Meu artigo de opinião, publicado ontem no Público:
“Quiseram que o país
os conhecesse; hão-de ser satisfeitos” (Alexandre Herculano, 1810 – 1877).
Sem generalizar a toda uma juventude (seria injustiça de bradar aos céus!), não posso deixar de me associar a um veemente protesto público que a minha condição de octogenário, reformado aos 70 anos de idade e 42 de serviço, consente, e justifica. Mais do que isso, impõe.
Refiro-me ao repúdio generalizado em diversos blogues da expressão
utilizada recentemente por um deputado
do PSD, Carlos Peixoto, em ardor de juventude (36 risonhas primaveras) e
arroubo tribunício, para a carga pesada que diz representar para a geração de jovens de hoje as reformas e aposentadorias actuais e
futuras, havida como “peste grisalha”.
Ou seja, em antítese com o conselheiro de Estado Bagão Félix quando escreve: "O Estado social discute-se porque é a parte do Estado que tem mais a ver com as pessoas velhas, reformadas, desempregadas, estão doentes, estão sós, têm incapacidades, pessoas que não têm voz, não têm 'lobbies', não abrem telejornais, não têm escritórios de advogados, não têm banqueiros"(“Jornal de Negócios”, 30/11/2012).
Acresce que as deduções para efeitos de
IRS, plasmadas na Proposta de Orçamento de Estado / 2013, expressam a situação
de um país em evidente descalabro económico e social onde boa parte da factura está a recair sobre
os reformados, achacados pela velhice e pela doença, a ela associada. Assumindo
o ónus da prova, detenho-me nas deduções
com despesas de saúde em vigor até 2011, último ano em que os portugueses
podiam deduzir sem limite 30% das despesas com a saúde no respectivo IRS.
Porém, com o actual Orçamento de Estado, os doentes, em alguns escalões de uma
moribunda classe média, apenas poderão
deduzir 10% destas despesas até um valor de 838,44 euros. Ou seja, em Portugal,
a condição de velho e doente crónico, com “pesares que
os ralam na aridez e na secura da sua desconsolada velhice” (Almeida Garrett), em vez de ser havida como uma desgraça, passa a ser
taxada como um luxo.
Não posso
deixar de cotejar esta situação nacional com um texto que corria, tempos atrás,
na Net reportando-se à vizinha Espanha em que
o respectivo 1.º ministro, em declarações à TVE, sobre a apresentação
do OE-2012, declarou: “A primeira prioridade
é tratar os pensionistas da melhor maneira possível. A minha primeira instrução
ao ministro das Finanças é de que as pessoas que não se devem prejudicar são os
pensionistas. No
Orçamento de Estado deste ano só há dois sectores que sobem: os juros da dívida
e as pensões. Não tenho nenhum interesse e se há algo em que não tocarei são as
pensões, o pensionista é a pessoa mais indefesa, que tem a situação mais
difícil, porque não pode ir procurar outro posto de trabalho aos 75 ou 80 anos,
tendo uma situação muito mais difícil…”
Em
Portugal, os velhos reformados da chamada classe média viram as suas reformas serem substancialmente reduzidas este ano. A exemplo de uma personagem de Arnaldo Gama, é
natural que se interroguem: “Para isto é que eu vivi!? Malditos anos! Maldita
velhice!”. Ou seja, idosos que sofrem de carências económicas e/ou de
achaques próprios da sua idade , sendo, não poucas vezes, obrigados a desistir
da compra de medicamentos com risco da própria sobrevivência.
Não se
desse o caso de não ter tido conhecimento de qualquer contraditório por parte
da bancada do partido político do deputado Carlos Peixoto, não mereceria esta sua “boutade”
que com ela gastasse uma simples linha
do latim por mim aprendido nos bancos do liceu .Mas trata-se de uma questão de concórdia social.
Segundo o professor de Ética e Filosofia
Política da Universidade de São Paulo, Renato Janine Ribeiro, “o interesse nacional
não exige a mesma paz que o interesse individual”. Portanto, em nome deste salutar princípio, não é de excluir a opinião sobre esta temática daqueles que, mandatados
pelo povo que os elegeu, são
responsáveis pelo destino de Portugal e
da sua gente?
Rui
Baptista (professor aposentado)
P.S.: Por lapso meu (hoje corrigido no Público, numa pequena nota), atribui ao deputado Carlos Peixoto a expressão "praga cinzenta" em vez de "peste grisalha". Neste texto está feita já a devida correcção.
13 comentários:
Sérão bem mal recordados pela História estes senhores deputados.
E se tiverem filhos......tenham cuidado!!!!! E por certo já se terao desfeito dos pais................
Já desesperava. O silêncio da "peste grisalha" começava a preocupar-me, "porque não se sente não é filho de boa gente" ("vox populi"), tanto ou mais do que as declarações deste jovem deputado. Jovem deputado que com as suas declarações fazia germinar, em terra maligna, uma guerra de gerações. A culpa do descalabro da caixa de aposentações nada teria a ver com a má (ou mesmo dolosa) gestão dos dinheiros descontados pelos aposentados uma vida inteira. Sinto-me lesado depois de me ter aposentado aos 70 anos de idade e descontado mais de quarenta anos de serviço, enquanto deputados houve que se aposentaram ainda imberbes ou de laçarotes na cabeça ao fim de 12 anos de sacrifício à Pátria, salvo erro! Bem haja, portanto. Sempre somos dois a preocuparmo-nos com estas coisas de lana caprina...
Errata: O ditado saiu incorrecto. Corrige-se: "Quem não se sente não é filho de boa gente".
Ora, caríssimo Rui Baptista
Eu só não tinha dito nada porque ao seu texto, por ser claro e limpo, nada havia a acrescentar.
E como já tinha sido suficientemente drástico aqui: http://dererummundi.blogspot.pt/2013/03/as-mais-valias-da-peste-grisalha.html#comment-form, relativamente ao mesmo assunto, por si em boa hora trazido até nós, pareceu-me que já podia ficar calado.
Mas tenho sempre muito gosto em juntar-me às suas (honestas) posições.
Prezado José Batista: Claro que pelas posição por si tomada a este respeito, não esperaria que se manifestasse por já o ter feito no "post" do meu querido Amigo Eugénio Lisboa com o brilhantismo que ele sempre põe nos textos que muito têm honrado o DRN. Só isso, nada mais.
Escreveu o meu Amigo e Colega João Boaventura (infelizmente vítima de AVC), na apresentação de uma conferência por mim proferida na Sociedade de Estudos de Moçambique, posteriormente, publicada em livro: "Ao lado e à sombra do nome do Dr. Rui Baptista, eu fico como assistente fraterno que serve de estímulo à luta com a força solidária do coração. Só por um acaso sentimental é que eu estou, portanto, aqui”.
“Mutatis mutandi”, “ao lado e à sombra do nome do notável Professor, escritor e crítico literário, Eugénio Lisboa, eu me atrevi em assumir o papel de assistente fraterno à luta com a força solidária do coração”. Para além disso, por entender que “água mole em pedra dura tanto dá até que fura”! Calar-me seria tornar-me conivente do roubo às magras carteiras de uma classe média quase moribunda.
Meu caro Rui Baptista
Muito me pesam as notícias que dá sobre o que aconteceu ao (nosso) prezadíssimo João Boaventura, pessoa que muito passei a estimar depois dos frutuosos "encontros" (sempre leais, muito cordatos, agradáveis, e fraternos) que com ele pude ter no DRN, pelo prazer que me deram e pelos ensinamentos que deles colhi.
Sinto dor por João Boaventura e muito grato ficaria se fosse possível ao caríssimo Rui Baptista ser junto dele o mensageiro dos meus desejos da melhor recuperação. Que bom seria voltar a "vê-lo" por aqui.
Um duplo abraço, cheio de estima e consideração.
Para ele e para si.
JB
Meu caro José Batista: Infelizmente (segundo notícias recentes), o nosso João Boaventura “encontra-se em coma não respondendo a qualquer estímulo ou às nossas visitas”. Tenhamos esperança e façamos força solidário para que o seu estado de saúde melhore, nem que seja a esperança de um milagre. Um abraço grato pelas palavras amigas dirigidas às qualidades deste meu amigo, colega e compadre. Ele bem as merece.RB
Força solidário, não; força solidária, sim!
Sim, bem as merece, como diz.
Tanto quanto nós precisamos da bondade e da sabedoria de João Boaventura.
Enquanto há vida há esperança.
De que não desisto.
Muito bem haja.
Um abraço, professores Rui Baptista e João Boaventura.
Sem comentários, porque a "peste negra" que nos consome (também não generalizo, obviamente)não tem, nunca teve, e nunca terá, uma só gota da dignidade que a "peste grisalha" pode, até, esbanjar.
Prezado Motta: Só me espanta o silêncio dos que estão a ser vítimas da perfídia de um deputado que deveria ter mais respeito pela geração de seus pais. Embora sendo poucos em manifestarmos o nosso repúdio, também as grandes avalanches começam por pequenas bolas de neve.Um abraço.
Caro Professor:Ao contrário da personagem de Arnaldo Gama,citada por si no artigo do Público,direi que eu pertencendo á "peste grisalha",continuo caminhando na estrada da vida,consciente que os anos vividos valeram a pena.Os que vivo e viverei é que são preocupantes.A prova disso é a referida afirmação do deputado Carlos Peixoto.Mas caro Dr.,sejamos frontais.Este deputado,embora jovem,não é mais que o espelho da classe politica "profissional e brilhante"e que é apanágio da maioria dos políticos que tem governado o país todos estes anos,que de brilhante só tem o cabelo cheio de gel.Nós somos a "peste grisalha".Eles a " peste de gel".Enquanto o nosso cabelo grisalho se mantem firmes e resistentes á chuva e tempestades,o de gel resiste a quê ?Vá lá,ao menos a referida e infeliz afirmação poupa os calvos(carecas).
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