O poema "Morte ao Meio Dia" de Ruy Belo (na foto) onde surge o verso "O meu país é o que o mar não quer", foi primeiro publicado no livro "Boa Bilingue" (1966) e depois republicado no livro País Possível (1973). O autor escreveu na nota introdutória, em Madrid:
"Este livro, que aparentemente podia não passar de uma antologia, uma vez que o integram um poema
inédito e poemas extraídos dos meus últimos livros publicados, tem realmente uma unidade e é afinal um
livro novo."
Antecedeu essa nota com uma citação de James Joyce que refere explicitamente a emigração:
"Eu amo o meu país, pelos arenques juro que o amo
Gostaria que vísseis quantas lágrimas a fio
derramo ao ver cheio de emigrantes um comboio ou um navio"
Eis o poema de Ruy Belo, acima dito por Mário Viegas
"Morte Ao Meio-Dia
No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça
Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul
Que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol
No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente
E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol
Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?
Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento
O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia
A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer"
in *Boca Bilingue"1966)
Em "País Possível" (1973) foi acrescentada uma sexta estrofe:
"O português paga calado cada prestação
Para banhos de sol nem casa se precisa
E cai-nos sobre os ombros quer a arma quer a sisa
e o colégio do ódio é a patriótica organização"
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça
Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul
Que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol
No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente
E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol
Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?
Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento
O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia
A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer"
in *Boca Bilingue"1966)
Em "País Possível" (1973) foi acrescentada uma sexta estrofe:
"O português paga calado cada prestação
Para banhos de sol nem casa se precisa
E cai-nos sobre os ombros quer a arma quer a sisa
e o colégio do ódio é a patriótica organização"
1 comentário:
Ontem desisti de ser hoje.
Passei pela tela branca como um risco. Ontem.
O tempo manteve-se morto todo o dia.
Não tive nenhum irmão,
Não fiz nenhum filho,
Não escrevi nenhum livro,
Quase não amei ninguém.
Ontem, nunca estive. Apenas um aparente movimento de mim numa incomportável saudade de antes do risco.
Ontem é eterno.
F.
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