Numa notícia que li, dizia-se que hoje, dia 30 de Setembro, um domingo, numa certa aldeia quase deserta do nosso país será inaugurada uma nova casa mortuária "no seguimento de uma estratégia de dotar todo o concelho com uma rede funcional de casas mortuárias".
Detenho-me na expressão "rede funcional de casas mortuárias". Será iniciativa duma daquelas empresas de sucesso no ramo, muito atentas a oportunidades de negócio: uma mortandade que se avizinha e a que é preciso dar tratamento funcional, imediato, rápido e eficaz... Estou de certeza enganada.
Essa nova casa mortuária, com "um sistema de ar condicionado", entre outros luxos, foi instalada na antiga escola primária, que durante um século acolheu as gerações chegadas ainda há pouco à vida.
Sob o ponto de vista simbólico (não funcional), esta mudança não pode deixar de representa a nossa tragédia: a morte, o fim, a desistência a sobrepor-se à vida, ao início, à esperança.
Na notícia li também que na freguesia em causa há 26 crianças na pré-escolaridade e no primeiro ciclo de escolaridade. Assim, talvez houvesse uma pequena, pequenina possibilidade de aquela escola continuar a ser escola.
Novo texto de Cristina Carvalho
Falo das praxes. Falo dessa prática, muitas vezes desumana, gravemente humilhante, gravemente provocatória que os futuros “doutores”, os “encanudados” filhos da nação e futuros orientadores de futuros, gostam de praticar no lombo e no rosto dos jovens que vão pela primeira vez ingressar nas faculdades.
Falo destes comportamentos aberrantes, sádicos e monstruosos que dão um “gozo catarino” a quem os pratica. Eles sentam-se em cima dos “fracos”, atam-lhes cordas ao pescoço, chibatam-nos pelas ruas das cidades de modo a que todos os possam apreciar. Eles cospem-lhes nas caras, eles arrotam-lhes o resto do jantar de ontem, mordem-lhes, eles despem-nos, pintam-nos, urinam-lhes e defecam-lhes em cima. Ardem e fremem corações de pedra, rejubilam no sofrimento do jovem colega, quanto mais humilhado e amarfanhado melhor!
Que é que uma pessoa pode pensar disto? Que é um costume? Uma tradição a cumprir, obrigatória, na entrada do ensino superior? Esta violência acontece noutros pontos civilizados do planeta? O que é que uma pessoa pode pensar destas atitudes sabendo que as cabeças que prepararam tudo isto, gastaram uns dias da vida, umas preciosas horas da vida a engendrar torturas? O que é que uma pessoa pensa disto? Engendrar torturas e humilhações? Mas quem é esta gente que engendra torturas e humilhações? São os doutores? Os príncipes engalanados, pavões falantes trepadores de pódios desejados por toda a vida? São os futuros gestores e gerentes e políticos e nossos orientadores? Mas quem é esta gentuça? Donde vem? Quem os educou? Que sonhos têm na cabeça? Que prenda desejam no final dos cursos? Um gabinete com vista para a cidade? Um chicote com cabo de marfim? Um panelo sem fundo que aguente com as suas torpes idiossincrasias? Uns “sim senhores” que pretendem que a revolta se instale noutro tipo de espíritos? Que é que pretendem? Sofrimento?
Burgessos a cumprir o folclore fascista inculcado atavicamente nas suas pobres cabeças, ainda que dele não tivessem tido conhecimento, que apenas dele tivessem ouvido falar, mas que tão bem o aprenderam.
Faz lembrar as humilhações da história moderna das quais nem vou falar e que estão documentadas por fotografias.
Atenção que isto é “bullying” do mais perverso! E à vista de todos sem a menor pretensão de disfarce. E ninguém diz nada! As ruas de muitas das nossas cidades ontem, hoje e amanhã estarão enfeitadas com esta massa ululante e “brincalhona” que se diverte por palavras e por ações malévolas e ninguém lhes toca! Há gritos de revolta e de censura, isso há, como este meu aqui enquanto escrevo esta crónica. Meu e de muito mais pessoas, mas não passa daqui.
E são burgessos que eu sei lá! Falam mal, falam aos berros. Não é preciso sermos todos muito palacianos e muito mesuras e muito delicodoces, mas a tendência que há, que se nota, que se vê a olho nu, que se ouve a torto e a direito de algumas pessoas se acharam modernaças e jovens e giras e "práfrentexes", de algumas pessoas que exibem uma certa brutalidade verbal, uma enorme agressividade no sentido da pior assertividade e que lançam, por tudo e por nada e nas mais vulgares ocasiões, sem fazer o menor sentido e sem terem a mais pequena noção de oportunidade, o chamado palavrão, tipo porra, xiça, fosga-se e mais não digo porque nada disto faz sentido. Ao proferir estas palavras a torto e a direito, as pessoas retiram até a fantástica sensação de alívio que, realmente, só um palavrão pode proporcionar na altura devida. Além de que é vulgar e abrutalhado estar constantemente com este tipo de vocabulário. Uma pessoa define-se facilmente! Julga essa gente dos palavrões e das praxes, que se cria uma determinada intimidade, que essa atitude corresponde a algo que toda a gente sente e aprecia. Não! A boçalidade educa-se, a distinção – no sentido de ser distinto - não se obtém pela vulgaridade. A distinção é a própria distinção.
Nunca perceberá isto, esta gentuça das praxes.
E voltando às alegres entradas na universidades termino dizendo, que aqui estaremos à espera, mansamente, que estes filhos da nação que hoje se entregam a estes “divertimentos” acabem por vir divertir-se connosco quando forem mais velhinhos.
A ver se a gente lhes acha graça…
Cristina Carvalho