quinta-feira, 5 de setembro de 2013

EM DEFESA DA CULTURA CIENTÍFICA


Minha crónica no "Público" de hoje:

Nas últimas três décadas a ciência cresceu em Portugal de uma forma explosiva, em resultado não só da disponibilidade de recursos vindos da União Europeia como da inteligência na alocação de uma parte deles, uma fatia pequena no bolo total, mas que alimentou um sector quase inexistente. Basta olhar para os números da PORDATA de crescimento da parcela do PIB destinada à investigação e desenvolvimento, do pessoal activo nesse domínio  e do número de publicações reconhecidas internacionalmente. Neste sector, a nossa posição no ranking europeu já não é, neste sector, de inominável vergonha como era: estamos agora a meio de uma tabela encabeçada pelos países mais ricos. Tudo isso não teria sido possível se os cidadãos não tivessem interiorizado a ideia de que a ciência é necessária e que, sem uma forte aposta na ciência e tecnologia, um país não pode ter sucesso económico. Os meios de comunicação social, os livros de divulgação e os museus e centros de ciência desempenharam para isso um papel fundamental.

Infelizmente, nos últimos anos, pairam sombras sobre o sistema português de ciência e tecnologia. A parcela do PIB que lhe é dedicada tem vindo a descer, o que acresce ao facto de o PIB, ele próprio, ter diminuído. O emprego científico, quer nas universidades quer nas empresas, anda pelas ruas da amargura. Os reitores e os presidentes dos politécnicos, com orçamentos cada vez mais depauperados e constrangidos por um quadro legislativo arcaico, não têm nenhuma capacidade de rejuvenescerem um corpo docente envelhecido. Por outro lado, a economia continua encolhida. Sem quaisquer perspectivas de emprego científico, nas escolas ou nas empresas, no público ou no privado, numerosos jovens com amplas provas dadas, cuja formação foi extremamente onerosa, vêem-se assim desaproveitados na sua terra natal e têm de responder a ofertas do estrangeiro. Embora o fenómeno seja difícil de quantificar, encontramos à nossa volta múltiplos sinais da famigerada “fuga de cérebros”. 

Há soluções? Há soluções parciais. Muitos cientistas poderiam encontrar lugares em tarefas de difusão científica de modo não só tornar a população mais culta e informada, consciente das possibilidades da ciência de conhecimento e transformação do mundo, mas também a aliciar mais jovens para a descoberta científica, uma descoberta que tem de ser continuada, aqui como em todo o mundo, com gente nova, dado o número e a relevância dos desafios ainda por resolver. Uma maior concertação da Fundação para a Ciência e Tecnologia – FCT, o “braço armado” da investigação científica em Portugal, com a Ciência Viva – Agência Nacional de Cultura Científica e Tecnológica parece aqui ser necessária. 

 A cultura científica entre nós já conheceu melhores dias. Um sintoma da falta de atenção da FCT a essa cultura é a recente extinção no seu seio, pela calada de Agosto, de duas áreas indispensáveis a compreensão pública da ciência: a Promoção e Administração da Ciência e Tecnologia, que cobre os vários aspectos da comunicação da ciência, e a História da Ciência e Tecnologia, que tem sido das áreas mais produtivas nas nossas ciências sociais. Estes lados de interface do empreendimento científico com a sociedade foram vítimas do desatino dos cortes, esquecendo que o dinheiro público para a ciência e tecnologia vem dos contribuintes, que estão obviamente interessados em saber o que elas produzem, e esquecendo que a ciência tem uma dimensão histórica, que importa estudar e divulgar. Um recente “Diagnóstico do Sistema de Investigação e  Inovação” publicado pela FCT está cheio de tabelas e gráficos de barras, mas ignora por completo a cultura científica, como se a ampliação desta não fosse condição sine qua non do progresso da ciência. Os seus autores parecem desconhecer que não teria havido o boom da ciência nacional sem o crescimento que houve da cultura científica, em particular o esforço do programa Ciência Viva, que apoia uma rede de centros de ciência espalhados por todo o país. O ex-ministro José Mariano Gago tinha estabelecido que a cultura científica devia beneficiar de 5 por cento do budget de ciência; não sabemos qual é o número do ministro Nuno Crato. Mas, curiosamente, este último fez uma carreira não apenas na ciência pura e “dura”, mas também e com enorme sucesso no seu lado mais “mole”, que é a divulgação e a história da ciência.  Os burocratas da FCT não devem conhecer essa faceta brilhante do ministro e ele também não os deve conhecer, ocupado como anda com os cortes na educação que a troika exige. 

 Na gestão da ciência, como aliás na gestão de qualquer coisa, não há apenas a questão da falta de dinheiro, há também e sobretudo a questão da falta de inteligência. A falta de cultura científica pode custar-nos não apenas a ciência, mas também o futuro.

PS) Quem quiser juntar-se ao Manifesto sobre a Comunicação de Ciência em Portugal, bastará clicar aqui e assinar.

2 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cláudia da Silva Tomazi disse...

Concordo a inteligência o principal tema aliado a ciência.

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