terça-feira, 10 de setembro de 2013

COMO GOVERNAR UM PAÍS

Introdução ao livro de Cícero, com o título de cima, que acaba de sair na Gradiva:

 «Tenho a impressão de ler a história de todas as épocas e países em cada página — e especialmente a história do nosso país dos passados quarenta anos. Mude-se os nomes e cada episódio ser-nos-á aplicável.» 

 JOHN ADAMS sobre Life of Cicero, de Conyers Middleton Marco

" Túlio Cícero nasceu em 106 a. C., quatrocentos anos depois de Roma ter banido o seu último rei e estabelecido a República. Cícero era natural de Arpinum, uma pequena cidade de província situada nos montes a sudeste de Roma. Era também dali Gaio Mário, que escandalizara a aristocracia do Senado romano com a sua política populista e a sua reorganização do exército numa força voluntária sem qualificações para o serviço. Quando Cícero era ainda criança, Mário salvou Roma de uma invasão de tribos germânicas transalpinas, cimentando assim o seu lugar no poder político.

A família de Cícero era modesta, mas o pai mostrou-se determinado a dar a Marco e a Quinto, seu irmão mais novo, a melhor educação possível. Os jovens estudaram História, Filosofia e Retórica em Roma, com os melhores mestres de então. Na juventude, Marco prestou serviço no exército durante um curto período, sem feitos dignos de nota. Após isso, teve início a sua formação jurídica, em Roma. Um dos seus primeiros casos enquanto advogado foi a defesa de um homem chamado Roscio, injustamente acusado de assassinar o pai. Isto pôs o jovem Cícero em conflito com Sula, ditador romano da altura, e a sua administração corrupta. Foi um acto de coragem e Roscio conseguiu a absolvição, mas, quando o julgamento findou, Cícero entendeu por bem afastar-se de Roma e prosseguir os seus estudos na Grécia e em Rodes. Depois da morte de Sula e do regresso de Roma ao governo republicano, Cícero iniciou a sua ascensão dentro da magistratura, passando de questor a pretor e finalmente, após uma campanha duramente disputada, a cônsul, o cargo mais elevado da República. Contudo, o país que Cícero governou durante o ano que ocupou o cargo não era o mesmo que os seus antepassados haviam conhecido. O pequeno lugar nas margens do rio Tibre agigantara-se e tornara-se um império que se estendia para lá do Mediterrâneo. Os modos simples de heróis como o lendário Cincinato, que regressara à vida agrícola depois de ter sido chamado a chefiar o país em guerra, haviam dado lugar à corrupção e ao abuso, tanto no país como no estrangeiro. Os exércitos de cidadãos do passado tinham-se tornado soldados profissionais mais leais ao seu general do que ao Estado. A marcha de Sula sobre Roma e a subsequente chacina dos seus opositores políticos constituíra um precedente horrendo, que jamais seria esquecido. Os compromissos do governo constitucional esboroavam-se no preciso momento em que Cícero assumia altas responsabilidades no poder romano. Para agravar a situação, as facções políticas de então recusavam ouvir-se mutuamente, a economia tinha estagnado e o desemprego constituía uma ameaça contínua à estabilidade cívica.

Durante o mandato de Cícero como cônsul, Catilina, nobre ressentido, tentou derrubar violentamente o Senado, sendo disso impedido por Cícero e seus aliados. Todavia, três anos mais tarde, Pompeu, Crasso e Júlio César formaram um Triunvirato para governar Roma a partir dos bastidores. Convidaram Cícero a juntar-se-lhes, mas este não quis associar-se a tal combinação inconstitucional. No entanto, devia bastante a Pompeu pelo seu apoio no passado e ficou impressionado com as capacidades de César. Cícero resolveu aguardar por um momento oportuno, tentou manter boas relações com todas as partes e esperou o regresso da sua amada República.

Ostracizado no Senado e sem verdadeiro poder, o frustrado Cícero começou a escrever sobre o modo como um governo deveria ser dirigido. Enquanto César conquistava a Gália e depois atravessava o Rubicão e mergulhava Roma numa guerra civil, Cícero redigiu algumas das melhores obras de filosofia política de todos os tempos. As questões que colocou ainda hoje são pertinentes: Qual é a base de um governo justo? Que tipo de governação é melhor? Como deve um chefe conduzir-se no exercício do seu cargo? Cícero abordou estas e muitas outras questões com frontalidade, não como um teórico académico, mas como alguém que tinha chefiado um país e visto com os seus próprios olhos o colapso do governo republicano. Escreveu para quem o quisesse ouvir, mas a sua influência política era então notoriamente menor. Como escreveu a um amigo: «Já me sentei no convés e dirigi o leme do país; agora mal há espaço para mim no fundo do porão.»

A vitória de César na guerra civil e o início da sua ditadura benevolente pareceram o fim do mundo a Cícero. Mas os Idos de Março, em 44 a. C., fizeram renascer o optimismo e Cícero empenhou-se na restauração do governo republicano. Depositou as suas esperanças no jovem Octávio, sobrinho-neto e herdeiro de César, acreditando que ele poderia elevar Roma à sua antiga glória. Mas a aliança de Octávio com Marco António mostrou- lhe que o poder, uma vez conquistado, não é fácil de abandonar. A derradeira tentativa de Cícero para restaurar a República consistiu em assestar os seus formidáveis dons oratórios à tirania de Marco António—mas a época da liberdade havia findado. Com o assentimento de Octávio, Marco António decretou a morte do rival que não conseguia superar. As últimas palavras de Cícero dirigiram-se aos assassinos que o encontraram: «Pelo menos assegurem-se de que me cortam a cabeça correctamente.»

 Cícero foi um escritor prolífico, autor de muitos ensaios, tratados e epístolas sobre o modo correcto de governar um país. A breve antologia que agora se publica é apenas uma pequena amostra das suas ideias registadas ao longo de vários anos e em diferentes circunstâncias. Espera-se que inspire os leitores e os leve a estudar aprofundadamente as obras do maior estadista de Roma que chegaram até nós."

Philip Freeman

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