quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A VELOCIDADE DA LUZ

Meu artigo de divulgação sobre a luz no último "As Artes entre as Letras":



A luz viaja a uma extraordinária velocidade à velocidade maior a que se pode viajar: no vazio, viaja a cerca de 300.000 quilómetros por  segundo (km/s),  ou, para sermos completamente  exactos, a  299.792.458 metros por segundo. Este valor não vai, em princípio, mudar, por novas medições que se façam e venham a fazer, pois o metro foi redefinido em 1983 para que a velocidade da luz dê este valor exacto. 

 Pode-se perguntar: mas a luz anda a 300.000 km/s em relação a quê? E a resposta é: em relação a qualquer observador, qualquer que seja a velocidade a que este se desloque. Este fenómeno vai contra o nosso senso comum, pois o mais natural seria pensar que a luz emitida num flash tivesse velocidade diferente para quem está imóvel relativamente à fonte ou para quem se desloca relativamente à fonte num comboio, qualquer que seja a velocidade do comboio. O ponto de partido da teoria da relatividade restrita formulada pelo físico Albert Einstein em 1905 foi precisamente que a velocidade da luz é a mesma para todos os observadores. E todas as conclusões dessa teoria têm-se revelado de acordo com a experiência. Por exemplo, uma consequência é que nenhum corpo pode ser mais rápido do que a luz e, de facto, nunca se conseguiu qualquer transmissão de informação mais rápida do que a luz. As partículas materiais, com massa maior do que zero, ficam com massa maior à medida que a sua velocidade aumenta, aproximando-se da velocidade da luz. E esse aumento tremendo da sua inércia faz com que a velocidade da luz seja uma barreira inalcançável. Com efeito, só partículas de massa nula, como os fotões ou “grãos de luz”, podem andar à velocidade da luz.

O valor finito da velocidade da luz tem consequências óbvias: por exemplo, a luz do luar (luz do Sol reflectida na Lua) demora cerca de um segundo a chegar à Terra e a luz do Sol demora cerca de oito  minutos. Quer isto dizer que, se o Sol por qualquer acto mágico se apagasse de repente (o que não vai acontecer, fique o leitor descansado, porque não há magias dessas; o Sol vai começar a apagar-se e muito lentamente só daqui a cinco mil milhões de anos), só saberíamos do apagão oito minutos depois. Seria um apagão fatal pois toda a vida depende da actividade solar…

O árabe (iraquiano que trabalhou no Egipto) Ibn Al Haytham, autor há mil anos do primeiro livro de Óptica, já tinha a noção de que a luz não se propagava instantaneamente. Há cerca de 400 anos, o italiano Galileu Galilei, um dos grandes nomes da Revolução Científica, teve a ideia de quantificar o valor da velocidade da luz no ar. Imaginou uma experiência com duas lanternas no cimo de dois montes, devendo um ligar a sua lanterna logo que visse a outra ser ligada. A experiência foi feita mais tarde, mas revelou-se infrutífera. De facto o elevado valor da velocidade da luz, a pequena distância entre os dois montes e, principalmente, o grande tempo de reacção dos protagonistas da experiência impossibilitam a extracção de qualquer conclusão quantitativa. Mas Galileu observou com a sua luneta as luas mais próximas de Júpiter e foi, na geração seguinte, um astrónomo dinamarquês Olaf Romer a usar as observações das ocultações dessas luas por Júpiter para extrair um valor para a velocidade da luz. A sua conclusão baseou-se na comparação de observações   desses eclipses das luas quando a Terra, ao longo do seu percurso anual de translação em volta do Sol, estava mais afastada e menos afastada de Júpiter.  Fazia uma diferença no tempo dos eventos pois, quando a Terra estava mais longe, a luz tinha de viajar ao longo de uma maior distância para chegar aos olhos do astrónomo. No seu livro “Óptica” de há cerca de 300 anos o físico inglês Isaac Newton usou a velocidade da luz medida por Romer, Outras observações de carácter astronómico se seguiram já no século XVIII, como as que foram feitas pelo inglês James Bradley, estas fazendo a observação das estrelas, muito mais longínquas da Terra do que as luas de Júpiter.

Só a meio do século XIX surgiriam, pela mão de dois franceses, Hypollite Fizeau e Foucault  (o mesmo do pêndulo de Foucault, que primeiro trabalharam juntos e depois se separaram, as primeiras medidas da velocidade da luz feitas em laboratório.  Fizeau usou uma roda dentada por onde passava a luz até chegar a um espelho,  situado a cinco quilómetros de distância, e Foucault usou um espelho giratório. De início, as medidas não eram tão  boas como aquelas feitas a partir da luz dos astros, mas logo se aperfeiçoaram as técnicas para se obterem valores mais precisos.

Há 150 anos, o escocês James Clerk Maxwell escreveu quatro equações matemáticas que descreviam todos os fenómenos da electricidade e do magnetismo. Como esses fenómenos estão relacionados, falamos de electromagnetismo.  Manipulando essas equações reduziu-as a duas, uma para o chamado campo eléctrico e outra para o campo magnético (o campo exprime a acção de uma força á distância). A conclusão foi que essas equações descreviam a propagação de duas ondas, uma do campo eléctrico e outra do campo magnético, estando as duas associadas: quando surge uma, surge também a outra. Qual era a velocidade dessa onda? E que onda era essa? Já se sabia nessa altura que a luz era uma onda, embora não se soubesse muito bem o que estava a vibrar. Maxwell, comparando o valor da velocidade comum da propagação dos campos eléctrico e magnético (que tinha sido medido em fenómenos electromagnéticos) com a velocidade da luz medida por Fizeau notou imediatamente a extrema proximidade. E não pôde escapar à conclusão de que a luz era nada mais nada menos do que a propagação dos campos eléctrico e magnético. Foi, portanto, só há 150 anos que ficámos a saber o que era a luz: uma onda electromagnética. E ficou aberto o caminho para se produzirem, como fez o alemão Heinrich Hertz anos volvidos, uma luz com comprimentos de onda maiores  do que aquela que os nossos olhos consegue captar. Chamamos-lhe ondas de rádio e hoje estão por todo o lado.

Melhores medidas da velocidade da luz foram realizadas no início do século XX, como por exemplo as que foram realizadas pelos físicos norte-americanos Michelson e Morley com um instrumento chamado interferómetro. Basicamente esse aparelho permite a interferência de duas ondas de luz que seguem percursos distintos. Uma famosa experiência deles está na base da teoria da relatividade restrita de Einstein. Talvez a genial intuição de Einstein tivesse sido mais motivada por considerações teóricas, mas o certo é que a experiência de Michelson-Morley que mostra que a velocidade da luz é a mesma quer na direcção do movimento da translação da Terra quer numa direcção perpendicular a essa.

Novos métodos haveriam de ser propostos para medir a velocidade da luz até se alcançar um valor mais preciso no ano de 1983, como a velocidade resulta de uma razão entre o espaço e o tempo, foi decidido, por convenção internacional, fixar o metro como a distância percorrida pela luz  em 1/ 299.792.458 do segundo. A menos que se mude essa convenção, não faz mais sentido medir a velocidade da luz.


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