde e a directora-geral da Saúde, sendo os cidadãos meros figurantes sobre a realização da Festa do Avante que tempos houve não ter recolhido unanimidade por parte do próprio PCP. Estamos a três dias da Festa do Avante. Pondo o carro à frente dos bois os bilhetes vendidos para ela excedem o número definitivo de participantes e o Zé Povinho não tem direito a ser informado do que se vai passar. Apenas breves zunzuns de mentideiros.
Entrementes, a ministra e a directora-geral da Saúde continuam de pedra e cal, verdade seja dita, a ministra com ar abatido nas entrevistas televisivas que dá e a directora-geral tendo tomado medidas para melhorar a sua imagem televisiva com corte de cabelo moderno, écharpes ao pescoço de cores garridas nada condizentes com a negrura do tempo que atravessamos de um aumento de mortes pelo coronavírus que me levam a não ter o optimismo da canção de Edith Piaff, “La vien en rose”. Ou seja, “la vie en noir”, se não houver o milagre de um pulso de ferro, de coerência, de coragem e, principalmente, de honestidade para tomar medidas efectivas de segurança contra o coronavírus evocando e acusando Donald Trump e Jair Bolsonaro de incapacidade para resolver este imbróglio que se está a passar nos seus países e quase reduzindo ao segredo dos deuses o sucesso estrondoso de Ângela Merkel neste “status quo”!
A Alemanha serviu, tempos atrás, de prato forte à esquerda e extrema-esquerda portuguesas para atacar o nazismo e defender o estalinismo. E neste verdadeiro “tour de force”, em que se transformou a Festa do Avante, o prato da balança pende decididamente para o lado do PCP, assumindo o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, um papel neutral, quiçá, porque, como escreveu Hannah Arendt, “vivemos tempos sombrios, onde as piores pessoas perderam o medo e as melhores a esperança”!
P.S,: Acabo de tomar conhecimento de que foi rejeitada a Providência cautelar contra a Festa do Avante restando, portanto, que sejam cumpridas à risca as condições tidas por convenientes para salvaguarda de preciosas vidas humanas.

4 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Os que detêm a força ou o poder, nem sempre são os indivíduos mais fortes e isto tem vantagens numas situações e desvantagens noutras, dependendo de que lado está a força e o poder. De qualquer modo, é fundamental que a sociedade defina claramente, e esteja em condições de garantir, quem e como pode usar a força e o poder, caso contrário, instala-se a anarquia e a rebelião ou, até, a guerra civil, porque os grupos não tardam em reforçar-se uns contra os outros, recorrendo a todo o tipo de bandeiras e gritos, urros (hinos tribais). Do ponto de vista individual é importante e sempre vantajoso ter uma noção realista da força e do poder que se tem porque, em inúmeras situações da vida, isso pode ajudar a decidir o que fazer. Se alguém souber que um indivíduo está ligado/protegido por um grupo que é capaz de tudo, esse indivíduo assusta qualquer um só com a sua presença e só um louco é que se mete com ele. Mas ele pode meter-se com todos, ainda que não possa com uma gata pelo rabo. No fundo, gerir os medos é mais importante do que gerir a força ou o poder. Mas esta gestão pode ser uma corrida para o precipício, porque pode estar a ser gerida pelos adversários. Saber usar a força do adversário contra ele próprio é uma maneira de dizer que ser forte pode ser um ponto fraco. Porém, ser fraco jamais será um ponto forte. Quem abusa da paciência dos fortes, quando chega o momento de ter de suportar as consequências, também tem de ter paciência.

Maria Bulhão disse...

Eu gosto de batatada. Não fisicamente que isso pode estragar-me a beleza, mas mentalmente. Por mim, andava sempre à bulha. Quando me reformar vou para ativista defender os animais, a natureza, os velhos, as crianças, os pobres e os maltratados. Com mais tempo livre dá para chatear mais gente. Vou andar sempre com arma, armadura e máscara. Vai ser um tempo bem passado. Estou cheia de saudades do futuro.
E irei a todas as festas do Avante. Vou filiar-me na extrema esquerda - uma nazi a fazer o pino.

Rui Baptista disse...

A experiência desse tempo, ensinou-me que os mais pacientes eram os mais fortes e os que ferviam em pouca água os fracotes com as costas quentes da tribo. Claro que é sempre perigoso generalizar. Obrigado pelo comentário. Um bom resto de fim-de-semana.

Rui Baptista disse...

Assiste-lhe o direito de ir à festa do Avante, com a mim me assiste direito de não ir! Este o conceito de liberdade que defendo!

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