sábado, 12 de setembro de 2015

OS OBREIROS DA GEOLOGIA PORTUGUESA (1)

Novo texto de Galopim de Carvalho:

José Bonifácio de Andrada e Silva

Em franco contraste com a pouca atenção dada à disciplina de Geologia nas nossas escolas, situação esta que tenho vindo insistentemente a denunciar, responsável pela mais do que notada falta de cultura científica neste importante domínio do conhecimento, nunca, como nas últimas décadas, foram tantos e bons os geólogos portugueses, a trabalharem no terreno, a investigarem e a ensinarem nas nossas Universidades.

É evidente que esta situação tem raízes e são elas que me proponho recordar, em meia dúzia de pequenos textos, rendendo-lhes as devidas homenagens. Tudo começa com:

DOMENICO AGOSTINO VANDELLI (1735-1816)

Doutorado em medicina pela Universidade de Pádua, este naturalista italiano, conhecido entre nós por Domingos Vandelli, foi contratado pelo Marquês de Pombal, em 1764, para ensinar ciências químico-naturais no Colégio dos Nobres, em Lisboa, mas este ensino nunca chegou a ser concretizado, pelo que regressou durante algum tempo a Itália. Voltou quatro anos mais tarde, com a incumbência de criar, em Lisboa, o Jardim Botânico da Ajuda.

Em 1772, foi nomeado lente de História Natural e Química na Universidade de Coimbra, onde fundou outro jardim botânico, desenvolveu acção muito importante como pioneiro no ensino da Mineralogia e da Geologia, incluídas na “cadeira” de Geognósia. Como precedências destas disciplinas foram fixadas as de Química, Física, Matemática e Geometria, por serem consideradas fundamentais tanto na preparação da então moderna mineralogia, de acentuado pendor químico, como da nascente cristalografia morfológica ou geométrica.

A obra escrita que nos deixou “Sobre as Produções Naturais do Reino e das Conquistas - Primeiras Matérias de Diferentes Fábricas, ou Manufacturas”, publicada na Academia Real das Ciências, em 1789, constitui o primeiro relato de natureza científica acerca dos minerais reconhecidos em Portugal e nos territórios de além-mar, suas localizações e aplicações.

Domingos Vandelli foi o pai do naturalista Alexandre António Vandelli, nascido em Coimbra, em 1784. 

MANUEL JOSÉ BARJONA (1758-1831)

Doutor e lente da Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra, de sólida formação em física e em química, introduziu entre nós o estudo da mineralogia química, na linha de grandes nomes da época, como os suecos Axel Fredrik Cronstedt (1722-1765), Johan Gottschalk Wallerius (1709-1785) e Olof Torbern Bergman (1735-1784). Entre outros trabalhos, deixou-nos Metallurgiae Elementa, editado, em 1798, pela Biblioteca Geral da mesma Universidade. Este seu livro, escrito em latim, é a primeira e a mais antiga publicação sobre metalurgia surgida em Portugal. A sua realização, no âmbito dos Estatutos Pombalinos da Universidade, destinou-se a uso escolar e a versar matérias então integradas nos planos curriculares de cursos então criados. Em 1823, publicou Táboas Mineralógicas, título do que é considerado o primeiro livro de mineralogia em português, no qual estabeleceu cinco classes na sistematização dos minerais: “terras”, ”pedras”, “sais”, “sulfuretos e betumes”, “metais e semimetais”. Deve-se-lhe, ainda, a organização e catalogação dos minerais do Museu de História Natural daquela Universidade.

Aderente à causa liberal, não assinou o auto de aclamação de D. Miguel de Portugal que se fez na Universidade de Coimbra. Em consequência e apesar de já septuagenário, foi preso, em Junho de 1828, acusado de revolucionário e adversário do governo miguelista, tendo sido demitido do seu lugar de professor.

JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA (1763-1838)

Considerado o primeiro geólogo das Américas, foi também o primeiro geólogo e um dos primeiros mineralogistas portugueses. Mas a sua actividade científica não se limitou a estes campos do saber. Discípulo de Domingos Vandelli, teve ainda papel relevante em áreas como a prospecção e exploração mineiras, a silvicultura, os solos e as pescas, entre outras. Evocado nos dias de hoje como patriarca da independência do país irmão, deixou o seu nome ligado não só, do outro lado do Atlântico, à formação do Império do Brasil, como à causa liberal que aqui, em Portugal, pôs fim à monarquia absolutista e abriu as portas à via constitucional.

 Nascido em Santos, no estado de São Paulo, de família de ascendência nobre, oriunda do Minho, este lusodescendente veio para Portugal a fim de cursar a Universidade de Coimbra onde obteve, em 1788, as cartas de bacharel e de formatura em Leis e a de bacharel em Filosofia Natural, nome que então se dava às Ciências Naturais.

Como «pensionário» (bolseiro) da Coroa, por proposta da Academia das Ciências, ao tempo de D. Maria I, Andrada e Silva iniciou, em 1790, um vasto e proveitoso périplo de dez anos pela Europa, a fim de frequentar alguns dos mais prestigiados centros de ensino superior e realizar estágios e visitas a importantes explorações mineiras. Na École des Mines de Paris estudou com o fundador da cristalografia, René-Just Haüy, e, em 1792, apresentou à Sociedade de História Natural desta cidade um interessante estudo, Mémoire sur les diamants du Brésil. Em seguida frequentou, na Alemanha, a prestigiada Academia de Minas de Freiberga, onde estudou Mineralogia e Geognósia com o professor Abraham Gottlob Werner. A seguir a esta fase, estagiou em fundições da Saxónia, do Tirol e outras, e frequentou as aulas dos grandes mestres nas universidades italianas de Pádua e de Pavia. Nos últimos anos desta sua peregrinação pela Europa, José Bonifácio visitou ainda as mais importantes jazidas mineiras da Escandinávia, de Inglaterra, dos Balcãs, da Suíça, da Itália e da Turquia, onde consolidou a sua preparação geológica e mineralógica.

Em resultado da sua investigação como mineralogista, Andrada e Silva publicou trabalhos de reconhecido mérito e deles constam, entre outros, a descoberta e caracterização da espodumena e da petalite (dois silicatos de alumínio e lítio), da criolite (um fluoreto de alumínio e sódio), da indicolite (uma turmalina de cor azul) e da wernerite (um aluminossilicato de sódio e cálcio, variedade de escapolite,) que assim designou em homenagem ao que foi seu mestre Abraham Werner. Em sua honra, o americano James Dwight Dana (1813-1895), autor do celebérrimo Sistema de Mineralogia, considerado um dos mais notáveis mineralogistas de sempre, deu o nome de andradite, em 1868, a uma espécie do grupo das granadas, perpetuando, assim, a sua memória entre a comunidade científica. Regressado a Portugal, em 1800, aureolado de grande prestígio internacional, Andrada e Silva foi, nomeado Intendente-geral das Minas e Metais do Reino. Entre outros cargos que assumiu, e nos quais deixou nome, contam-se os de director do Laboratório de Docimasia da Casa da Moeda e de administrador das Ferrarias da Foz do Alge e das minas de carvão de Buarcos e de São Pedro da Cova. A sua grande preocupação com a pesquisa do carvão e do ferro indicam-no, por outro lado, como elemento destacado da corrente fisiocrática que, em Portugal, abriu caminho à Revolução Industrial. Defensor acérrimo do sistema métrico decimal, não obstante a má vontade dos seus colegas, por razões ligadas à origem francesa, então de má memória, esteve ainda ligado à prospecção e exploração das areias auríferas da Adiça (Mina do Príncipe Regente), no concelho de Almada.

Em 1802, Andrada e Silva obteve o grau de Doutor pela Universidade Coimbra e, dado o seu prestígio, foi ali criada a cadeira de Metalurgia, que lhe foi destinada e que regeu como lente, até 1807, por ocasião da primeira invasão francesa, altura em que, no posto de major, integrou um batalhão académico de luta contra o invasor.

Por iniciativa do académico duque de Lafões, foi admitido na Academia de Ciências de Lisboa, de que se tornou membro ilustre e secretário-geral. Do seu currículo consta ainda a qualidade de membro de várias e prestigiadas sociedades científicas europeias, como as de Paris, Berlim, Londres e Edimburgo, e ainda da Academia das Ciências de Estocolmo.

As primeiras manifestações a favor da independência da grande colónia, chamam-no de regresso ao Brasil, a favor de uma causa a que se associou inteiramente, chegando a ser uma das mais destacadas figuras na constituição do novo país, onde desempenhou importantes cargos políticos e sofreu graves dissabores decorrentes dessa sua condição.

Passados que foram os ânimos desses tempos conturbados e serenadas as paixões, reconhece-se-lhe hoje a acção que realizou em prol do novo e grande país, tendo conseguido consolidar a independência e garantido a integridade do território, graças à sua inesgotável energia, firmeza de carácter e sentido diplomático. Por ter evitado a divisão do imenso território em pequenos estados, os brasileiros chamaram-lhe o ministro da Unidade Nacional e consideram-no o Patriarca da Independência do Brasil e o Pai da Pátria, tendo-lhe erigido, em 1872, uma estátua em bronze, no Rio de Janeiro, nas comemorações dos cinquenta anos de independência.

É dele a ideia de uma cidade central no interior do Brasil, vontade que se cumpriu com a inauguração da capital, Brasília, em 21 de Abril de 1960.

O Museu Mineralógico e Geológico da Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade de Coimbra, tem hoje o nome de José Bonifácio de Andrada e Silva, antigo lente que elegeu como patrono, estando o seu busto em local de destaque na galeria de mineralogia. Um outro busto seu existe na Academia das Ciências de Lisboa, evocando o ilustre membro que foi desta instituição. Do outro lado do Atlântico, na outra pátria de José Bonifácio, o seu retrato em pintura mural está igualmente presente entre os esplêndidos minerais da galeria de mineralogia da Escola de Minas de Ouro Preto, em Minas Gerais.

António Galopim de Carvalho

Sem comentários:

35.º (E ÚLTIMO) POSTAL DE NATAL DE JORGE PAIVA: "AMBIENTE E DESILUSÃO"

Sem mais, reproduzo as fotografias e as palavras que compõem o último postal de Natal do Biólogo Jorge Paiva, Professor e Investigador na Un...