terça-feira, 15 de setembro de 2015

A DEPLORÁVEL AVALIAÇÃO DA FILOSOFIA FEITA PELA FCT

Carta aberta à FCT em português e inglês do investigador em Filosofia Manuel Garcia-Carpintero:

Sou Professor Catedrático na Universidade de Barcelona, e Catedrático Convidado desde 2012 na Universidade de Lisboa. Seguindo a sugestão de colegas da UL, submeti recentemente um projecto à FCT. Este projecto foi rejeitado com a pior e mais vergonhosa avaliação que recebi na minha vida académica. Sinto-me insultado, mas, pior, tenho pena dos meus colegas portugueses. Compreendo porque apesar da competência e qualificações que têm, lhes tem sido tão difícil progredir como conseguimos fazer em Barcelona nos últimos anos.

Vou pôr a modéstia de parte. Sou um filósofo reconhecido internacionalmente. Convidam-me regularmente para conferências, sou membro da Academia Europea, sou avaliador em várias agências europeias, e pertenço a um dos painéis do European Research Council (ERC). Publiquei e publico regularmente nos 10 melhores periódicos de filosofia, e na Oxford University Press, a editorial mais prestigiosa para a filosofia. Liderei único grupo de filosofia (e dos poucos das humanidades) a conseguir um projecto CONSOLIDER-INGENIO em Espanha. 
Também liderei a primeira rede europeia de filosofia a ser premiada com uma rede internacional Marie Curie (ITN) financiada pela Comissão Europeia, com universidades em 6 países diferentes (Reino Unido, Suíça, Hungria, Suécia, França e Espanha). Principalmente, criei em meados dos anos 90 o grupo de filosofia LOGOS, baseado na Universidade de Barcelona, que contribuiu a que a Universidade de Barcelona esteja entre as 50 melhores do mundo na área da filosofia (de acordo com o ranking QS University Rankings 2015 - Philosophy), e que Espanha esteja em 9º lugar no ranking de países em filosofia.

O projecto que preparei para a FCT é sobre a primeira pessoa. Tenho estado a trabalhar neste tema, e já posso oferecer significados relevantes da investigação que pretendo levar a cabo com a equipa do projecto. Editei um livro sobre o tema com contribuições dos investigadores mais relevantes, About Ourselves, que será publicado em Janeiro de 2016 na Oxford University Press, incluindo um artigo meu. A revista Synthese (entre as melhores de filosofia) acaba de publicar outro artigo meu sobre a primeira-pessoa. O "Oxford Handbooks Online" publicará em breve um texto meu sobre o tema.

Com base nestes dados, e do projecto ele mesmo, qualquer avaliador com conhecimento de causa teria dito que o projecto submetido produziria resultados semelhantes: conferências internacionais influentes, talvez algum livro, vários artigos nas melhores revistas, actividades de divulgação, etc. Motivos suficientes, na minha experiência, para financiar o projecto, ou pelo menos para o incluir entre a lista dos pré-seleccionados, se os fundos disponíveis só permitirem financiar alguns projectos (teríamos de ver como se compararão os projectos financiados com respeito aos resultados expectáveis, como as publicações.)

Em vez disso, o projecto foi avaliado com um 5, a nota mais baixa entre as avaliações a que tive acesso. A única razão para esta nota (a única crítica que pude vislumbrar) é que “o estado da arte identifica o problema apenas a partir de Frege. Isto é insuficiente. O problema com referência à primeira pessoa é discutido em filosofia de Descartes a Derrida com Kant, Hegel, Kierkegaard, Nietzsche, Husserl, Heidegger e Merlau-Ponty como as suas estações principais.”

Isto é simplesmente estúpido. É tão estúpido como recusar financiar um projecto em física ou economia porque não se relaciona com o trabalho de Aristóteles, Newton, Adam Smith ou Ricardo. A filosofia não difere da física ou da economia, pelo menos o tipo de filosofia que eu, e que os investigadores em Oxford, Cambridge, Stanford, Harvard, Berkeley, etc., fazemos não é diferente. Identificamos um problema na fronteira da investigação, formulamos uma hipótese original e a metodologia adequada para lidar com ela. Não precisamos de percorrer toda a história da filosofia. Naturalmente, existem filósofos com opiniões diferentes sobre como fazer filosofia. Não tenho nenhum problema com isso, ou com o financiamento dos seus projectos. Mas não nos podem impor a sua opinião – principalmente quando essa opinião não representa os departamentos de filosofia das melhores universidades do mundo. Isso não seria estúpido, seria incúria interesseira.

Seja qual for a razão que levou a esta avaliação, a estupidez ou a incúria, penso que a FCT deveria fazer algo sobre o assunto. E farei tudo o que estiver ao meu alcance para que os meus colegas em posições académicas influentes saibam o que os filósofos contemporâneos podem esperar da FCT.

Cumprimentos,

Manuel Garcia-Carpintero


English version:


I am a Professor at the University of Barcelona. Since 2012, I am also an invited Professor (Catedrático convidado) at the University of Lisbon. Following suggestions by my colleagues at the group LANCOG (http://www.lancog.com/), to which I belong, I recently submitted a project for funding to FCT. The project has been rejected, with the worst and most shameful evaluation I have received in my whole academic life. I feel insulted, but mostly I feel very sorry for my Portuguese colleagues. Now I understand why, in spite of their amazing competence and qualifications, it has been so difficult for them to achieve what we have here in Barcelona. With a research council that uses evaluators of this kind, our group LOGOS would certainly not exist now.

I will put modesty aside. I am an internationally respected philosopher, I am regularly invited to give keynote addresses to the best conferences in our field. I am a member of Academia Europaea (http://www.ae-info.org/). I am asked to do peer reviewing for many international research councils, for tenure promotions at the most prestigious US universities, to be at committees for PhD dissertations in the UK and in many other European countries. Currently I am a member of one of the panels that evaluates the Advanced Grants of the ERC. I have published, and regularly publish articles in the top 10 journals in the field, with rates of acceptance below 5%. I have a forthcoming book with Oxford University Press, and I have edited five other books for OUP, the most prestigious in contemporary philosophy, in addition to several others. I was the PI of the only philosophy group (and one of the only three in the humanities) to obtain a prestigious CONSOLIDER-INGENIO project, 2.000.000€, from the Spanish research council. I was the PI of the coordinating university of the first philosophy team to be awarded a Marie Curie International Training Network, 1.500.000€, leading seven universities, in the UK, Switzerland, Hungary, Sweden, France and Spain. Most of all, I created in the mid-90s the group LOGOS (http://www.ub.edu/grc_logos/) at the University of Barcelona, which has attracted many international researchers and trained first-class philosophers, employed by different international universities, and which is mainly responsible for the Philosophy Department of the University of Barcelona being one of the very few Spanish universities among the 50 best departments in the world in international rankings in their fields (the QS University Rankings by subject for 2015 - Philosophy)

The project I submitted to FCT was about the first person. I have recently been working on that topic, and, as I indicated in the submission, I can already mention significant results related to what I said I wanted to investigate with my team for that project. Thus, a book I edit on the topic, with contributions from the most important researchers working on it, and resulting from a conference I organized in 2012, "About Ourselves", will come out in January 2016, published by OUP, with a paper by me. Another paper I have written on the topic has just come out in Synthese, one of the top 10 journals in philosophy. I have written an introduction to the issue for the influential "Oxford Handbooks Online", which will come out in a few weeks.

On the basis of all of this, plus the project itself, any knowledgeable peer would have said that something similar to this could be expected from the project we submitted: namely, influential international workshops/seminars, from which some published collections could be expected, perhaps some book, plus articles in top journals and outreach activities. I.e., something quite enough, in my experience, to award it; or at least for it to make it to the final shortlist, if funds were very scarce and only a few projects were awarded. (But we should need to see how the awarded projects in the field compare on the scores I have mentioned, in particular from how many of them one could expect publications in OUP or articles in the top 10 philosophy journals.)

Instead of this, the project was marked with a 5, the smallest of those whose evaluations I have seen (also submitted by LANCOG, and also in the end rejected with inadmissible reasons, even if not as outrageous). The only reason why it received this mark (the only criticism one could find in the review) was that "The state of the art traces this problem back at most to Frege. This is insufficient. The problem with reference to a first person starting point in philosophy has been discussed from Descartes to Derrida with Kant, Hegel, Kierkegaard, Nietzsche, Husserl, Heidegger and Merleau-Ponty as its main stations." This is simply stupid. It is as stupid as if a project in physics or economics were not granted because it does not properly relate to the work of Aristotle, Newton, Adam Smith or Ricardo. Philosophy is not different from physics or economics, at least the kind of philosophy that we (and researchers in Oxford, Cambridge, Stanford, Harvard, Berkeley, and so on and so forth) do is not different. We just identify a problem in the frontiers of research, and state an original hypothesis and an adequate methodology to deal with it. We do not need to cover the whole history of the discipline. Of course, there are other philosophers who have different opinions about how research in the discipline should be conducted. I am happy if they are allowed to proceed with their activities, and if some of their projects are awarded. But they cannot impose their views on us – one, moreover, which is not represented at the philosophy departments of the best universities in the world. That would not be stupid, it would be interested malpractice.

So, whatever reason explains why I had to suffer this evaluation, stupidity or malpractice, I think you should do something about it. In any case, I will do all that is in my power to let my colleagues at the most influential positions in Academia know how contemporary philosophers can expect to be treated by the FCT.

Yours sincerely,


Manuel García-Carpintero
email: m.garciacarpintero@ub.edu, LOGOS Website: <http://www.ub.es/grc_logos/>

2 comentários:

Anónimo disse...

Isto é mesmo impossível de aguentar...
Para génios nem sequer devia haver avaliação. Deviam desde logo serem apoiados. Quem teve a ousadia de classificar este génio com a mais baixa classificação de sempre.
É como a seleção nacional. Em jogos com a Albania por exemplo, e tendo na equipa nacional o Ronaldo, nem sequer devia haver necessidade de realização de jogo. Deviam atribuir a vitória a Portugal.
Eu se fosse ao prof. Manuel Garcia-Carpintero (gosto do tracinho) , apresentava a candidatura em Espanha. Que fica a perder somos nós Portugueses. Ficamos sem esse naco de ciência, e quem se vai afiambrar são o sortudos dos espanhóis.

Este governo a continuar assim ainda leva o pais á falência. Ainda vamos ter de chamar a "Troika".

cumps

Rui Silva

Anónimo disse...

Ó ____, falências há muitas!

Felizmente certos maoistas e respectivos alcoólicos sabem o que é avaliar e ser avaliado com rigor. Não fosse a abrilada a "apoiar" passagens administrativas e muita dessa gente teria que ir para uma "universidade" de cor conveniente. De qq modo, isto implicaria terminar o "curso" em idade geriátrica como fez o iluminado primeiro.

falências há muitas sô rui e a sua parece ser possível atenuar com visitas regulares a um profissional de saúde + medicação.

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