terça-feira, 24 de setembro de 2013

O PADRE ALFREDO DINIS E A RELIGIOSIDADE PANTEÍSTA DE EINSTEIN

O recente falecimento do Padre Alfredo Dinis, aqui justamente homenageado no post publicado ontem pelo Professor Carlos Fiolhais, traz-me à lembrança o meu atrevimento  em entrar pelo domínio de assuntos teológicos e, principalmente, a humildade de um espírito superior em responder a um meu comentário insito no meu post “Então e a alma?” (07/05/2010).

Transcrevo o meu comentário e a resposta do Padre Alfredo Dinis pela lição que dela colhi em proveito próprio e dos (im)prováveis leitores desse meu post  Assim:   

"Meu Caro Alfredo Dinis:

Começo por lhe agradecer todos os seus comentários que lustraram o meu post, dando-lhe uma dimensão que inicialmente julguei não ter ou pretendi, sequer, que tivesse.

Felizmente, encontrei em si um espírito clarificador de pontos que a minha não formação teológica possa ter deixado (ou deixou mesmo) na penumbra da minha ignorância. Embora sabedor do risco que corro da desacreditação do intuito que presidiu à redacção do meu post, declaro, desde já, que não pretendi ir além da sandália ao contrário do sapateiro que depois de criticar a fivela de um quadro do famoso pintor da antiguidade grega, Apeles, quis ir mais além censurando aspectos pictóricos e, com isso, dando azo, à expressão latina: “Ne sutor ultra crepidam [judicaret].”

Mas o “leitmotiv” do meu post foi a impressão em mim deixada por uma criança (com formação religiosa católica?) perante o facto de a neurofisiologia das “coisas” do cérebro lhe terem criado o pânico da denegação da alma. Se verificar,meu Caro Alfredo Dinis, mesmo em adultos se confunde o pensamento (com base biológica na matéria) com a incorporaleidade da alma.


Quando se discute a relação entre Religião e Ciência, sei que se deve deixar de parte a posição da Igreja medieval ao defender a teoria heliocêntrica que tinha a Terra a orbitar o Sol, o falar das profundezas do inferno e das terríficas penas ao pecadores ou o planeta que pisamos como o único planeta do universo habitável por seres pensantes, o Homem. Homem que, como escreveu o filósofo Blaise Pascal, “ é apenas uma palha, a coisa mais fraca na Natureza, mas é uma palha ‘pensante’”.A esta apreciação acrescento, uma vez mais, a de um cientista, Henri Poincaré: “O Homem representa apenas um pálido clarão na tempestade da vida, mas esse clarão è tudo”.


E aqui registo a opinião de Ian Barbour, físico e teólogo, quando nos diz: “Há mais complexidade na mente humana do que em mil galáxias ou planetas sem vida”, pressupondo, como tal, na sua condição de teólogo moderno haver vida para além daquela que conhecemos. Aliás, Shakespeare, no Hamlet, o deixou expresso: "Há mais coisas nos céus e na terra, Horácio, do que sonha a tua filosofia".

Este um facto incontroverso. Sempre que se fala de Einstein vem à baila a sua discutível crença religiosa respaldada nas muitas afirmações que fez tendo Deus como “personagem”. Quando Abraham Pais, da Universidade Rockfeller, foi entrevistado por Russel Stannard, autor do livro “Ciência e Religião”, à pergunta se este cientista “acreditava em Deus, um Deus pessoal, ou se era apenas uma maneira pitoresca de se referia às leis da natureza”, respondeu:

- “Quando Eistein tinha cerca de seis anos passou por um intenso período de sentimentos religiosos, sentimentos religiosos convencionais. Não comia carne de porco, coisas do género [aliás proibidas pelo judaísmo]. Isto durou um ano, e depois desapareceu; ele não acreditava num Deus pessoal, num Deus que castiga ou recompensa.”

Insistiu Russel Stannard: - “Então que queria ele dizer ao usar a palavra ‘Deus’ numa fase posterior?”

Esclareceu o interrogado: -“Oh, apenas um conceito abstracto. Significava que a natureza se manifesta de formas extremamente regulares; que há leis da natureza. E que estas leis têm que ser descobertas e reveladas, Era nesse sentido que ele utilizava a palavra, nem mais, nem menos. A parte essa breve fase na sua infância, nunca foi um homem religioso em toda a sua vida”.

Mas bastará este testemunho para clarificar o pensamento “religioso” de Einstein? Por seu lado, a própria Igreja, com a sua fé inabalável vai abrindo os braços às conquistas da Ciência que os próprios cientistas reconhecem não serem imutáveis pela refutabilidade que lhe atribui Karl Popper, e por eles próprios aceite com humildade. Como escrevi no meu post, a fé não é explicável nem pode de ser explicada. Afirma-o o próprio Santo Inácio de Loyola: “Para aqueles que crêem nenhuma explicação é necessária; para aqueles que não crêem nenhuma explicação é possível”.

Mas a questão fulcral parece-me agora residir no panteísmo de Einstein, que aceita um criador sem ser o Criador que criou o Céu e a Terra.Para melhor me situar, que espécie de panteísmo “encaixa” no pai da Relatividade, que revolucionou o mundo da Física, palavra empregue pela primeira vez, no século XVIII, por John Toland para designar aquilo que hoje se atribui “ao sistema filosófico que admite na natureza uma única substância, que é Deus e todos os seres modalidades particulares da substância divina”?

Panteísmo que mereceu a atenção de Platão, retomada, mais tarde, por João Escoto Erígeno em que a sua doutrina, embora fundada na revelação divina, é impregnada de espírito oriental , das ideias platónicas e da Astrologia. Sob o risco de errar, julgo enquadrar-se o panteísmo de Einstein em Giordamo Bruno, precursor de Espinosa, e do panteísmo moderno, ao opor a religião da natureza ao cristianismo, tendo Deus como o ser universal em que tudo subsiste, que se transforma em todas as coisas e com elas constitui uma única realidade.


Mas isto são questões que me transcendem pedindo-lhe, como tal, meu Caro Alfredo Dinis, o esclarecimento das dúvidas que a pessoa de Einstein me levantou, e levanta, possivelmente a muitos leitores, e a que eu me sinto incapaz de dar uma resposta que me satisfaça a mim próprio, e muito menos aos possíveis leitores deste meu comentário que eu tenho, de certo modo, atrevido.


Finalmente, conhecedor da obra do Padre Luís Archer (embora sem a profundidade que seria desejável), desconheço, em absoluto, a obra do Padre Lemaitre que cita no seu comentário. Seria atrevimento da minha parte pedir-lhe, que me desse a conhecer, com o espaço que um comentário comporta, mas se necessário dividido em duas partes, a teoria do big bang por ele intuída?"
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"Caro Rui Baptista,
Sobre a religiosidade panteísta de Einstein, não tenho nada a acrescentar. Uma vez que ele considerava inaceitável a existência de um Deus pessoal, a modalidade do seu panteísmo é talvez uma questão académica. No que se refere a Lemaître, deixo-lhe aqui uma passagem da Verbo, de natureza biográfica, e outra de uma das suas obras:

Georges Lemaître, astrofísico e matemático belga (Charleroi, 17.7.1894 - Lovaina, 20.6.1966) que, em 1927, «apresentou a sua hipótese cosmogónica, segundo a qual toda a matéria que constitui o Universo se encontrava originalmente fortemente condensada, a uma temperatura extremamente elevada, num átomo único com 100 milhões de quilómetros de diâmetro — o «átomo primitivo» — e que se teria desintegrado devido a uma violenta explosão, dispersando-se em todos os sentidos e dando origem aos diversos corpos celestes que actualmente o formam» (Enciclopédia Verbo-Edição Século XXI).

“Podemos comparar o espaço-tempo a uma taça cónica aberta… A base da taça é a origem da desintegração cósmica; é o primeiro instante na base do espaço-tempo, o hoje que não tem ontem porque ontem não havia espaço” (Georges LeMaitre, The Primeval Atom: An Essay on Cosmogony, Gonseth, 1950.

Cordiais saudações,

Alfredo Dinis”.

Mal sabia eu então que a personalidade que respondia aos meus comentários, com a simpatia de um tom coloquial, era o antigo director da Faculdade de Filosofia de Braga, "ipso facto", por mim  tratado com a familiaridade de "meu caro Alfredo Dinis, que descia da cátedra para me ministrar uma lição da qual tirei grande proveito  que ora ponho em devido e merecido destaque, fazendo sair da penumbra de simples e simpático comentário para proveito de quem dela tenha beneficiado no passado com leitura do meu post: “Então e a alma?” E dessa lição possa vir a beneficiar, hoje inquinada que não está pela leitura  desse meu irreverente texto que tive, como reconheci já então,  como o atrevimento de um sapateiro que vai além da chinela!

2 comentários:

Anónimo disse...

O título deste post está obviamente errado. Não é António Dinis mas sim Alfredo Dinis.

Rui Baptista disse...

Grato pela chamada de atenção para o "lapsus calami" do título do meu post de que me penitenciei - rectificando-o.

Cumprimentos cordiais.

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