Minhas escolhas culturais (O que ando a ver, ler e ouvir) publicadas no Diário de Notícias de hoje (suplemento QI):
VER
- Woody Allen, “Blue
Jasmine”, Prisvideo, 2013, 14,99 euros FNAC
Confesso que não sou
grande cinéfilo, mas Woody Allen é um dos meus realizadores preferidos. Como
não tive oportunidade de ver este seu último filme, com a australiana Cate
Blanchett no papel de uma mulher rica que perde a sua fortuna (ela integra o
elenco do último filme de George Clooney,
The Monuments Men. Caçadores de
Tesouros, que também quero ver) comprei o DVD. Logo que tenha algum tempo, verei se concordo com os que dizem que
Blanchett merece um óscar por esta interpretação num filme que me dizem ser um
retrato inteligente dos atribulados tempos que correm.
- Carl Sagan, “Cosmos”,
original de 1980 e edição das Fremantle Media Enterprises de 2009, 5 DVD, 39,99
euros, FNAC
Muito em breve, a 9 de
Março, vai estrear Cosmos. Uma Odisseia
no Espaço-Tempo, sequela de Cosmos: Uma Viagem Pessoal, a famosa série televisiva de Carl Sagan, a qual está
associado a um excelente livro (recomendo a edição ilustrada, que não pode
faltar em nenhuma biblioteca!). Passados 34 anos, Sagan será substituído pelo
astrofísico Neil deGrasse Tyson, embora entre os produtores executivos se
encontre ainda a sua mulher, Ann Druyan. Por todo o mundo há uma imensa curiosidade
em conhecer a nova série. Mas até lá – e até para facilitar a comparação – não há como rever o clássico da
nossa modernidade. Não é preciso rever muito para concluir que Sagan é uma
estrela de primeira grandeza. Mas Tyson também possui uma capacidade enorme de
comunicação, sendo senhor de um humor muito particular. Estou mortinho por ver
este segundo Cosmos, esperando que
ele ajude a crescer a cultura científica no mundo e no nosso país. Bem precisamos dela!
LER
- Teodoro de Almeida, “Oração e Memórias na Academia de Ciências de Lisboa”, Introdução e Coordenação
editorial de José Alberto Silva, Porto Editora, 2013, 18,90 euros FNAC
Numa altura em que a
Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) decidiu, vai-se lá saber porquê e
para quê, extinguir a área de História da Ciência, vale a pena visitar a história
da ciência nacional através da colecção Ciência
e Iluminismo, coordenada por José Luís Cardoso, Francisco Contente
Domingues e Ana Simões. Este livro, o
9.º da colecção, traz-nos a primeira oração de sapiência da Academia de
Ciências de Lisboa, lida em 4 de Julho de 1780 pelo padre oratoriano Teodoro de
Almeida, que tinha estado exilado em Espanha e França no tempo do marquês de
Pombal, onde escreveu boa parte da sua notável Recreação Filosófica. A oração causou acesa polémica, designadamente
de prosélitos do marquês que não gostaram de ver Portugal comparado, no atraso
científico, ao reino de Marrocos. A actual política ignorante da cultura
científica conduzida pela FCT leva-nos a uma nova comparação com o “reino de Marrocos”.
- Miriam Assor, “Judeus Ilustres de Portugal”,
A Esfera dos Livros, 2014, 15,30 euros FNAC
Uma jornalista de
origem judaica (filha de um antiga rabino da Comunidade Judaica de Lisboa),
apresenta um retrato de, como reza o subtítulo, “14 judeus ilustres que
marcaram a História do nosso país”. Alguns são mais conhecidos, como os grandes
cientistas do século XVI Garcia de Orta, Amato Lusitano e Pedro Nunes, num
tempo marcado pela perseguição inquisitorial, e outros são menos, como Isaac da
Fonseca, “o rabino poeta de Amesterdão”, e Abraham Assor, o pai da autora. O prefácio
é de Miguel Esteves Cardoso, que se confessa judeu, religião à qual chegou após
ter falado com o rabino Assor. Cardoso diz que o pai lhe ensinou que “a
desgraça de Portugal e dos portugueses não teria acontecido (e não existiria
hoje) se os judeus não tivessem sido expulsos, pseudoconvertidos à força ou assassinados,
pelos fogos pré-nazis da Inquisição.”
- E.L. Jones, “O
Milagre Europeu”, 2.ª edição, Gradiva, 2002, 5 euros FNAC
Nem só de livros
modernos se alimenta a leitura. Há livros não muito modernos que permanecem
actuais e que se encontram por um preço incrivelmente baixo. A proximidade das
eleições europeias conduziu-me à releitura deste livro, cujo subtítulo é
“Contexto, Economia e Geopolítica da História da Europa e da Ásia”, da autoria
de um professor de Economia australiano. A Europa pode estar em crise – e a ideia
da União Europeia pode não passar por enquanto de uma ficção – mas vivemos num
continente fantástico, onde um dia se seu o “milagre” do desenvolvimento. Foi
da Europa que partiram os Descobrimentos, foi aqui a Revolução Científica foi
feita e foi aqui a Revolução Industrial arrancou. O mundo está longe de ser só
a Europa mas sem a Europa o mundo não
seria o que é hoje. Vale a pena a ficção
da Europa...
- Eduardo Lourenço, “A
História é a suprema ficção”, Entrevista de José Jorge Letria a Eduardo
Lourenço, Guerra e Paz, 2014, 13,99 euros FNAC
O nosso grande maître à penser não se cansa de nos
ensinar, com um discernimento único, o que é Portugal e os Portugueses. Nesta
entrevista em forma de livro chama a Portugal um “milagre quase contínuo” por
ter conseguido sobreviver ao longo de oito séculos de independência. E diz
sobre a situação actual: “Voltámos à Europa, de onde nunca devíamos ter saído,
mas à qual pertencemos mesmo antes de ter nascido. Agora estamos envoltos num destino comum, protegidos e
desprotegidos ao mesmo tempo. “ A ler e meditar. Sobre o tema da Europa
recomendo também o recente A identidade
Cultural Europeia de Vasco Graça Moura, na Fundação Francisco Manuel dos
Santos.
- Helena Matos e José
Manuel Fernandes, “Este país não é para jovens", A Esfera dos Livros, 2014,
14,40 euros FNAC
Dois jornalistas, cujo
pensamento arguto e caneta afiada são bem conhecidos, analisam o Portugal que
somos hoje, centrando o olhar na questão da equidade entre gerações. O
subtítulo põe o dedo na ferida: “Quanto vão custar no futuro as obras, as
políticas e os direitos de hoje”. Estaremos a comprometer seriamente o futuro
das próximas gerações em nome do presente? Serão os nossos políticos
completamente cegos no que respeita ao futuro a médio e longo prazo, só lhes
interessando o tempo curto e mesquinho dos seus ciclos eleitorais?
- Hubert Reeves, “Onde
cresce o perigo nasce também a salvação”, Gradiva, 2014. 12 euros FNAC
O astrofísico com ar de
poeta tem sido entre nós, pela chancela da Gradiva, um grande êxito editorial.
O autor continua a atrair audiências, como mostrou a sua recente vista ao
Porto. Neste livro, cujo título se inspira num verso do poeta alemão Friedrich Hoelderlin
(morei três anos na rua Hoelderlin, um nome difícil de pronunciar, em Frankfurt),
Reeves olha ao mesmo tempo para a espantosa história do cosmos, à escala do
muito grande no espaço e no tempo, e
para a história recente do nosso planeta, a uma escala muitíssimo menor, onde a
mão do homem criou riscos. À primeira chama “bela história” e à segunda
“história menos bela”. Mas o verso do título sugere que a Terra não está
perdida, temos de dar beleza à história da Terra. Os cientistas são uns
optimistas inveterados.
- Craig Venter, “Life at the speed of light. From the
double helix to the dawn of digital life”,Viking, 2013, 20,50 euros FNAC
Um dos mais originais
cientistas contemporâneos é Craig Venter, bioquímico norte-americano que
participou, com a sua empresa Celera Genomics, no extraordinário projecto da
sequenciação completa do genoma humano, completado em 2003 e que não só mudou a
ciência como vai mudar as nossas vidas. Em 2010 Venter anunciou a criação de
vida artificial. Neste livro defende o envio por sinal digital e à velocidade
da luz do código da vida para o espaço
para criar sinteticamente vida noutros planetas, E, ao contrário, se for
encontrada vida sob outras formas noutros planetas próximos, essa vida poderá
ser enviada para a Terra a partir de sondas para aqui ser recriada. Isto é
pode haver visitas de extraterrestres, sendo os extraterrestres criados cá e lá.
Trata-se de ciência embora pareça ficção.
OUVIR
- Cristina Branco,
“Idealist”. Universal, 2014, 17,99 euros FNAC
Antologia de 17 anos de
canções de uma cantora portuguesa que fez boa parte da sua sua carreira na
Holanda e agora regressou a esse país (não foi aliás o único artista conhecida
a emigrar, também Fernando Tordo procurou recentemente outras paragens, à
semelhança de muitos cientistas). Explicou assim a sua partida: “a cultura no
nosso país está a morrer, a educação idem e resolvemos mudar-nos para aqui,
porque achei importante os meus filhos terem uma abordagem à vida diferente
daquela que temos em Portugal.” A caixa
alberga três discos, o primeiro de
fados, incluindo poemas do holandês J. Slauerhorff e do português Alexandre
O’Neill, o segundo celebrando outros grandes poetas como António Gedeão e
Eugénio de Andrade e o terceiro denominado Ideal,
que engloba canções de Sérgio Godinho e Chico Buarque. Uma das canções que não
me farto de ouvir é a inédita Se fores,
não chores por mim, de Mário Cláudio e Ricardo J. Dias.
- Richard Strauss, “Also sprach Zaratrustra”, Gustavo
Dudamel dirige a Berliner Philarmoniker, 2013, Deutsche Grammophon, 15,99 euros
FNAC
Este é o ano de Richard
Strauss, pois passam 150 anos do seu nascimento. Neste disco o jovem maestro
venezuelano, que só tem 33 anos, dirige, como convidado, a célebre Filarmónica
de Berlim, cujo maestro titular é Simon Rattle (sucessor de Herbert von Karajan e
do recentemente falecido Claudio Abbado). O poema sinfónico de Strauss foi
composto em 1896, inspirado pelo livro de Friedrich Nietzsche com o mesmo
título. Encontra-se neste CD, logo na abertura, a música com que abre o filme 2001 Odisseia de Espaço, de Stanley
Kubrick, que foi gravada pela sinfónica de Viena dirigida por von Karajan.
Lembro-me de, em jovem, a ouvir nos relatos radiofónicas das viagens Apollo à Lua na Emissora Nacional,
comentados pelo saudoso Eurico da Fonseca, um autodidacta que foi um dos
grandes pioneiros da divulgação científica em Portugal.
1 comentário:
O nosso grande maître à penser não se cansa de nos ensinar, com um discernimento único, o que é Portugal e os Portugueses. Nesta entrevista em forma de livro chama a Portugal um “milagre quase contínuo” por ter conseguido sobreviver ao longo de oito séculos de independência. E diz sobre a situação actual: “Voltámos à Europa, de onde nunca devíamos ter saído, mas à qual pertencemos mesmo antes de ter nascido. Agora estamos envoltos num destino comum, protegidos e desprotegidos ao mesmo tempo. “
Isso é semelhante ao que ele escreve em O Labirinto da Saudade, que li recentemente, ficando encantado com a visão que ele tem da nossa existência como povo ao longo da história. Tanta sabedoria, e muitas excelentes leituras e interpretações de como vemos o nosso destino através dos nossos escritores. A conclusão, porém, é trágica: somos um povo que ora não sabe existir ora tem devaneios messiânicos de quem vai salvar o mundo com o V Império. Como somos estranhos e fascinantes.
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