sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A CIÊNCIA E OS DESCOBRIMENTOS


Texto que acaba de sair entre no jornal "As Artes entre as Letras":

Os Descobrimentos não estiveram associados a actividade científica e pedagógica desenvolvida pela Universidade portuguesa, tendo antes resultado do desejo da expansão do comércio e da religião, para além, naturalmente, da curiosidade humana. No final do século xv, após a chegada de Bartolomeu Dias ao Cabo da Boa Esperança em 1488, de Vasco de Gama à Índia em 1498 e de Pedro Álvares Cabral ao Brasil em 1500, as grandes viagens lusas de descoberta tinham atingido o seu auge. O português Fernão de Magalhães ainda haveria de empreender a sua viagem de circum-navegação de 1519 a 1522 ao serviço da coroa espanhola. Os navegadores lusos serviram-se de desenvolvimentos empíricos aprendidos, muitas vezes, à sua própria custa, com a prática porfiada de navegação, e não de conhecimentos de base científica ensinados numa escola, média ou superior. A escola de Sagres, ligada ao nome do Infante D. Henrique, não passa de um mito, embora o Infante tenha tido um papel decisivo no início dos Descobrimentos,  na preparação das primeiras expedições a África. Além disso, contribuiu para a Universidade: doou casas suas na zona de Alfama, em Lisboa, hoje já destruídas, à Universidade de Coimbra quando esta ainda estava em Lisboa. A Biblioteca da Universidade ocupou essas instalações, uma vez que há testemunhos da sua existência em 1513. Mas, em contraste com o frenesim da vida lisboeta, onde as novidades vindas de fora se sucediam, a universidade portuguesa vivia nessa urbe, no início do século xvi, tempos de grande sonolência.

No entanto, os navegadores portugueses foram precursores da Ciência Moderna, ao desenvolverem o saber empírico a níveis nunca até então atingidos. Viram novos lugares, novas gentes e novas espécies, animais e vegetais. E deixaram abundantes relatos do que encontraram. O famoso rinoceronte desenhado pelo pintor alemão Albrecht Dürer em 1515 teve como modelo original um animal proveniente  da Índia  que o rei D. Manuel I quis oferecer ao Papa (o barco que o transportava naufragou ao largo da costa italiana).

O notável espírito científico dos portugueses da época é narrado em versos do poeta Luís de Camões. É ele quem diz, por exemplo, que o saber deve ser de experiência feito, tendo demonstrado no Canto X d’Os Lusíadas (1572) bons conhecimentos dos céus:

Olha por outras partes a pintura
Que as Estrelas fulgentes vão fazendo:
Olha a Carreta, atenta a Cinosura,
Andrómeda e seu pai, e o Drago horrendo;
Vê de Cassiopeia a fermosura
E do Orionte o gesto turbulento;
Olha o Cisne morrendo que suspira,
A Lebre e os Cães, a Nau e a doce Lira.”

O poeta não só conhecia bem os céus do hemisfério Norte como os do hemisfério Sul, que ele viu com os seus próprios olhos, já que esteve vários anos na Índia, onde conheceu e foi amigo de Garcia de Orta, e em Macau. A sua visão do mundo, patente no poema épico, era ptolomaica, o que não admira pois apenas tinham decorrido apenas escassos anos após a morte de Copérnico, que se deu no mesmo ano e dia da publicação do seu livro Revolução dos Orbes Celestes (24 de Maio de 1543). De resto, a obra de Copérnico haveria de permanecer ignorada durante muitos anos.  .

Camões exibiu também no mesmo poema épico vastos conhecimentos botânicos. É curioso que os primeiros versos seus a serem impressos tenham aparecido em intróito ao Colóquio dos Simples (1543) de Orta, num poema dedicado ao Conde de Redondo, Vice-Rei da Índia:

“Favorecei a antigua
Sciencia que já Achiles estimou;
 Olhai que vos obrigua,
 Verdes que em vosso tempo se mostrou
 O fruto daquella Orta onde florecem
 Prantas novas, que os doutos não conhecem.
 Olhai que em vossos annos
 Produze huma Orta insigne varias ervas
 Nos campos lusitanos,
 As quaes, aquellas doutas protervas
 Medea e Circe nunca conheceram.
Posto que as leis da Magica excederam.”

Chama-se Ciência Moderna, ou apenas Ciência, o método observacional e experimental, assim como os conhecimentos adquiridos com a sua ajuda, que foram surgindo ao lomgo do século xvi, e que haveriam de atingir pontos altos no século xvii com a descrição do mundo físico empreendida por Galileu e Newton. Galileu defendeu de um modo claro a posição central do Sol no sistema do mundo, contrariando a visão aristotélico-ptolomaica que tinha sido associada à doutrina cristã pelos grandes mestres medievais (basta reparar que Deus enchia todo o espaço para além da sétima esfera). O sábio italiano, apesar da sua condenação pela Inquisição, conseguiu impor ao mundo cristão as concepções de Copérnico.

1 comentário:

j. mineiro disse...

Esqueceu de mencionar Luciano Pereira da Silva sobre 'A Astronomia dos Lusíadas', quem criou o astrolábio nautico o porquê da necessidade das tabelas de Abrão Zacuto, a obra de Pedro Nunes, haveria tanto para informar ...

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