quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Iluminados - Ano Internacional da Luz na Visão

Cinco textos, de cinco autores, acerca de cinco personalidades históricas e do seu contributo para o conhecimento da luz e para as nossas vidas, publicados na revista Visão desta semana:

ARCO ÍRIS CASEIRO 



Há cerca de 350 anos o inglês Isaac Newton, recém-formado em Cambridge, fez uma das mais famosas e belas experiências de toda a ciência. O melhor é dar-lhe a palavra:

“No início de 1666 (quando me dedicava a polir vidros de formas diferentes da esférica), arranjei um prisma triangular para obter com ele os célebres fenómenos das cores: com este fito escureci o meu quarto e fiz um pequeno buraco na janela, para deixar entrar uma quantidade conveniente de luz solar, coloquei o meu prisma de modo a que a luz refractasse para a parede oposta. De início, foi um divertimento muito agradável ver as cores vivas e intensas assim produzidas; mas depois de as considerar mais seriamente, fiquei surpreso…”

Newton não foi o primeiro a fazer o arco-íris caseiro, mas foi o primeiro a percebê-lo: a luz, segundo ele, era formada por corpúsculos de várias cores em movimento rectilíneo e os raios violetas, por serem mais lentos, eram mais desviados do que os  vermelhos. As cores do arco íris estavam todas na luz branca do Sol, limitando-se o prisma a separá-las.

O que mais me espanta neste discurso directo é o confesso divertimento de um cientista muito circunspecto. Isto é “ciência viva” antes dessa expressão ter surgido em Portugal. Aquele que foi talvez o maior cientista de sempre mostra-nos que, antes da ciência a sério, há lugar para a ciência a brincar.

É fácil imitar Newton, caro leitor: celebre o Ano Internacional da Luz com um arco-íris em sua casa!

Carlos Fiolhais (físico)


O HOMEM DOS "RAIOS NOBEL"


No dia de 8 de Novembro de 1895, o alemão Wilhelm Röntgen ficou a trabalhar até tarde no Instituto de Física da Universidade de Würzburg. Andava à caça dos misteriosos raios catódicos, emitidos quando uma corrente eléctrica passa através de um tubo de vácuo (sabemos hoje que são feixes de electrões). Com o laboratório às escuras viu um brilho verde na placa fluorescente que tinha colocado em frente ao tubo, no local atingido pelos raios. Mas Röntgen notou ainda um outro ponto de luz, inesperado e vários metros afastado, num cartão pintado com tinta fluorescente. Sabia que os raios catódicos nunca poderiam viajar tão longe. Tinha que ser um outro tipo de radiação. Colocou uma carta de jogar no caminho desta estranha radiação e descobriu que esta a passava com facilidade. O mesmo acontecia com um baralho inteiro. Uma placa de chumbo conseguia parar a radiação, mas o mais extraordinário foi ver no ecrã fluorescente os contornos e ossos dos seus dedos que seguravam a placa. Nos dias seguintes obteve várias outras imagens, designadamente dos ossos da mão e anéis da sua mulher, para consternação da própria. Ganhou o primeiro Nobel da Física em 1901 pela descoberta dos raios X, que permitiram depois muitas outras descobertas, como a estrutura do ADN, com a sua famosa dupla hélice, ou do ribossoma, a fábrica de proteínas da célula. Até hoje deram 28 Nobel da física, química e medicina. Em Outubro, haverá mais?

David Marçal (bioquímico)

PERCEBER A LUZ DA VIDA


Quando pensamos na importância da luz para a Biologia, de entre os inúmeros processos biológicos relacionados com a luz, destaca-se o processo que alimenta a Biosfera, a fotossíntese. Nas plantas, algas e algumas bactérias, os cloroplastos capturam a energia da luz que viajou 150 milhões de quilómetros do Sol até à Terra e convertem-na em energia química, que é armazenada sob a forma de açúcar e outras moléculas orgânicas, que são depois utilizadas como nutrientes pelos organismos como nós, incapazes de realizar fotossíntese. Este processo é hoje relativamente bem conhecido, mas continua a ser alvo de enorme investigação.
Foi o botânico alemão Theodor Engelmann que em 1882 descobriu, através de um conjunto de experiências muito elegantes, que a fotossíntese ocorre nos cloroplastos (o organito celular onde se acumula o pigmento verde, a clorofila). Usou um prisma ótico para separar a luz em cores e identificar as mais eficazes para o processo fotossintético. Sabemos hoje que a eficácia da fotossíntese é afetada pela qualidade, intensidade e duração da luz.
A vida é ”powered by” luz, através da fotossíntese, um processo que nem sequer é muito eficiente do ponto de vista energético, mas que suporta a vida na Terra. Recentemente tem sido proposto modificar esta via em plantas de interesse agronómico, tornando-as mais eficientes e consequentemente mais produtivas. Será esse o caminho? Poderá certamente vir a ser um dos caminhos.

José Matos (biólogo)

GALILEU E A LUZ


É provável que o “diálogo” entre Salviati, Sagredo e Simplício sobre a hipótese da luz se propagar instantaneamente ou demorar a chegar de um ponto a outro não tenha passado de uma experiência concetual. Galileu retomou a questão abordada pelos filósofos gregos séculos antes, e propôs uma experiência que acabaria por conduzir a consequência científica notável. É agora evidente que não poderia resultar, dado que o tempo gasto pela luz no percurso entre as duas montanhas seria largamente confundido com o tempo de reacção dos operadores das lanternas e a distância entre eles era demasiado pequena.
Em 1609 Galileu observou quatro luas em volta de Júpiter, descoberta que permitiu a Olaus Roemer em 1676 estimar pela primeira vez a velocidade da luz. Roemer tomou Júpiter como uma das “montanhas” da experiência de Galileu, afastada da outra – a Terra – mais de quinhentos milhões de quilómetros. Registou os momentos dos eclipses de um dos satélites galileanos (Io) e verificou que a entrada e saída na sombra do planeta ocorria em intervalos de tempo que diferiam (mais de dezasseis minutos) consoante a posição relativa a Júpiter. Interpretou tal diferença como o tempo gasto pela luz para percorrer a distância equivalente ao diâmetro da órbita da Terra.
Galileu havia incentivado a natural curiosidade da comunidade científica e ofereceu a Roemer o caminho que levaria à determinação da “constante” e “universal” velocidade da luz.

Máximo Ferreira (astrónomo)

VIRAR A FÍSICA DO AVESSO


Einstein virou a Física do avesso: matéria e energia passaram a ser uma; o espaço e o tempo deixaram de ser separados; a massa encurva o espaço-tempo; e foram revelados mistérios da luz. Usou matemática, mas combinou-a com “experiências de pensamento”, misturas de lógica, intuição e visão unificadora que substituíam o trabalho de laboratório de que, parece, não gostava.
Inventou uma nova forma de fazer física, sem paralelo desde a revolução de Galileu. Na época de Einstein, só as “experiências de pensamento” podiam mostrar que os relógios andam mais devagar para quem corre muito, e que uma bola de futebol em voo pode ser vista como achatada tal como uma bola de raguebi. E isto não são contos infantis, é o nosso mundo. 
A revolução de Einstein foi também sociológica. A ciência deixou de ser vista apenas como útil. Tal como a arte, cativa o sonho, cria emoção, alimenta o mistério. As estrelas, grandes reactores de conversão de massa em energia, são a nossa origem e destino. Os buracos negros, no centro das galáxias, são os maiores devoradores de massa e luz do universo.
A revolução foi também tecnológica. E ainda não acabou. Einstein deu-nos o laser. Serve para comunicações, oftalmologia, indústria, impressoras. Deu-nos células fotoeléctricas, usadas por exemplo nas portas dos elevadores. E até um exame médico (PET) que consiste na aniquilação matéria-anti-matéria: a fórmula E=mc2 em acção. A Física ficou do avesso e a nossa vida também.
Teresa Peña (física)

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