quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Os vírus, a ciência e o futuro


 Início do meu capítulo do livro "Pensar o futuro. Portugal e o mundo depois da COVID-19" (Porto Editora", uma recolha de contributos sobre o mundo pós-pandemia:

A pandemia causada pelo alastramento do novo coronavírus SARS-CoV-2 é apenas uma das muitas que têm acontecido ao longo da história. Houve outras e haverá mais, porque os microorganismos que as causam – vírus ou bactérias – fazem parte do património de biodiversidade do planeta. Partilhamos o planeta com eles e, no longo percurso evolucionário, houve entre todos cruzamentos e interferências. Numerosas bactérias e vírus habitam o interior do nosso corpo, em convivência pacífica. Mas, se mutações genéticas originarem novas estirpes, o nosso sistema imunitário não está, pelo menos de início, preparado para lidar com o novo intruso. Temos aprendido com as pandemias, muito em particular após a Revolução Científica dos séculos xvi e xvii, que instituiu o método científico. As medidas que estamos agora a tomar para nossa protecção colectiva provêm do conhecimento proporcionado pela aplicação do referido método.

Sabemos também que, por mais danos que possam causar na humanidade, todas as epidemias são temporárias. Ganhamos imunidade, naturalmente ou com a ajuda de vacinas. Passada esta epidemia, de duração incerta, saberemos ainda mais. A ciência é acumulação: de dados e de teorias que os integram. Uma previsão segura que podemos fazer é que a ciência estará mais avançada. A história da ciência mostra que sempre assim foi e é lícito esperar que assim continue a ser.

Mas ciências como a biologia e a medicina são apenas algumas das componentes do conhecimento humano. Todas as pandemias têm consequências sociais, que as ciências sociais estudam: nos comportamentos, no trabalho, na economia, na política, na geoestratégia, etc. É muito difícil fazer previsões para a sociedade em geral. Houve epidemias no passado, mas o mundo de hoje é bastante diferente. Como as circunstâncias são outras, os problemas são outros e as soluções terão, pelo menos nos seus pormenores, de ser outras. As pandemias passadas tiveram consequências de vária ordem e podemos, com base no seu conhecimento, tentar adivinhar as consequências desta. A questão é complexa, mas há quem fale na contribuição da peste negra que grassou na Idade Média para o fim do feudalismo, ou no papel da gripe espanhola, que coincidiu com o final da Primeira Guerra Mundial, para a economia dos anos 20. Há quem defenda que as epidemias, tal como as guerras, as revoluções e os colapsos governamentais, são aplanadoras de desigualdades. Contudo, a actual está a mostrar o contrário, ao agravar as desigualdades.

Proponho-me, com base na história das epidemias e numa descrição sumária da actual, apresentar uma perspectiva do papel da ciência no mundo pós-pandémico. Vai ter talvez um papel ainda maior do que o de hoje, que já é grande. Mas a ciência, que produz tecnologia, é apenas um dos factores da evolução da sociedade. Se na ciência o progresso é certo, a incerteza reina quanto aos outros factores, que dependem do livre-arbítrio humano. Como disse o físico dinamarquês Niels Bohr: «É muito difícil fazer previsões. Especialmente sobre o futuro.»

(...) (as receitas do livro revertem a favor de uma instituição de ajuda aos sem-abrigo)

 

2 comentários:

jotabe disse...

Jorge Rocha Barreira
O livro já está à venda? Se estiver está-o em qualquer livraria?
Qual o preço do livro?
Obrigado.

Carlos Fiolhais disse...

Está nas livrarias, em particular na Bertrand. A ficha bibliográfica do livro está em:
https://www.wook.pt/livro/pensar-o-futuro-alexandre-quintanilha/24177984

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