sexta-feira, 25 de setembro de 2020

GEOLOGIA E SOCIEDADE (1)

A importância da Geologia 

“Não é puxar a brasa à minha sardinha”, como soe dizer-se, mas a verdade é que a importância da Geologia na sociedade coloca-a na primeira linha em termos das respostas que dá às solicitações inerentes ao desenvolvimento sustentado. 

Se não, vejamos:
1) Entre os recursos geológicos (georrecursos) com interesse económico, exploramos: matérias-primas metálicas, como são, entre outros, os minérios de ferro, cobre, estanho, ouro, prata e zinco, e não metálicas, entre as quais areias, argilas, gesso, sal-gema, sais de potássio, nitratos e boratos; pedras ornamentais (mármores, granitos), preciosas e industriais; combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás natural, betumes); combustíveis nucleares (minerais de urânio); recursos geotérmicos; e águas subterrâneas. 
2) A Geologia sabe que, ao contrário dos recursos vivos, com ciclos de renovabilidade muito curtos, à escala temporal da vida humana, os recursos geológicos necessitam de muito tempo, na ordem das dezenas ou centenas de milhões de anos, para se renovarem e reincorporarem na crosta. Imagine-se, a título de exemplo, o grande número de navios afundados no Pacífico durante a 2ª Guerra Mundial. Aí, a par do substrato basáltico do fundo e dos sedimentos que o cobrem, jazem milhares de toneladas de ferro usado na construção desses vasos de guerra. Cita-se o ferro por ser, sem dúvida, o elemento mais representativo neste tipo de equipamentos bélicos. Mas há outros como cobre, chumbo, alumínio, titânio, volfrâmio (tungsténio), etc., etc. Acompanhando a dinâmica da litosfera, estas massas metálicas, daqui a muitos milhões de anos, acabarão por mergulhar em zonas de subducção, onde atingirão profundidades que determinam a sua transformação e incorporação, sob a forma de novos minerais, nas rochas aí em formação. Na continuação deste processo geotectónico, assim imaginado, e passados mais uns tantos milhões de anos, essas rochas elevar-se-ão, dando nascimento a uma cadeia montanhosa e, só muitos milhões de anos mais tarde, a erosão porá a descoberto, entre outros, os minerais formados com o ferro e os outros metais consumidos na construção dessas máquinas de guerra flutuantes, criadas pelo “Homo sapiens”. 
 
3) A Geologia sabe e de há muito que alerta, que, do ponto de vista da sociedade, os recursos geológicos são considerados recursos naturais não renováveis, que acabarão por se esgotar, mais tarde ou mais cedo, ainda no horizonte da sociedade humana, uma realidade de que andamos esquecidos, a par de outras como a poluição do ar e da água, o aquecimento global e a destruição da camada de ozono. Exceptuam-se desta condição as águas subterrâneas, cujos aquíferos são renováveis à nossa escala temporal, se não forem destruídos por má exploração, e a energia geotérmica cuja duração, como fenómeno geológico, é muitíssimo superior ao nosso horizonte de vida como espécie ou como sociedade. 
4) Quase tudo o que nos rodeia e de que constantemente nos servimos, ou com o qual nos articulamos diariamente, resultou das conquistas da Ciência e da Tecnologia e, nestes domínios, a Geologia teve e continua a ter papel importante, muitas vezes subavaliado ou esquecido. Os alimentos, os medicamentos, os transportes e comunicações, os equipamentos mais variados (da indústria, da saúde, da cultura, do lazer) radicam, em boa parte, nestas conquistas do génio humano, e nestas conquistas são fundamentais as conseguidas nos domínios da Geologia. Em suma, a Geologia e as tecnologias com ela relacionadas são alguns dos pilares sobre os quais assentam as sociedades humanas, o progresso social e o bem-estar da humanidade. 
Mas há mais: 
1) A Geologia dá apoio à Engenharia, na caracterização dos terrenos, com vista à implantação de barragens, pontes, rodovias e ferrovias, centrais nucleares, grandes edifícios, portos e estruturas de protecção do litoral. 
2) A Geologia tem, ainda, um papel fundamental na identificação, previsão e prevenção de riscos naturais, com destaque para a actividade vulcânica, a ocorrência de sismos (pela caracterização da sismicidade de uma dada região), as cheias e os problemas de erosão litoral ou em terra (deslizamentos em vertentes), etc. 
3) Problemas da sociedade do desenvolvimento, como são a poluição do ar e das águas e os efeitos decorrentes das escombreiras de minas abandonadas, deram lugar a uma nova disciplina em franco progresso, designada Geologia do Ambiente. 
4) É ainda a Geologia que sustenta uma nova maneira de encarar as rochas e algumas das suas ocorrências como georrecursos culturais, também eles, não renováveis. Elas são, com efeito, documentos naturais da História da Terra, da Vida e do Homem. Alguns destes documentos, reconhecidos aqui e ali (geossítios), têm grandiosidade e, até, monumentalidade, que lhes confere a designação de geomonumentos, uns à escala do afloramento, no geral métrica a decamétrica, outros à escala do sítio, com extensão hectométrica, e, outros, ainda, à escala da paisagem, ocupando áreas quilométricas. 

Conclusão

Como tenho afirmado em diversas ocasiões, é fundamental intensificar o ensino da geologia nas nossas escolas. Intensificar, porque é necessário e urgente pôr termo à secundarização desta disciplina nos curricula escolares. Uma tal intensificação inclui regionalizar, expressão que encontrei para dizer que as escolas, para além de um programa de base, elaborado por quem o saiba fazer, deverão insistir nos temas geológicos mais marcantes nas regiões onde se inserem. Por exemplo, que os estudantes dos Açores deem especial atenção à sismologia, ao vulcanismo e à geomorfologia associada, que os setubalenses estudem a estratigrafia e a tectónica da Serra da Arrábida, que os da grande Lisboa conheçam a Serra de Sintra, essa pérola da petrografia nacional, que os do grande Porto se detenham a observar e a compreender o Complexo Metamórfico da Foz do Douro e que os alentejanos saibam o porquê e conheçam o valor da faixa piritosa, etc., etc.

Há, em cada região do país, temas de interesse, observáveis pelos seus estudantes, temas que lhe darão uma visão concreta e prática da disciplina. E, a partir daí, ganho o interesse pela disciplina, tudo será mais fácil. Não se aceita que o estudante açoriano ou madeirense dê ao vulcanismo o mesmo desenvolvimento (praticamente, nenhum) que um transmontano ou um algarvio, assim como não se aceita que um aluno da Covilhã dê à geomorfologia glaciária da Serra da Estrela, o mesmo desenvolvimento que é dado nas escolas da Madeira ou do Alentejo.

A. Galopim de Carvalho

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