segunda-feira, 31 de março de 2014

EM LOUVOR DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Os nossos gestores da Fundação para a Ciência e Tecnologia consideram a História da Ciência uma disciplina menor, tendo-a sacrificado no altar das suas "fronteiras da ciência". Lembrei-me deles - e tive pena deles - ao ler este texto do grande Isaac Asimov, no livro "A Nova Dimensão. Teoremas" (Galeria Panorama, 1973) de que já aqui falei. Escreveu Asimov na Introdução a esse livro este belo texto em louvor da História da Ciência:
 "Há um bom par de anos, acabava eu de ser nomeado assistente universitário, fui apresentado a um eminente historiador de ciência. Nesse tempo apenas pude olhá-lo com uma condescente tolerância. 

Lamentei um homem que, segundo me parecia, era obrigado a pairar sobre os limites da ciência. Tinha de tremer eternamente de frio nos arrabaldes, obtendo apenas um pouco de calor do sol distante da ciência, enquanto eu, que iniciava o meu trabalho de investigação, estava mergulhado no forte e líquido calor do próprio centro do seu brilho. 

Numa vida inteira de muitos erros, nunca errei tanto. Era eu, e não ele, que vagabundeava na periferia. Era ele, e não eu, que vivia em plena fogueira. 

Tinha sido vítima da lenda do "limite cada vez mais longínquo", da crença de que só a fronteira autêntica da ciência apontava, de que tudo quanto tinha ficado para trás pelo progresso se dissipara e  morrera. Mas será iso verdade? Se uma árvore se enche de rebentos de verão e reverdece, cobrindo-se de folhas, essas folhas serão a árvore? Se as novas hastes e as suas folhas fossem tudo quanto existisse, formariam um vago halo esverdeado, suspenso no meio do ar, mas por certo que isso não seria a árvore, As folhas, por si próprias, não são mais do uma decoração trivial e trémula. São o tronco e os ramos que dão à árvore a sua grandeza..."

Isaac Asimov

"A Escola pública é um Inferno?"

Este é título do artigo de Alexandre Homem Cristo no jornal I de hoje, que me erfere. Vem tudo a propósito do livro de Maria Filomena Mónica, "A Sala de Aula", um livro "explosivo" sobre o estado do nosso ensino e cuja 1.ª edição entretanto esgotou. Ler aqui o artigo de Homem Cristo, que critica as conclusões de Filomena Mónica.

Sobre o assunto da indisciplina na escola, um dos pomos da discussão, o DN diz, baseado em números da polícia, que tem aumentado:

Quase 4.500 crimes nas escolas no ano passado


O Ministério da Administração Interna divulgou, esta sexta-feira, os dados relativamente à criminalidade nas escolas e foram registados 4489 crimes nos estabelecimentos de ensino em 2013, mais 11,4% que no ano anterior, escreve o Diário de Notícias.

O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), divulgado na última sexta-feira pela Administração Interna, revela que, em 2013, a polícia foi chamada às escolas 6356 vezes, sendo que em 4489 desses casos acabaram por se revelar situações criminais, avança o Diário de Notícias.

O programa ‘Escola Segura’, que engloba as intervenções das autoridades nos estabelecimentos de ensino, registou um aumento de 11,4% comparativamente ao ano de 2012, ou seja, mais 632 participações.
Das mais de 6 mil chamadas às autoridades, 2999 eram ocorrências dentro das instalações das escolas e 1490 nas imediações, de acordo com os dados do RASI.

A maior parte das situações registadas tem a ver com ofensas à integridade física (292 casos) e furtos (256 casos). No entanto, também foram registados crimes por posse e/ou uso de arma (26 casos) e ameaça de bomba (7 casos)."


ASCENSÃO E QUEDA DA CIÊNCIA EM PORTUGAL

Meu artigo na revista do "Ensino Superior" - Boletim do SNESup, que acaba de sair: 

Assistimos nas últimas três décadas a um crescimento enorme da ciência em Portugal. Basta consultar a PORDATA, base de dados de Portugal contemporâneo da responsabilidade da Fundação Francisco Manuel dos Santos, para verificarmos esse facto. O investimento em investigação e desenvolvimento (I&D) cresceu de 0,4% para 1,5% do PIB desde 1986, ano da entrada de Portugal na União Europeia (EU), para 1,5% em 2012. Dois indicadores indesmentíveis sobre os resultados desse investimento são o número anual de novos doutorados formados e o número de novas publicações científicas. Em 1996 obtiveram o diploma de doutor 216 pessoas, mas em 2012 já foram 2209. O número de publicações científicas em revistas indexadas, que era de 664 (6,6 por cem mil habitantes), passou para 16480 em 2012 (156,7 por cem mil habitantes). Para comprovar o enorme crescimento do sistema de ciência e tecnologia basta fazer contas simples: se o investimento subiu quase quatro vezes, o número de novos doutores subiu dez vezes e o número de publicações subiu bastante mais (25 vezes). Poucas coisas subiram tanto em Portugal em tão pouco tempo!

 Nos dias de hoje existem, porém, fortes razões para preocupação. A percentagem do PIB investida em I&D depois de ter atingido o cume em 2009 e 2010, com 1,6%, está agora em declínio, com a agravante de o PIB português estar comparável ao que era no final do século passado (foi de 14748 euros em 2012 per capita a preços constantes comparado com 14787 no ano 2000). O impulso vindo de trás fará crescer no imediato tanto o número de pessoas formadas ao mais alto nível como o número de artigos científicos, mas é legítimo recear que, a médio prazo, à notável ascensão se siga uma queda nos resultados.

 Por que razão é preciso continuar o crescimento do sistema científico nacional? Pela simples razão de que, apesar de termos dado um grande salto no ranking dos países europeus, ainda não estamos nem no input (medido aqui pela parcela do PIB investida) nem nos outputs (medidos aqui pelo número de novos doutorados e pelo número de publicações científicas, os dois números normalizados ao número de habitantes para possibilitar comparações internacionais) perto da média da UE. Não se trata de disputar os lugares do topo, ocupados pelos países bem mais desenvolvidos, mas sim e apenas de tentar chegar à média. Vejamos, do lado do input: em média, a UE investiu, em 2012, 2,1% do PIB em ciência e tecnologia, falando-se de uma meta futura de 3%. E, do lado do output, o número médio de doutoramentos na UE foi, em 2011 (o último para o qual há números disponíveis na PORDATA), de 23 por cem mil habitantes, ao passo que em Portugal foi de apenas 15 por cem mil habitantes; por sua vez, o número de artigos por cem mil habitantes na UE é actualmente de mais de 250 por cem mil habitantes (este indicador não está ainda na PORDATA), bem acima do nosso valor. Quer dizer, temos de continuar a aumentar o investimento em ciência e tecnologia, ao mesmo tempo que melhoramos a produtividade, se queremos convergir para a média europeia nesta área vital para o nosso desenvolvimento.

A política concretizada nos últimos dois anos pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) está mal justificada, não apontando sequer metas quantitativas para o nosso crescimento. E é uma política de ”poda” mal feita: A FCT cortou de uma maneira cega, arbitrária e injusta nas bolsas de doutoramento e de pós-doutoramento, o que vai diminuir tanto o número de novos doutorados como o número de publicações, feitas na sua maior parte pelos investigadores mais jovens. Fala de “excelência” sem nunca definir o conceito e esquecendo que os melhores em qualquer área só podem florescer onde houver um ambiente equilibrado nas várias áreas científicas. Casos vindos a público revelaram que excelentes candidatos, qualquer que seja a definição de excelência, ficaram de fora no concurso de bolsas, tendo de procurar abrigo em centros estrangeiros ou de interromper as suas promissoras carreiras científicas. E há áreas extintas como a da História da Ciência.

A FCT não tem sido capaz de ligar mais e melhor o sistema científico-tecnológico nacional quer ao sistema de ensino superior, quer ao mundo empresarial (não se percebe, em particular, como concilia a sua ideia de “excelência” científica com a proximidade à economia que alguns governantes reclamam). Pior que tudo, não tem sido capaz de unir a comunidade científica em torno de objectivos comuns, tendo antes procurado dividir para reinar. Além disso, a FCT tem desprezado o valor da cultura científica, não se preocupando em comunicar ciência aos cidadãos que pagam a ciência. Por manifesta falta de visão, a política da FCT parece ser, neste momento, um entrave ao progresso da ciência em Portugal.

CRENDICES NO TELEJORNAL DA RTP

Crónica publicada primeiramente em vários jornais regionais.



Vivemos numa sociedade científica e tecnológica. Por isso, o conhecimento científico deve estar acessível a todos para garantir uma melhor cidadania em democracia. De facto, o convívio com o pensamento científico desenvolve uma atitude crítica, uma opinião própria mais esclarecida e fundada na verdade dos factos.

A ciência permite aceder a um melhor conhecimento do mundo em que vivemos, permite erradicar as superstições, os obscurantismos e as crendices. Estas últimas sempre foram usadas por charlatões para enganar falaciosamente os outros, num aproveitamento vigarista da ignorância.

Os meios de comunicação social são veículos muito importantes para a comunicação do conhecimento científico. São uma ponte fundamental entre os cientistas e o público em geral. Contudo, verifica-se que o espaço por eles dedicado a assuntos científicos e tecnológicos é muito insuficiente tendo em conta o papel que a ciência e a tecnologia ocupam no nosso dia-a-dia.

Um caso melhor estudado é o da televisão. Segundo o relatório “Ciência no Ecrã”, realizado pela Entidade Reguladora da Comunicação Social e pelo Instituto Gulbenkian da Ciência, apenas 0,8% do tempo dos telejornais em horário nobre é dedicado à ciência, sendo que a duração média das peças de ciência no telejornal da RTP, por exemplo, é de cerca de três minutos.

Recorde-se que a televisão pública é financiada por todos os consumidores de electricidade em Portugal (através da contribuição audiovisual), incluindo os cegos e os surdos, para além das transferências do Orçamento de Estado, pelo que devemos ter, no mínimo, uma atitude de exigência de qualidade e seriedade no serviço público prestado. 

Acontece que a televisão pública decidiu recentemente incluir no Telejornal das oito, não uma rúbrica de ciência, mas um espaço relativamente destacado para divulgar crendices e pseudociências (ou seja, actividades que, apesar de aludirem a uma pretensa base científica, de ciência não têm nada).

Em cinco rúbricas emitidas a televisão pública gastou 34 minutos e 39 segundos do Telejornal a fazer publicidade enganosa a produtos e serviços milagrosos. Como bem sintetizou o comunicador de ciência David Marçal (aqui e aqui), o Telejornal da RTP deu tempo de antena a: um especialista em "medicina popular" que afirma fazer diagnósticos médicos medindo, aos palmos, a roupa dos pacientes; «a um "endireita" que diz ter um "dom" que "herdou do pai", que trata "males dos ossos e dos nervos de uma forma que não tem explicação", mas que terá demonstrado, com um galo, a validade do seu tratamento em tribunal; a uma cartomante que diz acertar em 90% das vezes; a uma fitoterapeuta que afirma fazer diagnósticos de doenças graves através da leitura da íris, e que diz tratar o cancro de uma paciente com uma raiz que "tem a forma do corpo humano" e conclui dizendo que "a quântica pode determinar a data da morte do ser humano"; a um médium que afirma "incorporar" os espíritos "de quem partiu, geralmente santos" para curar diversos males».

Estas rúbricas, que a RTP apresenta com o título enganoso “acreditar” (nada do que é apresentado é credível!), são autênticas publicidades enganosas a actividades nada verosímeis, para além do que são apresentadas sem qualquer contraditório. Num serviço de natureza jornalística a televisão pública dá tempo de antena a um conjunto de aldrabices. Isto não é serviço público. Serviço público seria contribuir para desmistificar aquelas crenças.

Como comunicador de ciência, o mínimo que se me impõe é o de avisar o leitor para esta situação escandalosa. Não se deixe enganar e exija seriedade e profissionalismo jornalístico na televisão pública.


António Piedade

Agora? E antes?...

Nas últimas semanas li, com agrado, posts vários de alguns dos meus companheiros deste espaço sobre o tempo de antena dado pela RTP a formas várias de pseudo-ciência. É verdade que o tempo dado à ciência é ridículo face ao tempo dado a estas formas de crendice, é revoltante que isto seja feito com o nosso dinheiro e, mais, que seja feito por quem vive de uma ideia de serviço público de comunicação. Mas ficaram algumas coisas por dizer que gostaria agora de acrescentar.
 
Faltou dizer que aquilo que os contribuintes pagam pela RTP daria para colocar um serviço de cabo em cada uma das casas dos portugueses de forma gratuita e que nesse serviço de cabo passam os programas de divulgação científica que a RTP se recusa a passar.

Faltou dizer que a RTP dá há décadas espaços a confissões religiosas várias, incluindo missas dominicais, papais e outras que tais, que não deixam de ser crendices como todas as outras e que esta divulgação deste tipo particular de crendice viola o princípio da igualdade dos cidadãos perante o estado.

Faltou dizer que a RTP há décadas que dá horas de tempo de antena a curiosos de economia que parecem ser pagos em função do débito horário da asneira com capas de autoridade fornecidas pela própria RTP.

E faltou a pergunta fundamental: Afinal, quantos de nós precisam de ser prejudicados para que alguns tenham uma RTP?

TOP TEN DOS MAIS VISTOS NO "DE RERUM NATURA"

O De Rerum Natura, que está quase a perfazer quatro milhões de visitas, acaba de ser renovado graficamente, passando a ter ligação directa ao Facebook (obrigado David!). Actualizo aqui a lista dos posts mais vistos neste blogue. Se os dois primeiros são de autores exteriores Frei Fernando Ventura e José Luís Pio de Abreu, respectivamente teólogo e psiquiatra, o 3.º e o 5.º são do nosso fundador, o filósofo Desidério Murcho, o 4.º e o 7.º do nosso colaborador, o escritor e ensaista Eugénio Lisboa, o 6.º é da pedagoga Helena Damião, o 8.º e o 10.º, acabadinho de entrar na lista, do bioquímico David Marçal, e o 9.º do matemático Filipe Oliveira. É só clicar para ler ou reler:

03/10/2010, 22 comentários                                                         7052









09/07/2010, 3 comentários
6638








31/10/2008, 17 comentários
6384








21/12/2010, 8 comentários
5196








29/04/2007, 15 comentários
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22/01/2014, 23 comentários
2217








02/02/2011, 29 comentários
2064








1997







OS VENCEDORES DO PRÉMIO ISAAC (NEWTON): OS MELHORES CIENTISTAS DE TODOS OS TEMPOS

Confesso que gosto de listas. Num livro que comprei há dias num mercado de velharias (Isaac Asimov, "A Nova Dimensão" (Galeria Panorama, 1973, tradução do grande divulgador científico que foi Eurico da Fonseca), o bioquímico e escritor de ficção científica Isaac Asimov, depois de fazer uma pré-escolha dos 72 melhores cientistas de sempre, faz uma escolha do top ten. Ei-la aqui por ordem alfabética:

- Arquimedes
- Darwin, Charles
- Einstein, Albert
- Faraday, Michael
- Galileu
- Lavoisier, Antoine
- Maxwell, James
- Newton, Isaac
- Pasteur, Louis
- Rutherford, Ernest

Porquê Prémio Isaac? Não, não tem a ver com nome do proponente da lista, mas sim como o nome de Isaac Newton. Para Isaac Asimov Isaac Newton é simplesmente o maior de todos. Não sabe ordenar a lista, excepto ao dizer que Newton é o número um. Será difícil contrariá-lo.

Porque foi importante a Alquimia?

Excerto do livro "Porque pirilampiscam os pirilampos. E muitas outras perguntas luminosas de química" de Carla Morais e João Paiva, que acaba de sair na Gradiva (trata-se de perguntas e respostas de Química para jovens):

 A transformação de certos materiais noutros é o objeto principal da química, uma aventura iniciada pelo ser humano há muito tempo. Há mais de 3000 anos que se sabe transformar uma «pedra» – minério de ferro – em ferro. Da mesma forma, já há muito que se sabe também extrair remédios de certas plantas e transformar sumo de uva em vinho, e leite em queijo.

Na Idade Média, um dos sonhos dos alquimistas – os «antepassados» dos químicos – era transformar chumbo e outros metais vis em ouro. Os alquimistas procuravam um material misterioso, a que chamavam «pedra filosofal», que deveria permitir não só a «transmutação» de metais, mas também o fabrico do «elixir da longa vida» e a «panaceia», remédio miraculoso para todas as doenças e garantia de vida eterna. Contudo, apesar de estes sonhos nunca se terem transformado na tão desejada realidade, os alquimistas foram muito mais importantes do que uma primeira análise poderia deixar transparecer. Graças às suas descobertas, muitas substâncias passaram a ser conhecidas e muitos procedimentos químicos artesanais foram desenvolvidos e aperfeiçoados. Ao destilar vários sais na presença de ácido sulfúrico (conhecido na época como óleo de vitríolo), descobriram o ácido clorídrico – produzido pela reação química entre o referido ácido sulfúrico e o cloreto de sódio (o vulgar sal de cozinha) – e o ácido nítrico a partir de salitre, ou nitrato de potássio. Aos alquimistas também se deve a descoberta do ácido cítrico – presente nos limões e em outros citrinos –, do ácido acético – presente no vinagre –, bem como o uso de dióxido de manganês no fabrico do vidro e a introdução de termos químicos como, por exemplo, «alcalino» (na época, ál cali). Embora se situe o pré-nascimento da química no século xvii, com Robert Boyle, e se considere Antoine Lavoisier o pai da Química, esta ciência, que procura compreender a constituição da matéria e as suas transformações, começou a delinear-se muito antes, com a pré-ciência dos alquimistas e com todo o trabalho por eles realizado.

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SABIA QUE... ... a dada altura, os alquimistas julgavam ter transformado chumbo em prata, porque não sabiam que a prata surge associada ao chumbo no minério chamado galena?
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 SABIA QUE... ... os alquimistas, embora classificassem os materiais em três categorias («espíritos», metais e pedras), retomaram a ideia dos quatro elementos – a água, o ar, a terra e o fogo –, mas consideravam que as respetivas qualidades – quente, frio, húmido e seco – poderiam ser combinadas determinando as qualidades «exteriores» dos metais, enquanto as restantes seriam «interiores» e inatas?
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Fósforo

É o primeiro elemento descoberto de que há registo. Em 1669, Henning Brand conseguiu obter fósforo através da calcinação de urina apodrecida. Contudo, é provável que já no século xii os alquimistas tenham obtido fósforo por esse processo.

Minerais

 Muitos materiais que usamos são extraídos de minerais: a sílica é o mineral do qual se extrai o silício; da volframite extrai-se o tungsténio; o cobre extrai-se da malaquite; o alumínio extrai-se da bauxite e o ferro da hematite.

Laboratório

Nas indústrias, ocorrem transformações de materiais em larga escala. Porém, o estudo dessas transformações, a análise da constituição e propriedades dos materiais fazem-se em laboratórios. Os alquimistas foram os seus precursores.

Carta aberta ao ministro da Educação e Ciência sobre a situação da Física e da Química no 12.º ano

As disciplinas de Física e Química quase não têm alunos no último ano do ensino secundário em Portugal. Em nome de toda a equipa que elaborou os novos programas e metas curriculares de Física e Química do ensino secundário, enviei esta carta aberta ao ministro da Educação e Ciência, com cópias para as Sociedades Portuguesas de Física e Química, cujos pareceres são citados:

Ex.mo Senhor Ministro da Educação e Ciência

Ao darmos por concluída a nossa tarefa de revisão dos programas do secundário de Física e de Química, não podemos deixar de manifestar a nossa incomodidade com a actual situação da Física e da Química no 12.º ano. Como não obtivemos em tempo útil da parte do Ministério qualquer abertura à valorização da Física ou da Química naquele ano, que é o final do ensino secundário, optámos por manter exactamente o mesmo programa e seleccionar metas em função da redução, em cerca de um terço da carga horária de tempos lectivos, entretanto verificada por determinação ministerial. Entendemos que a actual situação marginal da Física e da Química no 12.º ano nas nossas escolas não pode ser mantida por contrastar não só com a relevância das duas disciplinas no mundo de hoje como com os currículos nos países europeus com quem
nos queremos comparar. Será difícil defender a exigência no ensino das ciências enquanto a Física e a Química tiverem um lugar menor no final dos nossos estudos secundários. A alteração da situação actual passa necessariamente pelo aumento da carga lectiva dessas disciplinas. Entendemos também que uma possibilidade para melhorar a situação seria a existência de exames no final do 12.º ano para as disciplinas de opção anuais, cujas classificações fossem usadas para as candidaturas ao Ensino Superior, tal como acontece com as disciplinas de Matemática e de Português.

Como a nossa equipa está de acordo com os pareceres que, sobre este assunto, foram oportunamente emitidos pelas Sociedades Portuguesas de Química e de Física, permitimo-nos lembrá-los destacando os excertos que juntamos em anexo. Esperamos que, ponderados esses pareceres e a nossa posição, a situação de menoridade das duas disciplinas no 12.º ano seja em breve analisada e resolvida. O facto de não termos efectuado qualquer modificação dos programas destas disciplinas facilitará decerto a
resolução do problema.

Solicitamos a publicitação desta carta no sítio do Ministério junto aos programas do 12.º ano.

Com os melhores cumprimentos e a agradecendo a atenção dispensada

Coimbra, 30/Janeiro/2014
Carlos Fiolhais
(Coordenador da Equipa dos Programas de Física e Química do Ensino Secundário, em nome de toda a Equipa)

Anexo: Extractos de pareceres da SPQ e SPF

Pareceres da SPQ – Sociedade Portuguesa de Química e SPF –Sociedade Portuguesa de Física - Extractos

SPQ, Parecer sobre programas e metas do secundário, 2013:

“A SPQ salienta que o aspecto mais crucial da crise que a química (e física) sentem ao nível do interesse no ensino secundário e universitário se prende não tanto com os programas do ensino secundário, mas com o facto de a química (e física) não deverem ter o seu exame final no final do ciclo 10/11º ano, mas sim no 12º ano. Enquanto a exigência do conhecimento da química não se fizer ao nível do 12º ano, como é efectuado para as disciplinas de matemática e português, o problema de fundo continuará por solucionar.”

Posição conjunta dos Departamentos de Química e de Engenharia Química nacionais sobre a Química no Ensino Secundário, com o apoio da SPQ:

“2 - São, também, vivamente recomendadas modificações ao nível da organização curricular, nomeadamente:

a) reformulação do plano curricular do 12.º ano, com a inclusão de um conjunto mais limitado de opções, constituído pelas disciplinas “Química, Física, Biologia e Geologia”, do qual os alunos das áreas científico-tecnológicas teriam de escolher 2 opções, para além de terem de frequentar a Matemática e o Português (obrigatórias); tal contribuiria para o aumento do número de alunos a frequentar a Química de 12.º ano e para uma formação mais sólida nesta disciplina, importante para a prossecução dos seus estudos superiores com sucesso nos cursos científico tecnológicos, em especial nos afins à Química. Como é sabido, algumas escolas têm poucos estudantes candidatos a frequentar Química no 12.º ano, e existem directrizes para que não se constituam turmas com menos de 20 alunos candidatos, o que amplifica o fenómeno de esvaziamento desta disciplina no 12.º ano. (…)

b) transferência dos exames nacionais de acesso ao ensino superior, das disciplinas científico-tecnológicas, do final do 11.º ano para o final do 12.º ano; as opções dos estudantes do 12.º ano são principalmente ditadas pelo grau de dificuldade esperado para os exames respectivos, o que agrava o problema do abandono da Química; na generalidade dos países europeus é prática comum realizar os exames de avaliação no final do ano imediatamente anterior ao ingresso no Ensino Superior, o que contribui para dar aos estudantes uma formação mais coerente ao longo dos três anos do Ensino Secundário. “

SPF, Parecer sobre programas e metas do secundário, 2013:

"As metas curriculares elaboradas para o 12º ano têm em conta a grande redução no horário lectivo atribuído à disciplina, que é manifestamente insuficiente para cumprir o programa actualmente em vigor, mas que se reconhece que é também insuficiente para leccionar um conjunto mínimo de conhecimentos na área da Física que um aluno que aspira a seguir um curso superior na área das Ciências, Tecnologias e Engenharia deveria possuir."

SPF, Parecer sobre reforma curricular, 2012:

“A SPF considera que se devem manter as duas disciplinas anuais de opção do 12.º ano a bem da formação dos alunos e do equilíbrio do seu plano de estudos, sendo antes necessário reduzir a diversidade de opções da segunda disciplina anual a um núcleo essencial. No curso de ciências e tecnologias esse núcleo duro deveria ser constituído pelas disciplinas de base das ciências físicas e naturais: física, química, biologia e geologia. Contribuir-se-ia, assim, para a redução da dispersão curricular, “centrando mais o currículo nos conhecimentos fundamentais e reforçando a aprendizagem nas disciplinas essenciais” conforme preconiza o MEC na proposta de revisão de estrutura curricular.”

(…) “Dada a centralidade do trabalho prático-laboratorial nas ciências experimentais (física, química, biologia e geologia), não se compreende a eliminação do reforço da carga horária da disciplina anual do 12.º ano.”

AS ESCOLAS POLITÉCNICAS DE LISBOA E PORTO

Meu artigo no mais recente número da revista "As Artes entre as Letras" (na imagem, a Academia Politécnica do Porto):

Passada a fase muito conturbada das Invasões Francesas, da Revolução Liberal de 1820, da Carta Constituinte e da Independência do Brasil em 1822, foram criadas, em Portugal, duas novas escolas superiores, de tipo politécnico, que de algum modo passaram a rivalizar com a Universidade de Coimbra: a Escola Politécnica de Lisboa e a Academia Politécnica do Porto. Os dois novos estabelecimentos estavam eivados do espírito do liberalismo, isto é, faziam parte da reacção contra a monarquia absoluta e em favor de um regime que criasse e garantisse mais liberdades individuais e colectivas. O seu fito era o de conferir uma formação mais prática do que a antiga universidade coimbrã, em particular para aqueles que pretendiam seguir uma carreira militar e necessitavam de conhecer a ciência e a técnica com alguma profundidade.

 Entre os professores da Escola Politécnica de Lisboa, que foi instalada no sítio que tinha sido o Colégio dos Nobres e onde hoje é o Museu da Ciência da Universidade de Lisboa, o que mais se notabilizou pela sua actividade internacional foi talvez Agostinho Vicente Lourenço, que estudou em Paris a partir de 1848, tendo‑se aí doutorado. Depois efectuou uma prolongada excursão pela Europa, trabalhando em laboratórios de químicos famosos como o francês Wurtz e os alemães von Liebig, Bunsen e von Hoffmann. Publicou vários artigos nos Comptes Rendus e nos Annales de Chemie et Physique. Em 1862, ocupou em Lisboa a cátedra de Química Orgânica na Politécnica, tendo esmorecido a sua actividade científica. Mas desenvolveu o Laboratorio Chimico de Lisboa, instalado em 1844, e que hoje se encontra bem restaurado e pode ser visitado no referido Museu. Digno de nota é também o pioneirismo de Guilherme Dias Pegado, ao fundar em 1853 o primeiro Observatório Geofísico Português (o Observatório D. Luís, que ainda hoje existe), e de Francisco Pereira da Costa, que foi director da Comissão Geológica de Portugal. São ainda de referir os nomes do astrónomo e geodesista Filipe Folque e do zoólogo José Barbosa do Bocage, primo do poeta Manuel Maria Barbosa do Bocage.

 Também vários professores se distinguiram na Academia Politécnica do Porto, que desenvolveu colaboração profícua com a Associação Industrial Portuense, fundada em 1849 e hoje designada por Associação Empresarial de Portugal. A Academia do Porto sempre se revelou mais ligada à indústria do que a sua congénere de Lisboa, o que não admira dada a longa tradição primeiro comercial e depois também industrial da capital do Norte.

 O mais notável dos professores da Escola Politécnica do Porto, não só pela sua influência interna mas também pela sua repercussão internacional, foi o matemático Francisco Gomes Teixeira. Pode ser considerado o mais notável cientista português do século XIX. Brilhou como professor, primeiro, embora por pouco tempo, na Universidade de Coimbra, e depois, durante longos anos, na Academia Politécnica do Porto e, finalmente, na Universidade do Porto. Foi o primeiro Reitor desta Universidade, fundada em 1911. Membro de várias academias nacionais e internacionais, Gomes Teixeira defendia que os portugueses deviam publicar os seus trabalhos científicos noutras línguas que não o português, a fim de permitir a internacionalização. Mas deixou obra em português, onde ressaltam Curso de Análise Infinitesimal (1887‑1892), que influenciou o ensino da Análise em Portugal, e História das Matemáticas em Portugal (1934). Por outro lado, o seu Tratado das Curvas, escrito em castelhano, foi premiado pela Academia das Ciências de Madrid em 1900. Uma versão melhorada saiu em língua francesa, pela Academia de Ciências de Paris em 1917, sendo ainda hoje uma das obras de referência sobre a teoria clássica das curvas (teve modernas reedições em Nova Iorque em 1971 e em Paris em 1995). Gomes Teixeira fundou em 1877 os Anais Scientificos da Academia Politécnica do Porto.

 Mas um outro nome notável, também com reconhecimento internacional, foi o do químico António Ferreira da Silva, tal como Gomes Teixeira formado em Coimbra, que se especializou em Química Analítica e instalou em 1884 o Laboratório Químico Municipal do Porto, onde efectuou numerosas análises de águas. Em 1911 fundou a Sociedade Portuguesa de Química, que publicou a Revista de Química Pura e Aplicada.

Outros professores da Academia Politécnica do Porto foram os físicos José Vitorino Damásio, introdutor do telegrafo em Portugal (1853), Adriano Paiva, percursor mundial do conceito de televisão (1878), o zoólogo Augusto Nobre, zoólogo, irmão do poeta do “Só”, António Nobre”, o botânico Gonçalo Sampaio e o geólogo Carlos Ribeiro, co-director com Pereira da Costa da Comissão Geológica de Portugal, fundada em 1858.

 As Escola Politécnicas em Lisboa e no Porto formaram os homens práticos de que o país precisava num tempo marcado pelo triunfo da Revolução Industrial. No entanto, pese embora toda a sua meritória actividade científica e técnica, que se somou à que prosseguiu na Universidade de Coimbra, não se pode dizer que o século XIX português tenha sido na ciência um período de grande luz. A ciência e a técnica vinham principalmente de fora. Essas Escolas seriam, em 1911, transformadas nas Faculdades de Ciências das duas novas Universidades, a de Lisboa e do Porto. No meio de muitas dificuldades, os embriões de ciência plantados no século XIX haveriam de continuar a florescer e dar frutos no século seguinte.

Nota: Texto, tal como os anteriores desta série adaptado de Carlos Fiolhais, História da Ciência em Portugal, Lisboa: Arranha-Céus, 2013.

domingo, 30 de março de 2014

A FEBRE DAS PARTÍCULAS

Já está nos cinemas internacionais o documentário sobre o CERN e a descoberta da partícula de Higgs. Deixo aqui o trailer, esperando que seja possível ver o filme em Portugal.

SOBRINHO SIMÕES SOBRE O ESTADO DA INVESTIGAÇÃO EM PORTUGAL


O médico e investigador Manuel Sobrinho Simões tem sido uma das vozes mais lúcidas sobre a actual política científica em Portugal. No último número do jornal "Ensino-Magazine" dá uma entrevista em que volta a pôr o dedo na ferida. Transcrevemos algumas respostas remetendo para o sítio do jornal para o resto:

 P- Corremos o risco de recuar décadas com o desinvestimento em investigação científica em Portugal?

R- Sim, e quando isso suceder deixaremos de ser uma sociedade do mundo ocidental.

P- Paul Nurse, Prémio Nobel da Medicina em 2001, disse ao jornal "i" que «cortes nas bolsas dá ideia de que fazer ciência é como jogar no casino». Concorda?

R- Concordo, pois houve concursos em que a taxa de aprovações oscilou entre 5 e 9 por cento. Isto é entre 20 candidato foi escolhido um ou, quando muito, dois. Dado o nível muito bom da maioria das candidaturas, a seleção de um ou dois em 20, 21 ou 22 é pura sorte, do género "moeda ao ar". A coisa é ainda pior se nos lembrarmos da falta de transparência nos concursos. Não sei como Paul Nurse caracterizaria a situação se soubesse disto mas calculo que não faria uma apreciação simpática acerca da competência desta equipa da FCT.

P- Milhares de jovens qualificados abandonam terras lusas em busca de uma oportunidade noutras paragens. É uma geração promissora, e com formação ministrada e paga "made in Portugal", que vai contribuir para a riqueza e o progresso de
outros países. Sente-se frustrado quando se admite, de forma resignada, que este país não é para jovens?

R- Sinto-me mais assustado e triste do que frustrado. Esses jovens são bons, estão bem preparados e vão triunfar na sua grande maioria. Tenho muita pena que os benefícios desse triunfo não se reflitam diretamente em Portugal. Mas nós, que vivemos em democracia há 40 anos e já elegemos não sei quantos governos, deixámos que o sistema partidocrático se estabelecesse e se esclerosasse, isto é, somos todos nós os principiais culpados da situação.

P- O tridente investigação - universidade - emprego está seriamente ameaçado?

R- Está. Sobretudo se as empresas não decidirem incorporar mais valor nos  seus processos e melhorar a qualidade dos seus recursos humanos, e se as universidades e os institutos de investigação, pelo seu lado, não conseguirem interagir mais entre si e com as empresas. Além da fragilidade do nosso tecido empresarial é impressionante a dificuldade que as universidades têm sentido para incorporar harmónica e sinergicamente, no seu seio, os institutos de investigação e os institutos de interface. Espero que os bons resultados que decorrerão, espero, da integração plena do "I3S" no tecido "Facultário" da Universidade do Porto se torne um exemplo concreto das vantagens deste processo para todas as instituições envolvidas, sejam faculdades, sejam institutos de investigação, sejam hospitais, sejam empresas do universo do Health Cluster. É claro que para tal será necessário que o atual modelo de consórcio dê lugar a uma única instituição de investigação, inovação e pós-graduação.

P- Disse que esteve governo estava a fazer uma «destruição criativa». De que modo?

R- Ao fragilizar as instituições de ensino superior e de investigação de uma forma cega, com cortes transversais muito acentuados, o governo está a destruir o "tecido". Isto é, o governo não fez qualquer avaliação institucional, nem se preocupou em proteger e consolidar o que funcionava e reformular e/ou extinguir o que não funcionava. O "criativo" vem da crença que é possível importar uma dúzia de génios e pô-los a florescer numa terra de ninguém.

P- Afirmou em entrevista que nos concedeu há cerca de seis anos que «a grande revolução em Portugal vai acontecer quando conseguirmos que as atividades letivas nas escolas, nos liceus e nas universidades tenham uma forte componente científica». Continuamos distantes desse momento?

R- Estamos infelizmente muito mais afastados, não só por razões financeiras - maior número de alunos por turma e menos dinheiro para disciplinas de laboratório - como também pela contínua destruição do entusiasmo e da autoridade dos professores. É trágico que em Portugal se dê mais importância ao "saber retórico" do que ao "saber fazer" (passe a vulgata) e que não tenhamos percebido que a Ciência (e as Ciências) é (são) o elemento mais determinante da cultura do século XXI.
(...)
P- Por sermos um país com um défice de cientificidade, impera o senso comum, a retórica e as opiniões avulsas das dezenas de treinadores de bancada que enchem os ecrãs televisivos. Esta forma de estar, para além de raízes culturais, tem na base lacunas educativas de muitas décadas?

R- São todos os fatores que enumera (e mais alguns), em conjunto, que explicam o "estado-das-coisas". As lacunas educativas de muitas décadas condicionam a nossa cultura e a nossa prática. Sempre fomos um país pequeno, periférico, marítimo, pobre, com bom clima e mau solo. Orograficamente muito difícil, com "montes e vales". Neste caldo desenvolvemos uma sociedade de altíssimo contexto (somos todos primos, genros e cunhados uns dos outros, e associamo-nos em sociedades secretas ou semi-secretas de diferentes matizes que se estendem do religioso ao politico), habitada por uma gente desconfiada e minifundiária. A escravatura associada aos Descobrimentos e a Inquisição são duas nódoas particularmente negras na nossa história. É natural que a religião católica tenha contribuído para o tal "estado-das-coisas", não tendo conseguido impor a importância dos valores. As elites também não e os partidos políticos ainda menos. O altíssimo contexto e a promiscuidade tornam impossível distinguir o essencial do acessório e acabaram, se é que elas alguma vez existiram, com a avaliação idónea e a recompensa ao mérito. Acho que merecemos ter os "reality shows" que temos, assim como treinadores de bancada e comentadores às dúzias, para já não referir os mentirosos esporádicos ou compulsivos que a sociedade tolera e muitas vezes premeia. É pena porque há muitos jovens portugueses que são (muito) inteligentes e trabalhadores e poderiam ser diferentes se nós fossemos diferentes. Não somos.

sábado, 29 de março de 2014

O LIVRO "O LEITO DE PROCUSTO", A REVISTA KAPA E A DIREITA PORTUGUESA CONTEMPORÂNEA


Por vir referenciado o meu livro “O leito de Procusto: Crónicas Sobre o Sistema Educativo” (Outubro /2005),  num dos primeiros números da Revista Kapa, julgo de interesse explicar a razão da minha escolha deste título reportando-me a excertos da referida obra:

“Em nome de uma pretensa democracia, que anula toda e qualquer diferença e posterga todo e qualquer valor, procedeu-se a uma igualização de indivíduos totalmente diferentes na sua formação académica. No caso dos professores, isto foi conseguido através do ‘Leito de Procusto’, (uma cama de ferro onde o salteador da Àtica atenazava as suas vítimas) havido, em sugestiva alegoria, como toda a regra odiosamente mesquinha ou tirânica.

Ergo, que melhor pia baptismal e nome mais apropriado para titular este livro? Consequentemente, os responsáveis pelas normas estatutárias de uma mesquinha e tirânica carreira docente devem assumir a responsabilidade do mal-estar por parte dos professores habilitados com uma licenciatura universitária serem metidos  no mesmo fato ‘prêt-a- porter’ com  educadores de infância e  professores dos dois primeiros ciclos do ensino básico, de posse de diplomas do ensino politécnico ou nem isso.

Ainda que só em mero raciocínio ‘ab absurdo’. Que diria o leitor no caso de serem incluídos no referido Estatuto da Carreira Docente professores universitários com o mesmo estatuto remunerativo dos professores do 1.º ciclo do básico, por exemplo? Ridículo, não é? Mas não tanto como isso, se tomarmos em linha de conta, sem qualquer espécie de ‘parti pris’ ou desprimor pelos esforçados cabouqueiros do ensino das primeiras letras e,  muito menos, pelos que ascendem à cátedra ‘com sangue, suor e lágrima, que o ‘décalage’ entre determinada matéria  ensinada na universidade e ministrada no ensino secundário é bem menor que a diferença entre o bê-á-bá,   transmitido por um professor do 1.º ciclo do básico,, e a filosofia de Kant, ministrada no ensino secundário.”

Reporto-me, agora, a matéria insita na supracitada Revista Kapa,  transcrita no blog Malomil (!7/01/2014), passando eu a citar parte do  texto que serviu de base à intervenção oral de António Araújo, no Colóquio com o título “O estado das direitas na democracia portuguesa” (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Fevereiro de 2012). Assim:

“Em paralelo, num domínio mais profundo, o dos valores, das representações e das crenças sociais, começa a fazer-se um «ajuste de contas» com os pretensos excessos do PREC. A pedagogia, porque recebe o influxo de alguma obsessão da parentalidade e da preocupação colectiva com as «gerações que estamos a formar», é um dos barómetros mais precisos destas tendências sociais algo larvares ou subterrâneas. Em 1997, Maria Filomena Mónica publica Os Filhos de Rousseau (38). Gabriel Mithá Ribeiro dará à estampa A Pedagogia da Avestruz em 2003. Mais tarde, em 2006, Nuno Crato irá atacar o «eduquês» e a pedagogia romântica. Santana Castilho lançara em 1999 o Manifesto para a Educação em Portugal, Rui Baptista publicará em 2005 o livro O Leito de Procusto: Crónicas sobre o Sistema Educativo e, nesse mesmo ano, David Justino publica No Silêncio somos todos Iguais. A editora Gradiva, de Guilherme Valente (ele próprio, autor de uma obra recente intitulada Os Anos Devastadores do Eduquês, 2012), que publicou os títulos de Nuno Crato e David Justino, deu um importante contributo para um repensar crítico da Educação que ia, de alguma forma, num sentido «correctivo» dos excessos do PREC. É a David Justino que, enquanto Ministro da Educação (2002-2004), se deve a publicitação dos rankings dos estabelecimentos de ensino, os quais geraram polémica em alguns sectores docentes, que os consideraram «elitistas», mas foram acompanhados obsessivamente pelos pais e encarregados de educação, por vezes de forma acrítica, passional e imediatista.”

Em minha opinião, no âmbito do sistema educativo nacional, pasto farto de interesses políticos, os excessos do PREC tiveram o apoio incondicional de um sindicalismo fortemente conotado com o PC, perante a frouxa atitude de uns tantos titulares da 5 de Outubro, em negociações em que foram utilizados o murros em cima da mesa, o silêncio dos mudos ou a linguagem dos tartamudos. Ou seja, diversos ministros da Educação, desses conturbados tempos (e não só!), transigiram com as prepotências de um sindicalismo que proletarizou os docentes e guerreou, a ferro e fogo, a criação de uma Ordem dos Professores (com a ajuda do Partido Socialista e a inoperância do PSD) com o argumento, transcrito de textos da Fenprof, que fazia recair sobre os professores o anátema de não se preocuparem verdadeiramente com questões éticas. Escrevia este central sindical: “O campo de intervenção de uma Ordem restringe-se ao plano das questões ética e deontológicas que não são, para já, questões centrais das preocupações dos professores”.

E era aí, ainda acrescentado, como  se a Fenprof estivesse para isso mandatada, este suculento naco de prosa: “Os Sindicatos dos Professores têm sido e continuarão a ser espaços de análise e discussão das questões da ética e deontologia da profissão”.Argumento paupérrimo, de intervenção em seara alheia com foice desastrosa, que em nada contrapõe o acervo numeroso de textos meus em defesa de uma Ordem dos Professores, v.g., o livro “Do caos à Ordem dos Professores: Crónicas sobre O Sistema Educativo" (Janeiro/2004), artigos de jornal e posts que conheceram a luz do dia neste blogue.

Como se explica, portanto, o facto da Fenprof afirmar, de forma abusiva e generalizada, que os professores não se preocupam, em devido tempo, com questões éticas chamando a si própria essa importante função moralizadora, através de comícios e manifestações ruidosas, às portas das escolas, por vezes, com a presença dos respectivos alunos. Acções que de ética nada possuem por serem pautadas, por vezes, por um comportamento nada digno de aplauso porque, segundo António Nóvoa (1987), “o exercício de uma profissão faz apelos a normas e comportamentos éticos que orientem a prática profissional e as relações tanto entre os próprios práticos como entre estes e os outros actores sociais”? Esta, a questão!

DAS MONTANHAS ERGUIDAS A PARTIR DOS FUNDOS MARINHOS POR EFEITO DO “FOGO CENTRAL”, NA IDEIA DOS GEÓGRAFOS GREGOS DA ANTIGUIDADE, À APROXIMAÇÃO E COLISÃO DE PLACAS LITOSFÉRICAS, NA MODERNA CONCEPÇÃO TECTÓNICA GLOBAL

3.ª Parte (a 1.ª e 2.ª partes podem ser encontradas aqui
Imalaias

Lystrosaurus
Um conceito fundamental à moderna visão tectónica global é o de astenosfera, introduzido por Joseph Barrell (1869-1919). Este geólogo americano dos United States Geological Survey, no Estado de Montana, definiu esta entidade como uma camada geosférica, profunda e menos rígida, do manto superior terrestre, mantida num estado de plasticidade que, sabe-se hoje, não só promove e alimenta o vulcanismo, como permite a mobilidade das placas litosféricas, os reajustamentos isostáticos e toda a série de processos geodinâmicos daí decorrentes. Barrell desenvolveu ainda o conceito de litosfera, como sendo a geosfera rochosa mais externa, formada pela crosta e pela parte superior, rígida, do manto. Como pioneiro na geocronologia isotópica, num tempo em que as técnicas radiométricas em uso eram olhadas com muita desconfiança, Barrel contribuiu com mais este seu domínio de investigação para o avanço da geologia que hoje se pratica. É com Alfred Lothar Wegener (1880-1930), meteorologista alemão, que se desenvolve o capítulo mais conhecido da geologia que se refere às translações continentais. Interessado pela geofísica, pela meteorologia e pela climatologia, participou, em 1906, numa expedição à Gronelândia, visando investigar a circulação das massas de ar polar. Esta experiência abriu-lhe as portas da Universidade de Marburgo, onde trabalhou como assistente. Aqui, durante uma sua pesquisa na biblioteca da Universidade, em 1911, Wegener deparou com um artigo científico, no qual se afirmava que fósseis de antigos animais (Cinognatus, Lystrosaurus, répteis mamalianos do Triásico) e de plantas (Glossopteris) idênticos haviam sido encontrados em lados opostos do Atlântico.

Cinognatus
Estimulado por este facto, iniciou uma série de estudos que conduziram à teoria que o celebrizou, com o mérito de a ter concebido e divulgado como tal, no seio de uma comunidade científica ortodoxa, marcada pelas ideias fixistas. Nessa época, para explicar uma tal identidade de fósseis de um e outro lado do oceano, acreditava-se na existência de pontes terrestres, intercontinentais, hoje submersas que, em tempos recuados, haviam ligado os continentes. Profundamente impressionado pelo facto, já anteriormente notado (por Ortels, Lomonosov e Snider-Pellegrini), de as costas de África e da América do Sul se encaixarem, como num puzzle, Wegener admitiu, então, que a citada identidade de fósseis poderia ser explicada, não pelas fantasiosas pontes terrestres, mas pelo facto de estes continentes terem estado unidos no passado. Era o mobilismo a tentar pôr fim ao fixismo.

Para ser entendida e aceite como uma teoria, esta ideia da deriva dos continentes necessitava de um conjunto suficiente de provas que a suportassem. E Wegener reuniu essas provas, juntando-as às que obtivera em Marburgo. Descobriu então que os terrenos que formam os Montes Apalaches, na América do Norte, tinham continuação nas Terras Altas da Escócia e que uma dada série estratificada, na África do Sul, era idêntica a uma outra conhecida em Santa Catarina, no Brasil. A estes argumentos, acrescentava-se a existência de vestígios de antigos glaciares em várias regiões do mundo (nomeadamente, África do Sul, extremo sul da América do Sul, Madagáscar e Índia), facto que o levou a admitir que, no passado, essas regiões teriam ocupado uma posição muito mais meridional, próxima do Pólo Sul. Wegener tomou ainda conhecimento de fósseis de plantas inequivocamente tropicais (fetos arbóreos) recolhidos em terrenos hoje sob climas frios, com é a ilha de Spitzberg, no Árctico.

A Pangea no Carbónico (em cima) e a 
sua evolução até o Quaternário (em baixo)
Na sua obra sobre a Origem dos Continentes e Oceanos, editada em 1915 (com mais três edições em 1920, 1922 e 1929), Wegener defendia que, há cerca de 300 milhões de anos, os continentes teriam estado unidos num único supercontinente, a que deu o nome de Pangea, rodeado pelo também único oceano, que referiu por Pantalassa.

Segundo ele, a Pangea fragmentou-se em massas continentais que andam "à deriva" desde então. É certo que Wegener não foi o primeiro cientista a sugerir que os continentes estiveram ligados no passado e que, depois, se afastaram ente si, mas foi ele o primeiro a reunir os dados científicos disponíveis e, com eles, elaborar uma hipótese com o potencial de uma teoria, utilizando argumentos geográficos, geológicos, paleontológicos e paleoclimáticos. Porém, incapaz de explicar as forças motoras da translação de tão grandes massas continentais, a concepção wegeneriana não resistiu às ideias fixistas e às objecções da comunidade científica da época (em especial, a norte-americana), sendo votada ao esquecimento por cerca de meio século.

Um dos primeiros apoiantes da teoria de Alfred Wegener, foi Émile Argand (1879-1940). Suíço de nascimento, abandonou a carreira médica para se dedicar, a tempo inteiro, à geologia, de que foi figura de relevo, tendo sido professor de Geologia na Universidade de Neuchatel, de 1911 a 1940, onde fundou o Instituto Geológico. Especialista em tectónica das regiões montanhosas, esteve entre os primeiros a compreender os mantos de carreamento. Na continuação do pensamento de Suess, Argand admitia que a colisão continental era a que melhor explicava a formação dos Alpes, ideia que extrapolou para o continente asiático. Precursor de uma visão global da geologia e em firme oposição ao fixismo aceite pela comunidade científica de então, propôs o conceito de mobilismo, como afirmação dos movimentos laterais da litosfera ou da crosta associados à deriva continental sem, contudo, os explicar. O seu livro Tectonics of Ásia, publicado em 1924, é um marco no estudo das montanhas

Um outro apoiante da deriva dos continentes foi o geólogo e engenheiro de minas sul-africano Alexander du Toit (1878-1948). Beneficiando de uma bolsa da Carnegie Institution, de Washington, em 1923, percorreu a orla oriental da América do Sul, no propósito de confirmar a correspondência da geologia desta margem do Atlântico com a geologia da orla ocidental de África. Desta sua pesquisa resultou a publicação, em 1927, de uma notável exposição das evidências estratigráficas e geocronológicas de apoio às ideias de Wegener. Na sua publicação mais conhecida, 1937, e du Toit ampliou o seu trabalho de 1927.

Partindo do conceito de Pangea de Wegener, propôs que este supercontinente se separou em duas grandes massas continentais, a Laurásia, a norte e a Gondwana (tal como a definira Suess), a sul, separadas pelo mar de Tétis (de Tethys, deusa grega das águas, filha de Úrano e Gaia, irmã e esposa de Oceano). Posteriormente estas duas massas ter-se-iam dividido em unidades menores e constituído os actuais continentes: América do Norte e Eurásia, a norte, e América do Sul, África, Índia, Austrália e Antárctida, a sul. Entretanto, em Inglaterra, o professor de geologia na Universidade de Edimburgo, Arthur Holmes (1890-1965) foi um dos mais prestigiados cientistas que procurou fazer sair do esquecimento a deriva continental de Wegener. E fê-lo, concretamente, ao dar ênfase à existência de correntes de convecção térmica no manto terrestre, sugeridas pelo Reverendo Osmond Fisher, em 1881, susceptíveis de mover a crosta à superfície, ideia que constituiu um dos pilares da tectónica de placas.

Correntes de convecção no manto
Físico de formação, trocou a física pela geologia, tendo sido pioneiro da geocronologia isotópica e o primeiro responsável pela revisão e aperfeiçoamento da escala do tempo geológico (escala cronostratigráfica). Esta sua outra contribuição para o progresso do conhecimento do tempo geológico em termos absolutos, foi o outro pilar que, como se verá, deu corpo à referida teoria da tectónica de placas.

Em 1931, Holmes empreendeu a tarefa de apoiar algumas ideias antigas dos geofísicos, propondo uma explicação dinâmica de vanguarda, muito próxima do modelo actualmente aceite. Segundo ele, o vulcanismo não era suficiente para dissipar o calor interno da Terra, quer o remanescente da sua origem como planeta do sistema solar, quer o produzido pela desintegração de certos radionuclídeos, como o 235U, 238U, 232Th, 40K e outros. Holmes supunha que este calor seria suficiente para criar as ditas correntes de convecção e que estas, extremamente lentas (na ordem de escassos cm/ano), teriam sido, por exemplo, a causa da rotura ao nível dos continentes, separação dos blocos continentais de um e outro lado desse acidente e subsequente deriva. Numa recuperação das ideias de Fisher, como se disse, dignas de registo, Holmes lembrou que os materiais do manto, sobreaquecidos em certas zonas do globo, ascendem (dizemos nós, agora, nos riftes), migram horizontalmente e, por fim, voltam a mergulhar até ao interior da Terra (dizemos nós, agora, nas zonas de Benioff). Segundo ele, a referida rotura teria atingido a Pangeia e separado os continentes que hoje marginam, a Este e Oeste, o Oceano Atlântico.


Em 1927, o sismólogo japonês Kiyoo Wadati (1902-1995) demonstrava que muitos sismos ocorriam em locais bastante profundos da crosta terrestre. Mais tarde, na década de 1950, o norte-americano Hugo Benioff professor no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e sismólogo notável, verificou que esses locais se situavam quase sempre na vizinhança das fossas oceânicas. Verificou, ainda, que os focos desses sismos se aprofundavam à medida que se afastavam da fossa, no sentido do continente. Esta descoberta permitiu conceber um modelo hoje bem conhecido, explicado e aceite, segundo o qual, num processo geodinâmico conhecido por subducção, uma porção da litosfera oceânica mergulha ao longo de um plano inclinado a que foi dado o nome de plano ou zona de Benioff-Wadati, uma das fronteiras de placas sobre as quais assenta a tectónica global.


Em 1939, David Tressel Griggs (1911-1974) explicava a formação das montanhas (orogénese) pela existência de correntes de convecção do manto tal como as definira Arthur Holmes, oito anos antes. Este geofísico americano, certamente influenciado pelo conceito de geossinclinal dos seus colegas e conterrâneos, James Hall e James Dana, admitia que, numa faixa de convergência, no lado descendente deste tipo de correntes se formava uma depressão alongada que se enchia de sedimentos, constituindo uma massa de materiais erodidos, oriundos das terras emersas de ambos os lados e, portanto, menos densa (na ordem de 2,7) do que o substrato oceânico (com uma densidade na ordem de 2,9) em que se afundara. Se o afundamento atingisse profundidade suficiente (alguns quilómetros) as temperaturas e as pressões tornariam plásticos (dúcteis) os materiais que à superfície são rígidos.

Terminada a convecção, esta massa tenderia a elevar-se para alcançar o inevitável equilíbrio isostático. Segundo Griggs, a convecção criava a bacia de sedimentação e a isóstase, ao elevar os sedimentos ali acumulados, gerava a correspondente cadeia montanhosa. Parte da resposta às grandes interrogações dos geólogos dos séculos XVIII e XIX - a elevação de uma cadeia de montanhas - estava dada. Esta formulação de Griggs permitiu associar as dorsais oceânicas às directrizes coincidentes com faixas de encontro de correntes de convecção ascendentes, e as zonas de subducção, às faixas de encontro das correntes de convecção descendentes.

(Continua aqui)
A. Galopim de Carvalho

Da publicidade que utiliza a arte à publicidade que produz arte

Texto na continuidade de outro: aqui.

Certo artista foi contactado para fazer um grande mural. O parque de uma cidade portuguesa era o destino. Aceitou.

A sua inspiração foi a fotografia de um rapazito que, descalço, andava, há quase oitenta anos, pelas ruas dessa cidade apregoando a venda de pássaros.

A recente inauguração desse mural teve pompa e muita comoção: o rapazito agora, nos noventa, foi descoberto e compareceu; a presidente da Câmara esteve presente e contribuiu com a devida solenidade; as pessoas do costume deram um toque público ao acto; e... o director-geral da empresa - sim, empresa - que encomendou a obra, "no âmbito de uma estratégia promocional do novo Centro Comercial" qualquer-coisa, teve destaque.

Parece que declarou: "Quisemos desenvolver uma série de atividades na região que envolvessem a população e que, de alguma forma, transmitissem a nossa forma de estar nos sítios onde temos unidades comerciais, em que procuramos ter uma atividade ativa a nível social e de sustentabilidade, desenvolvendo muitos projetos com a comunidade"

O "negrito"é meu - a arte para transmitir a "forma de estar" da empresa "onde tem unidades comerciais" - para salientar que o parque de uma cidade é um espaço público, de todos, portanto, que não deveria ser apropriado por uma entidade privada que tem "uma forma de estar", a qual, nessa medida, impõe aos demais e com (legítimos) fins últimos que não são os estéticos. Apresentam-se como tal, mas são económicos.

O problema (e aqui há um problema) não é da empresa, é das entidades camarárias que, sendo, repito, públicas deviam agir em conformidade. Porém, em tempos em que tudo se mistura e confunde, a senhora presidente "salientou o empenho da [tal empresa] na promoção de atividades culturais, a par da atividade comercial que desenvolve no concelho e que, ainda este ano, será reforçada com a inauguração do centro comercial".

A arte serve para tudo, menos para servir como fim a si própria. Isso já se sabe.

E, em sociedades pretensamente intelectuais, ela é, tenho de admitir, muito apetecível como objecto publicitário, tanto para convencer, como para comover e ainda para agradecer a quem no-la proporciona a custo zero: usa-se a que já existe ou, se for preciso, produz-se, e à medida.

A notícia em que me baseei pode encontrar-se aqui.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Um país de navegadores?


Com a devida vénia, destaco a opinião de João Pereira Coutinho no "Correio da Manhã" de hoje sobre a restrição ao uso de algumas partes da Internet na escola. Concordo com os que têm afirmado que o Ministério da Educação devia afirmar claramente que a Internet não pode ser usada indiscriminadamente na escola: por exemplo, os telemóveis deviam ficar à porta da sala de aula. Não é uma questão técnica de sobrecarga de rede, mas uma questão pedagógica, de sobrecarga de cabeças.

Navegadores
João Pereira Coutinho

Qualquer professor conhece a tortura: durante as aulas, enquanto o docente disserta, o aluno navega. Com o computador, o tablet, o telemóvel - as opções são infinitas. A paciência do professor não é. Por isso merece aplauso a intenção de Nuno Crato de limitar o uso da internet na escola.

Porque existe sobrecarga na rede ? Admito. Mas o Ministério devia ir mais longe e afirmar, sem medo, que se os discentes querem brincar no Facebook, podem fazê-lo em casa. Ou no recreio. Mas a custo próprio.

Quanto às acusações de 'censura digitai; elas fazem tanto sentido como acusar um professor de ' censura oral' por proibir o falatório entre a turma: se uma disciplina de informática precisa de usar a internet, isso não autoriza o alargamento do método às restantes disciplinas. Se assim fosse, nada impediria que, depois da ginástica, o aluno não continuasse aos saltos em plena aula de matemática.  

Correio da Manhã 2014.03.27

EXPERIÊNCIA ARTÁRCTIDA


Acaba de sair na colecção Ciência Aberta da Gradiva, que dirijo, um livro sobre um dos cientistas polares portugueses mais activos e conhecidos, José Xavier, investigador das Universidades de Coimbra e de Cambridge. Publico aqui um extracto da Introdução, felicitando o autor que agora se encontra na Nova Zelândia, nos antípodas:

"Nunca esperei vir a escrever este livro. Mas ele aqui está. Incrivelmente, nasceu, por um processo natural, da experiência que mais me marcou na vida: a experiência do meu trabalho de investigação na Antárctida. Por um lado, tinha o registo feito na altura, sob a forma de blogue, da minha vida quotidiana nesse lugar extremo do planeta. Por outro lado, proferi, a convite, numerosas palestras em escolas básicas, secundárias e superiores, no nosso país e no estrangeiro, durante o Ano Polar Internacional, um programa científico e educacional realizado em 2007-2009 sob a égide do Conselho Internacional para a Ciência (International Council for Science, ICSU) e da Organização Meteorológica Mundial (World Meteorological Organization, WMO), na sequência de outros anos internacionais semelhantes realizados desde 1882. No decurso dessa actividade de divulgação, foi a certa altura óbvio para mim que me estava a repetir quando respondia às mesmas questões, sempre eivadas de curiosidade, de muitas pessoas, especialmente jovens, a respeito da região antárctica.

O meu projecto de livro foi-se tornando claro: era necessário deixar escrito, para todos os possíveis interessados, como é viver na Antárctida e como é fazer ciência polar, na perspectiva de um cientista português que lá viveu durante nove meses seguidos. Eu acredito que a vida se torna bem mais interessante se soubermos o que se passa à nossa volta para além do pequeno círculo da nossa vida quotidiana, como dizia o meu supervisor e mentor da Universidade de Cambridge, Professor Martin Wells.

Muitas vezes ouvi expressões de admiração, espanto e mesmo fascínio quando falava da Antárctida (região que reúne a parte continental da Antárctida e o oceano que a circunda, o Oceano Antárctico). Diziam-me: «A Antárctida deve ser fantástica!» E, não duvidem, é mesmo! Esta é a conclusão que eu gostava que os leitores extraíssem do livro. Gostaria que tomassem consciência de que existe uma região muito especial do nosso planeta, uma região que nos proporciona muitas emoções assim como vários enigmas para resolver. Os leitores agiriam provavelmente como eu, se tivessem vivido a minha situação de explorador nas frias paragens do extremo sul: não só tentariam tirar o máximo proveito desta experiência pessoal, como procurariam comunicá- -la ao maior número possível de pessoas.

Este livro pretende documentar a mais longa expedição científica de sempre realizada por um português na região antárctica. Não só relata os objectivos científicos dessa expedição, abordando questões actuais e pertinentes sobre as regiões polares, como também dá conta do quotidiano na Antárctida. Vivi lá ao longo de um período total de nove meses em 2009, numa expedição que começou com um cruzeiro científico no Mar de Scotia a que se seguiu uma estada numa ilha antárctica (biologicamente é uma ilha antárctica, mas geograficamente é considerada subantárctica), a Bird Island. O livro baseia-se em grande medida nas crónicas diárias ou semanais que escrevi e divulguei na internet durante essa expedição e que fui depois editando por vários sítios do planeta, mas principalmente nas cidades de Cambridge, São Francisco, Paris e Coimbra. Pretendi que o livro contivesse várias facetas, oferecendo aspectos diferentes conforme a maturidade do leitor. Quero que os leitores adultos obtenham, a partir das minhas palavras, uma visão de um mundo que não lhes é imediatamente acessível e que é bastante diferente do mundo do seu dia-a-dia. Para esses, os conteúdos desta obra poderão servir de tema de conversa no círculo de amigos ou no seio da família. Desejo também que os jovens se sintam inspirados ao conhecer a vida de um cientista num sítio estranho, de modo que dêem sempre o seu melhor na escola, qualquer que seja o ramo dos seus estudos e, portanto, a profissão que vierem a escolher. Oxalá este livro possa ser alvo de um aproveitamento didáctico em escolas, museus e centros de ciência. E desejo ainda que os mais pequenos possam ler ou escutar algumas das histórias aqui contadas, enquanto vêem as fotografias de interessantes animais longínquos. Na verdade, espero que todos, de uma maneira ou de outra, se possam rever neste livro e dele beneficiem.

Boa leitura e bem-vindos à experiência antárctica!"

José Xavier

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...