Minha crónica no "Público" de hoje:
Nas
últimas três décadas a ciência cresceu em Portugal de uma forma explosiva, em
resultado não só da disponibilidade de recursos vindos da União Europeia como
da inteligência na alocação de uma parte deles, uma fatia pequena no bolo total,
mas que alimentou um sector quase inexistente. Basta olhar para os números da
PORDATA de crescimento da parcela do PIB destinada à investigação e
desenvolvimento, do pessoal activo nesse domínio e do número de publicações reconhecidas
internacionalmente. Neste sector, a nossa posição no ranking europeu já não é, neste sector, de inominável vergonha como
era: estamos agora a meio de uma tabela encabeçada pelos países mais ricos. Tudo
isso não teria sido possível se os cidadãos não tivessem interiorizado a ideia de
que a ciência é necessária e que, sem uma forte aposta na ciência e tecnologia,
um país não pode ter sucesso económico. Os meios de comunicação social, os
livros de divulgação e os museus e centros de ciência desempenharam para isso
um papel fundamental.
Infelizmente,
nos últimos anos, pairam sombras sobre o sistema português de ciência e
tecnologia. A parcela do PIB que lhe é dedicada tem vindo a descer, o que
acresce ao facto de o PIB, ele próprio, ter diminuído. O emprego científico,
quer nas universidades quer nas empresas, anda pelas ruas da amargura. Os
reitores e os presidentes dos politécnicos, com orçamentos cada vez mais
depauperados e constrangidos por um quadro legislativo arcaico, não têm nenhuma
capacidade de rejuvenescerem um corpo docente envelhecido. Por outro lado, a
economia continua encolhida. Sem quaisquer perspectivas de emprego científico,
nas escolas ou nas empresas, no público ou no privado, numerosos jovens com amplas
provas dadas, cuja formação foi extremamente onerosa, vêem-se assim desaproveitados
na sua terra natal e têm de responder a ofertas do estrangeiro. Embora o
fenómeno seja difícil de quantificar, encontramos à nossa volta múltiplos sinais
da famigerada “fuga de cérebros”.
Há
soluções? Há soluções parciais. Muitos cientistas poderiam encontrar lugares em
tarefas de difusão científica de modo não só tornar a população mais culta e
informada, consciente das possibilidades da ciência de conhecimento e
transformação do mundo, mas também a aliciar mais jovens para a descoberta
científica, uma descoberta que tem de ser continuada, aqui como em todo o
mundo, com gente nova, dado o número e a relevância dos desafios ainda por
resolver. Uma maior concertação da Fundação para a Ciência e Tecnologia – FCT,
o “braço armado” da investigação científica em Portugal, com a Ciência Viva –
Agência Nacional de Cultura Científica e Tecnológica parece aqui ser
necessária.
A cultura científica entre nós já conheceu
melhores dias. Um sintoma da falta de atenção da FCT a essa cultura é a recente
extinção no seu seio, pela calada de Agosto, de duas áreas indispensáveis a
compreensão pública da ciência: a Promoção e Administração da Ciência e
Tecnologia, que cobre os vários aspectos da comunicação da ciência, e a
História da Ciência e Tecnologia, que tem sido das áreas mais produtivas nas nossas
ciências sociais. Estes lados de interface do empreendimento científico com a
sociedade foram vítimas do desatino dos cortes, esquecendo que o dinheiro público para a ciência e tecnologia vem
dos contribuintes, que estão obviamente interessados em saber o que elas produzem,
e esquecendo que a ciência tem uma dimensão histórica, que importa estudar e
divulgar. Um recente “Diagnóstico do Sistema de Investigação e Inovação” publicado pela FCT está cheio de tabelas
e gráficos de barras, mas ignora por completo a cultura científica, como se a
ampliação desta não fosse condição sine
qua non do progresso da ciência. Os seus autores parecem desconhecer que
não teria havido o boom da ciência nacional
sem o crescimento que houve da cultura científica, em particular o esforço do
programa Ciência Viva, que apoia uma rede de centros de ciência espalhados por
todo o país. O ex-ministro José Mariano Gago tinha estabelecido que a cultura
científica devia beneficiar de 5 por cento do budget de ciência; não sabemos qual é o número do ministro Nuno
Crato. Mas, curiosamente, este último fez uma carreira não apenas na ciência
pura e “dura”, mas também e com enorme sucesso no seu lado mais “mole”, que é a
divulgação e a história da ciência. Os
burocratas da FCT não devem conhecer essa faceta brilhante do ministro e ele
também não os deve conhecer, ocupado como anda com os cortes na educação que a troika exige.
Na gestão da ciência, como aliás na gestão de
qualquer coisa, não há apenas a questão da falta de dinheiro, há também e sobretudo
a questão da falta de inteligência. A falta de cultura científica pode
custar-nos não apenas a ciência, mas também o futuro.
PS) Quem quiser juntar-se ao Manifesto sobre a Comunicação de Ciência em Portugal, bastará clicar aqui e assinar.
PS) Quem quiser juntar-se ao Manifesto sobre a Comunicação de Ciência em Portugal, bastará clicar aqui e assinar.
2 comentários:
Concordo a inteligência o principal tema aliado a ciência.
Enviar um comentário