Uma responsável da "avaliação" ESF-FCT reconheceu claramente os erros de todo o processo, que agora terá necessariamente de ser revisto pelo novo governo (o anterior foi, em matéria de ciência e tecnologia, um desastre monumental pois nem agora, consciente das más práticas, corrige). Não há hoje qualquer dúvida que a "avaliação" da ESF-FCT foi uma fraude. Leia-se o artigo de hoje no Público de um grupo de investigadores:
"A FCT, a avaliação, a avaliadora
e os avaliados
Já muito se falou sobre os últimos
anos de atuação da FCT e das
políticas deste Governo em I&D:
por um lado, assumindo sem
pudor draconianas medidas
de austeridade, com cortes
discricionários que quase
destruíram o sistema científico
nacional, particularmente
nas ciências sociais; por outro
lado, tentando dourar essas decisões com
um mantra ideológico assente na aura
da procura da “excelência”, espécie de
quinta essência do discurso meritocrático,
que esquece como são importantes
comunidades científi cas sólidas, maduras,
bem apetrechadas e com forte ambiente de
aprendizagem coletiva.
Uma recente comunicação apresentada
no Instituto Superior de Economia e Gestão
pela responsável pelo painel de avaliação
das ciências sociais, a britânica Rosemary
Deem [1], põe a nu as inúmeras falhas de
todo o processo, mas revela também como
os avaliadores (supostamente também
cientistas) desenvolvem impressões e
preconceitos.
Vamos à primeira parte. Num exercício
de comparação entre os processos de
avaliação das unidades de I&D levados
a cabo no Reino Unido e em Portugal, a
avaliadora aponta problemas graves de
conceção e de execução no nosso país:
— a maior parte dos avaliadores fez o seu
trabalho à distância, sem contacto entre si
(apenas estiveram juntos duas vezes por um
período de 48 horas);
— não existiu formação suficiente sobre
a sociedade portuguesa, o contexto de
recessão e de cortes nos serviços públicos,
nem tampouco sobre a configuração e
história do sistema científico português;
— as visitas às unidades duravam três
escassas horas, impedindo um contacto
aprofundado com as realidades sob
apreciação;
— as avaliações e os resultados da
primeira etapa de avaliação estavam já
previamente definidos, uma vez que a
Fundação Europeia da Ciência fi rmou
um contrato com a FCT que estipulava,
à partida, que 50% dos centros de
investigação não seriam financiados;
— o staff da FCT era reduzido, sofrendo
com os cortes em recursos humanos
qualificados e revelando grandes
dificuldades no acompanhamento técnico e
logístico do processo;
— os painéis (apenas sete!) não sabiam
como trabalhar com as especificidades
disciplinares e a vastidão de áreas do
conhecimento (basta ver que existia apenas
um painel para todas as ciências sociais);
— durante a avaliação, multiplicaram-se
as incongruências entre as orientações do
ex-presidente da
FCT Manuel Seabra
e o staff técnico,
gerando confusão
entre os avaliadores;
— o regulamento
permitia grande
variação de
financiamento
entre unidades
com a mesma
classificação, uma
vez que a FCT não
estabeleceu valores
máximos para cada
item de avaliação;
— a falta de
coordenação e
de “calibração”
entre os sete
gigantescos painéis
levou, segundo a
avaliadora, a que
não houvesse um
único centro em ciências sociais classifi cado
como excecional;
— as regras de financiamento nunca
foram devidamente explicadas, nem
aos avaliadores, nem aos centros, o que
originou falta de transparência no processo;
— os próprios avaliadores foram erroneamente informados pelo primeiroministro,
que, numa conferência europeia
sobre o Futuro da Ciência, considerou
que as anteriores avaliações tinham sido
parciais e subjetivas.
Percebe-se bem o caldo de erros
subjacente a todo este processo que, pura
e simplesmente, deveria ter sido anulado,
houvesse um mínimo sentido ofi cial de
justiça e responsabilidade.
No entanto, a comunicação da avaliadora
revela ainda outras preocupantes questões,
nomeadamente uma questão ética
fundamental: dado este rol de constatações,
não se compreende que tenha aceitado
manter-se como avaliadora e coordenadora
de painel, tanto mais que tudo se
desenrolou sob a égide da desprestigiada
Fundação Europeia para a Ciência. Mas,
pior ainda, exala uma certa irritação
com o sistema democrático português
(que permite contestações jurídicas a
procedimentos incorretos e injustos...),
a imprensa e os seus profissionais (em
particular com o jornal PÚBLICO) e insinua
que os avaliadores ficaram negativamente
impressionados com a forte reação da
comunidade científica face aos resultados
da avaliação.
Perante os clamorosos erros apontados
pela própria avaliadora (e que constituem
Debate Investigação científica
uma espécie de manual do que nunca se
deve fazer num processo de avaliação),
surgem até como moderados e sensatos os
ecos da contestação.
Avaliar é conhecer para retificar
e melhorar, não para punir e cortar
cegamente. O sistema científico
português merece outro rigor, o que
significa também, melhores avaliadores.
A credibilidade das instituições passa
forçosamente pela credibilidade das suas
acções. Face ao conteúdo da comunicação
apresentada pela avaliadora supracitada,
a um governo e a uma instituição sérios,
não restaria outra coisa que não fosse pedir
desculpa e anular todo o processo.
[1] Rosemary Deem, “Recent research evaluations
in the UK and Portugal: methodologies,
processes, controversies, responses and
consequences”. Comunicação apresentada na
CHER annual conference, ISEG, Universidade de
Lisboa, 7-9 de Setembro de 2015.
Pedro Abrantes, Maria José Casa-Nova,
Fernando Diogo, Carlos Estêvão, Rafaela
Ganga, João Teixeira Lopes, Benedita
Portugal, Sofia Marques da Silva
Membros do Núcleo do Manifesto para Um
Mundo Melhor (Mannifesto Internacional de
Cientistas Sociais)"
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