Texto que acaba de sair entre no jornal "As Artes entre as Letras":
Os Descobrimentos não estiveram
associados a actividade científica e pedagógica desenvolvida pela Universidade
portuguesa, tendo antes resultado do desejo da expansão do comércio e da
religião, para além, naturalmente, da curiosidade humana. No final do século xv, após a chegada de Bartolomeu Dias ao
Cabo da Boa Esperança em 1488, de Vasco de Gama à Índia em 1498 e de Pedro
Álvares Cabral ao Brasil em 1500, as grandes viagens lusas de descoberta tinham
atingido o seu auge. O português Fernão de Magalhães ainda haveria de
empreender a sua viagem de circum-navegação de 1519 a 1522 ao serviço da coroa
espanhola. Os navegadores lusos serviram-se de desenvolvimentos empíricos
aprendidos, muitas vezes, à sua própria custa, com a prática porfiada de
navegação, e não de conhecimentos de base científica ensinados numa escola, média
ou superior. A escola de Sagres, ligada ao nome do Infante D. Henrique, não
passa de um mito, embora o Infante tenha tido um papel decisivo no início dos
Descobrimentos, na preparação das
primeiras expedições a África. Além disso, contribuiu para a Universidade: doou
casas suas na zona de Alfama, em Lisboa, hoje já destruídas, à Universidade de
Coimbra quando esta ainda estava em Lisboa. A Biblioteca da Universidade ocupou
essas instalações, uma vez que há testemunhos da sua existência em 1513. Mas,
em contraste com o frenesim da vida lisboeta, onde as novidades vindas de fora
se sucediam, a universidade portuguesa vivia nessa urbe, no início do século xvi, tempos de grande sonolência.
No entanto, os navegadores portugueses
foram precursores da Ciência Moderna, ao desenvolverem o saber empírico a
níveis nunca até então atingidos. Viram novos lugares, novas gentes e novas
espécies, animais e vegetais. E deixaram abundantes relatos do que encontraram.
O famoso rinoceronte desenhado pelo pintor alemão Albrecht Dürer em 1515 teve
como modelo original um animal proveniente da Índia
que o rei D. Manuel I quis oferecer ao Papa (o barco que o transportava
naufragou ao largo da costa italiana).
O notável espírito científico dos
portugueses da época é narrado em versos do poeta Luís de Camões. É ele quem
diz, por exemplo, que o saber deve ser de experiência feito, tendo demonstrado
no Canto X d’Os Lusíadas (1572) bons conhecimentos dos céus:
“Olha por
outras partes a pintura
Que as Estrelas fulgentes vão fazendo:
Olha a Carreta, atenta a Cinosura,
Andrómeda e seu pai, e o Drago
horrendo;
Vê de Cassiopeia a fermosura
E do Orionte o gesto turbulento;
Olha o Cisne morrendo que suspira,
A Lebre e os Cães, a Nau e a doce
Lira.”
O poeta não só conhecia bem os céus do
hemisfério Norte como os do hemisfério Sul, que ele viu com os seus próprios
olhos, já que esteve vários anos na Índia, onde conheceu e foi amigo de Garcia
de Orta, e em Macau. A sua visão do mundo, patente no poema épico, era ptolomaica,
o que não admira pois apenas tinham decorrido apenas escassos anos após a morte
de Copérnico, que se deu no mesmo ano e dia da publicação do seu livro Revolução dos Orbes Celestes (24 de Maio
de 1543). De resto, a obra de
Copérnico haveria de permanecer ignorada durante muitos anos. .
Camões exibiu também no mesmo poema épico vastos
conhecimentos botânicos. É curioso que os primeiros versos seus a serem
impressos tenham aparecido em intróito ao Colóquio
dos Simples (1543) de Orta, num poema dedicado ao Conde de Redondo, Vice-Rei da Índia:
“Favorecei
a antigua
Sciencia que já Achiles estimou;
Sciencia que já Achiles estimou;
Olhai que vos obrigua,
Verdes que em vosso tempo se mostrou
O fruto daquella Orta onde florecem
Prantas novas, que os doutos não conhecem.
Olhai que em vossos annos
Produze huma Orta insigne varias ervas
Nos campos lusitanos,
As quaes, aquellas doutas protervas
Medea e Circe nunca conheceram.
Verdes que em vosso tempo se mostrou
O fruto daquella Orta onde florecem
Prantas novas, que os doutos não conhecem.
Olhai que em vossos annos
Produze huma Orta insigne varias ervas
Nos campos lusitanos,
As quaes, aquellas doutas protervas
Medea e Circe nunca conheceram.
Posto
que as leis da Magica excederam.”
Chama-se Ciência Moderna, ou apenas Ciência,
o método observacional e experimental, assim como os conhecimentos adquiridos com
a sua ajuda, que foram surgindo ao lomgo do século xvi, e que haveriam de atingir pontos altos no século xvii com a descrição do mundo físico
empreendida por Galileu e Newton. Galileu defendeu de um modo claro a posição
central do Sol no sistema do mundo, contrariando a visão aristotélico-ptolomaica
que tinha sido associada à doutrina cristã pelos grandes mestres medievais (basta
reparar que Deus enchia todo o espaço para além da sétima esfera). O sábio
italiano, apesar da sua condenação pela Inquisição, conseguiu impor ao mundo
cristão as concepções de Copérnico.
1 comentário:
Esqueceu de mencionar Luciano Pereira da Silva sobre 'A Astronomia dos Lusíadas', quem criou o astrolábio nautico o porquê da necessidade das tabelas de Abrão Zacuto, a obra de Pedro Nunes, haveria tanto para informar ...
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