domingo, 30 de setembro de 2012

Talvez esta escola pudesse continuar a ser escola

Numa notícia que li, dizia-se que hoje, dia 30 de Setembro, um domingo, numa certa aldeia quase deserta do nosso país será inaugurada uma nova casa mortuária "no seguimento de uma estratégia de dotar todo o concelho com uma rede funcional de casas mortuárias".

Detenho-me na expressão "rede funcional de casas mortuárias". Será iniciativa duma daquelas empresas de sucesso no ramo, muito atentas a oportunidades de negócio: uma mortandade que se avizinha e a que é preciso dar tratamento funcional, imediato, rápido e eficaz... Estou de certeza enganada.

Essa nova casa mortuária, com "um sistema de ar condicionado", entre outros luxos, foi instalada na antiga escola primária, que durante um século acolheu as gerações chegadas ainda há pouco à vida.

Sob o ponto de vista simbólico (não funcional), esta mudança não pode deixar de representa a nossa tragédia: a morte, o fim, a desistência a sobrepor-se à vida, ao início, à esperança.

Na notícia li também que na freguesia em causa há 26 crianças na pré-escolaridade e no primeiro ciclo de escolaridade. Assim, talvez houvesse uma pequena, pequenina possibilidade de aquela escola continuar a ser escola.

Os números falam por si


Circula pelas caixas de correio a seguinte mensagem: "45 mil candidatos ao ensino superior e 85 mil à casa dos segredos". É caso para se dizer que os números falam por si.

Não estranhei particularmente os quarenta e cinco mil candidatos ao ensino superior, pois estou a par do decréscimo de ano para ano (Clara Viana, jornalista do Público, muito precisa nas notícias que escreve, apurou nas duas primeiras fases de candidatura 50 641).

O que não pude deixar de estranhar foi o número de pessoas que se candidatou ao tal programa de televisão que se chama Casa dos Segredos: não foram oitenta e cinco mil, mas cem mil (mais vinte mil do que na anterior edição). São pessoas adultas, escolarizadas, algumas (talvez muitas) com um diploma superior.

Li, de seguida, que apenas uma reduzida "elite" de dezasseis "corpos trabalhados e mentes abertas" foi seleccionada. "Elite", também estranhei!

Voltei a deter-me no redondo cem mil, que é, afinal, um número insignificante quando comparado com os muitíssimos mais milhares de telespectadores que, incentivados por uma palavra de ordem ("Agora toca a mexer... toca a descobrir segredos!") vêem o programa, seguem avidamente o programa, interagem (!?) no programa.

Isto acontece pela Europa, pela América do Norte e do Sul... onde os sistemas de ensino, nas suas diversas instâncias, têm destacado e imposto a educação cívica, para a cidadania, para as atitudes, para os valores, para a formação pessoal e social, para o respeito, para a crítica, para a intervenção social...

Ora, o cruzamento de intenções tão elevadas com números como os que acima se indicaram coloca-nos perante a perplexidade: uma coisa é o que se pretende em termos educativos; outra coisa são os resultados que, de vez em quando, nos chamam à realidade.

Quem tem a responsabilidade de educar não pode adiar a pergunta: Que princípios nos guiam? O que andamos a fazer? Para onde conduzimos as sociedades ocidentais?

Padrão Exclusivo do Brasil!

Outro dia, ouvi entrevista de um diretor do Inmetro com esta pérola de argumento: o Brasil não poderia ter adotado, por exemplo, o padrão americano ou o alemão (este considerado o melhor do mundo) porque isso significaria “dependência tecnológica”.Em minha última viagem, comprei um adaptador elétrico universal, que pode ser usado em qualquer tipo de tomada. Só não posso usá-lo em meu próprio país.

sábado, 29 de setembro de 2012

A maldade e o contexto

No início deste mês, Philip Zimbardo esteve em Coimbra para participar na 1st International Conference on Time Perspective, organizada pelo Instituto de Psicologia Cognitiva da Universidade de Coimbra.

O famosíssimo psicólogo deu uma entrevista que foi publicada na Revista de domingo do Público, no passado dia 23, com texto de Ana Gerschenfeld. É muito interessante porque veio trazer dados oportunos para esclarecer e alargar a questão da maldade, que temos tratado neste blog.

Zimbardo, recorda um episódio ocorrido em 1971, aquando de uma experiência no Departamento de Psicologia da Universidade de Stanford (a fotografia acima é dessa altura). Ficou conhecida como a Experiência da Prisão de Stanford e o objetivo era saber como «24 estudantes perfeitamente normais do ponto de vista psicológico, a quem tinha sido atribuído, ao acaso, o papel de “guarda” ou de “preso”, passavam 15 dias mergulhados num universo prisional. Se os 12 guardas tivessem um poder absoluto sobre os 12 presos tornar-se-iam sádicos? E os presos, rebelar-se-iam ou obedeceriam cegamente às ordens mais cruéis, desumanas e avassaladoras?»

A experiência, que hoje seria impossível de replicar por causa das questões éticas que levante, foi para a frente na altura e tornou-se reveladora do tipo de comportamento dominante nestas situações. Como diz Zimbardo: «De facto tudo correu muito mal – ou seja, a experiência resultou tão bem que excedeu todas as expectativas e foi preciso interrompê-la prematuramente. Ao fim de cindo dias os guardas maltratavam os presos e os presos não faziam nada. Eram como zombies ».

A situação ficou descontrolada. (…) Correu tão mal – ou tão bem – que Zimbardo admite que ele próprio, mergulhado nesse universo concentracionário se tornou cego ao sofrimento e aos maus tratos reais a que os seus “presos” estavam a ser submetidos. Do ponto de vista psicológico, diz, «o mal consiste em fazer mal aos outros intencionalmente – à força de preconceitos, de discriminação, de boatos, de bulling», ou de tortura e maus tratos, que na sua forma extrema leva à morte de pessoas. Os crimes contra a Humanidade são a forma mais extrema do mal.

O mais interessante e perturbador é que na experiência de Stanford os participantes eram pessoas normais, «mas em dias tornaram-se sádicos e começaram a gostar do que faziam. Era mais do que simplesmente fazer o seu trabalho. Era crueldade

Conclui, portanto, que o mal não tem origem individual, mas sistémica. «Em todos os estudos que temos feito sobre a psicologia do mal, pegámos em pessoas comuns, colocámo-las em situações invulgares – e o facto de conhecer os seus traços de personalidade não permitia prever como é que se iriam comportar. O que nos empurra para o mal ou para o bem são as situações em que nos encontramos».

Há, é certo, cerca de 1%, de psicopatas que não sente nenhum remorso pelas crueldades praticadas, e que sente prazer nisso, mas não é de modo nenhum a origem predominante do mal. O caso da prisão de Abu Ghaib, no Iraque, em 2004, já aqui referido, onde soldados americanos, gente normal, se dedicou a crueldades revoltantes, deu a Zimbardo, que teve acesso a todo o processo, oportunidade de comparar com os registos que tinha feito quarenta nos anos, em Stanford, e verificar a similitude das situações e dos comportamentos. «A maior parte do mal não é perpetrado por indivíduos, mas pelos sistemas, pelos Governos. Quando as pessoas estão organizadas num sistema, é aí que o mal é pior».

Podemos acrescentar – di-lo a experiência de todos nós – o ambiente social, o meio e as suas condições muitas vezes degradantes e degradadas, o mau exemplo da brutalidade tornada banal e praticada por todos, eis o caldo cultural e social onde a maldade floresce. A banalização do mal é o maior agente da maldade tornada vulgaridade e, depois, naturalidade. Mergulhados em ambientes onde a crueldade ou a brutalidade é o vulgar como não adotar esses comportamentos como normais?

João Boavida

Existe indisciplina no Ensino Superior?

Texto composto a partir de um depoimento que me foi solicitado pelo jornal Expresso e que foi publicado na edição do passado dia 15 de Setembro.
“Tarefas detestáveis de manhã: interrogar três alunos que fizeram sinais a mulheres da rua nos terrenos da Universidade numa tarde de domingo; outros dois que assobiaram no corredor, outro que fumou nos terrenos da Universidade. É para isto que eu sirvo?... A vida que agora levo tem de acabar, ou então será ela que acabará comigo (...). O meu tempo completamente tomado durante todo o dia com os mais repugnantes detalhes de disciplina, capazes de pôr qualquer coração doente: fraude, dissimulação, falsidade, comportamento grosseiro, pais e amigos a aborrecer-me o tempo todo e acreditando estupidamente nas mentiras que os seus filhos lhe contam.”
Edward Everett (reitor da Harvard University), Memórias (1846-1849) [1]
“(…) a disciplina escholar dos estabelecimentos litherários [e punir disciplinarmente] os actos de insubordinação. [Essas punições constavam na] reprehensão dada na presença do secretário da Universidade e notada por elle no livro competente com os motivos que deram logar á demonstração; a participação das faltas literárias e moraies aos paies, tutores ou pessoas em quem possa tocar; a preterição na ordem ou procedência dos actos; a detenção em custódia por tempo de um a oito dias; a sahida da cidade por tempo de seiz mezes a um anno; a exclusão perpetua da Universidade.”
Regulamento da Polícia Académica da Universidade de Coimbra [2]

Existe indisciplina no Ensino Superior?

Existe, mas sem relativizar o problema, é importante destaca que não é um problema novo nem circunscrito em termos institucionais. Relatos vários (de que os acima reproduzidos constitum xemplos) indicam isso mesmo.

Situando-nos no presente. Se temos muitos estudos sobre a indisciplina no ensino básico e secundário, eles são escassos no ensino superior.

O conhecimento que tenho de diversas faculdades, de Letras e de Ciências, leva-me a concluir que os comportamentos dos estudantes variam de instituição para instituição, de curso para curso, de turma para turma. Uma turma dum determinado ano pode manifestar comportamentos preocupantes e a turma do ano seguinte funcionar bem.

É um problema que merece investigação detalhada para que seja possível compreendê-lo melhor e, em sequência, antecipá-lo, preveni-lo, tanto quanto possível, impedir que se manifeste.

Por outro lado, é preciso investir na organização do ambiente das escolas e das aulas de maneira que seja possível ensinar e aprender da melhor maneira possível. Isto beneficia, obviamente, os estudantes portugueses, mas também os estrangeiros, que tenho visto manifestarem desconforto com o que se passa nas salas de aulas.

Razões do problema?

Por parte dos estudantes, eu indicaria três. Uma é o desconhecimento ou insensibilidade a regras básicas de relacionamento interpessoal e de funcionamento de situações formais como as aulas: falar enquanto o professor ou um colega fala, usar um tom arrogante quando se lhes dirige, atender o telemóvel, entrar e sair da aula, chegar atrasado a exames e achar que isso é normal, não cumprimentar, não pedir licença nem agradecer, são comportamentos que ocorrem. Casos há em que esses comportamento predominam e impedem que as aulas decorram com um mínimo de normalidade.

Outra razão é a falta de conhecimentos básicos e de curiosidade intelectual, sendo que uma coisa está muito ligada à outra. O ensino superior surge naturalmente no percurso escolar, não tendo alguns estudantes feito uma escolha consciente: «pretendo, de facto, prosseguir estudos superiores?», «tenho conhecimentos que me permitem acompanhar esses estudos?». Quando faltam os conhecimentos e a curiosidade muito dificilmente se conseguem acompanhar os raciocínios, realizar as tarefas e a tendência para fazer outra coisa que não acompanhar o ensino deve ser grande.

Outra razão, ainda, é a ideia de que todas as tarefas académicas têm de ser agradáveis, práticas, têm de implicar acção e intervenção dos estudantes. Quando isso não acontece, consideram que não estão a aprender verdadeiramente e derivam a sua atenção para algo mais apelativo...

Da parte das instituições escolares, indicaria as razões que se seguem.

Uma delas, a que me parece mais importante, é não se encarar devidamente o problema desde a entrada na escolaridade básica: antes de se intervir na indisciplina é preciso construir um clima de disciplina: organizar (e separar) tempos e espaços de trabalho e lúdicos, estimular as capacidades dos alunos, proporcionar-lhes desafios adequados mas progressivamente mais exigentes, fazê-los perceber um quadro de valores fundamentais...

Outra razão: as próprias instituições de ensino superior têm deixado ao critério dos professores tudo o que se passa nas suas aulas, alegando que eles são autónomos e responsáveis pelo ensino. Isso é verdade, mas quando os problemas de comportamentos passam de pontuais e ligeiros a recorrentes e muito perturbadores não se resolvendo com uma chamada de atenção, os professores ficam numa situação difícil: sabem que mesmo que apresentem a situação a instâncias superiores, estas podem não ter os instrumentos normativos para lhe fazer face e, mais importante do que isso, temem os juízos que se possam fazer deles: que não sejam suficientemente interessantes e dinâmicos para prenderem os alunos, para estabelecerem uma boa relação com eles... Isto para não falar na avaliação formal a que estão sujeitos. Tudo isto é muito desgastante...

O que se pode fazer?

A abordagem deve ser primordialmente de carácter institucional. Cada escola pode e deve reconhecer que o problema existe. A este aspecto primordial deve associar-se o acolhimento àquilo que os professores e os alunos têm para dizer sobre o assunto, ponderar os casos que ocorrem e procurar soluções. Enfim, fazer tudo o que estiver ao seu alcance para potenciar ambientes calmos e produtivos sob o ponto de vista do ensino e da aprendizagem.

Algumas universidades começam a tomar medidas formais (por exemplo, a Universidade de Coimbra aprovou recentemente o seu regulamento disciplinar e a Universidade de Lisboa está a prepará-lo), que constituem suportes válidos em casos concretos. Porém, e sem lhes retirar importância, há um trabalho fundamental a fazer em termos de investigação e em termos pedagógicos.

[1] Citado em Harvard Alumni Bulletin de 1 de Maio de 1965, 583 in Sprinthall, N.A. & Sprinthall, R.C. (1993). Psicologia Educacional: uma abordagem desenvolvimentista. Lisboa, McGraw-Hill, página 528.
[2] Citação de M. R. Coimbra (1991, 330) in José Ramos Bandeira, Universidade de Coimbra, Coimbra, Casa do Castelo, 1947, 2.º vol., página 140. Este Regulamento estava em vigor no século XIX.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Um exemplo a seguir?

Vale a pena ler este artigo de Shailendra Raj Mehta, publicado no Público, sobre o que explica o sucesso das universidades norte-americanas. Contudo, apesar de haver certamente alguma verdade na sua análise, tem dois pontos muito fracos. 

Primeiro, baseia-se em classificações de universidades para declarar que uma é melhor do que outra, vulgo "rankings". Ora, o modo como tais classificações são feitas deixa amplo espaço de manobra para que uma universidade que fica em primeiro lugar numa classificação fique em décimo noutra. A maneira como medimos a qualidade de uma universidade depende do que entendemos que é a qualidade de uma universidade. 

Segundo, se a análise do autor estivesse inteiramente correcta, seria de esperar que antes da segunda guerra mundial as universidades norte-americanas tivessem a mesma influência que têm hoje em dia. Mas não tinham. No caso da filosofia, por exemplo, nenhum departamento norte-americano antes da segunda-guerra mundial se aproximava sequer de um departamento britânico médio, quanto mais dos melhores. (Com que critérios? Vagos, baseados no meu conhecimento da bibliografia e da história da filosofia. A minha impressão não tem qualquer base científica, mas eu ficaria muito surpreendido se um estudo científico a contrariasse -- e não apenas eu, mas praticamente qualquer filósofo.)

Eis uma ideia. O autor pode ter razão, e o modelo de administração norte-americano que ele defende parece-me uma excelente ideia. Mas outro factor crucial para explicar o domínio actual das universidades norte-americanas é o fenómeno que observamos várias vezes ao longo da história da humanidade: os mais importantes centros de estudo tendem a ir atrás do poder económico. Veja-se aqui a minha recensão de Empires of the Word, para uma ideia semelhante no que respeita à importância das línguas. 

VIDEOS PARA O ENSINO DAS CIÊNCIAS

 Do professor de Física Carlos Portela recebemos esta excelente compilação de vídeos para aprender ciências:

Recolha de vídeos para o ensino das ciências, sobretudo para o ensino secundário, física e química: mais 4300 vídeos de ciência! - https://sites.google.com/site/videosfq/
Vídeos narrados ou com legendas em português: https://sites.google.com/site/videosfq/pt; exemplo:  Relatividade - Capítulo 2: relatividade galileana vs. einsteiniana  - 06:44 [material para download]

Canais - vídeos de diversos youtubers: https://sites.google.com/site/videosfq/canais; exemplo: Newton's 3 Laws, with a bicycle - Joshua Manley (As 3 leis de Newton com uma bicicleta - Joshua Manley) - 03:33 [Animação por Candy Kugel - Buzzco Associates, Inc.] da série TedEd.

Canções com ciência: https://sites.google.com/site/videosfq/cancoes; exemplo: I'm Atoms (Scientific Cover of Jason Mraz's I'm Yours) - (Eu sou átomo - versão científica da canção I'm Yours de Jason Mraz) do canal veritasium.

Grandes comunicadores de ciência (bronowski, carl sagan, feynman, rómulo de carvalho, neil degrasse tyson, walter lewin): https://sites.google.com/site/videosfq/cientistas; exemplo:  Part 1 - The Frontier Is Everywhere (Parte 1 - A fronteira está em toda a parte).

Matemática: https://sites.google.com/site/videosfq/matematica; exemplo: Infinity is bigger than you think (O infinito é maior do que pensa) - 08:00 do canal numberphile.

Astronomia: https://sites.google.com/site/videosfq/astronomia; exemplo:  Cosmic Journeys: The Largest Black Holes in the Universe (Viagens cósmicas: os maiores buracos negros do universo).

Física: https://sites.google.com/site/videosfq/fisica; exemplo: Picture of the Big Bang (a.k.a. Oldest Light in the Universe) (Uma imagem do Big Bang - também conhecida como a luz mais velha do universo) - 04:01 da série MinutePhysics.

Química: https://sites.google.com/site/videosfq/quimica; exemplo:  A new weapon in the chemical arsenal of Amazonian poison frogs (Uma nova arma no arsenal químico dos sapos venenosos da Amazónia) - 03:37 da série Bytesize Science.

Entender a crise política que evidentemente não pode ter fim


Não é nosso costume republicar artigos da imprensa escrita, mas este, de Nuno Garoupa, Professor de Direito da Universidade do Illinois, EUA, saído ontem no Diário Económico, merece ampla divulgação:

"(l) Evidentemente que o Governo está mais que amortizado. É um cadáver político que vai de pacote de austeridade em pacote de austeridade, condenado a fracassar e ao desastre.

É um Governo que, tendo bastantes ministros competentes e empenhados, morre por uma liderança política digna de jotinha. É evidente para todos que, além dos "senadores" habituais (sempre tão agradecidos pelas abençoadas "sinecuras"), o primeiro-ministro não tem a densidade e a estatura para o lugar que ocupa Ao mesmo tempo, o seu círculo político é absolutamente incapaz. Em Junho de 2011, o Governo foi mandatado para reformar Portugal, aumentar a eficiência do gasto público e reduzir o endividamento da economia. Até agora simplesmente aumentou a carga fiscal e matou a economia.

(2) Se o Governo é um absoluto desastre, o PS é pior. Irresponsável e embalado pela demagogia que a sociedade portuguesa (misteriosamente) consente, o PS não apresentanenhuma alternativa. O Governo aumenta impostos porque tem de financiar os tais quatro mil milhões de euros que não consegue cortar na despesa. O PS simplesmente não explica onde vai encontrar esse dinheiro (porque feria exactamente o mesmo como aliás fez o Governo Sócrates). Já o PC e o BE sabem muito bem que, enquanto Portugal estiver na zona euro, o que andam a dizer é uma fantasia pura. Com a TSU, descobrimos que a generalidade dos portugueses prefere a mentira e a demagogia em vez de exigir responsabilidade e rigor. Assim vamos longe.

(3) Nesta altura é óbvio que o PS e o PSD-CDS são incapazes de dar volta à crise. Um interessante artigo no El Pais da semana passada explicava porquê. O ponto central é que temos uma classe política dita predatória, isto é, uma classe política que utiliza o Estado para maximizar as suas rendas privadas sem grande prestação de contas e com bastante impunidade. Um Estado pensado, desenhado e estruturado ao serviço dos interesses pessoais dos políticos. Como aconteceu?

Para evitar a instabilidade e a crise institucional da l.ª República, a democracia instalou um oligopólio político completamente fechado que opera em cartel, equilibrando os interesses instalados dos vários lóbis.

Sem uma verdadeira contestação externa e operando em circuito fechado, mas como dinheiro fácil dos fundos europeus e do crédito barato, o oligopólio corrompeu-se. O Estado social deu lugar ao Estado dos interesses e das rendas. O problema é que, para sair da crise, o Estado dos interesses e das rendas tem que ser parcialmente, ou mesmo totalmente, desmantelado. Desmantelar esse Estado é negar a essência da própria classe política predatória. Consequentemente não pode haver solução para a crise económica e financeira sem uma ampla reforma do sistema político. Desse ponto de vista, o completo e absoluto silêncio dos três principais partidos sobre o tema não surpreende."

Nuno Garoupa

"INNOCENCE OF MUSLIMS": WE DO NOT RECOMMEND THIS FILM

 
Da coluna do físico Robert Park, What's New:
 
"To form my own opinion about this unpleasant piece of trash, written and 
produced by Nakoula Basseley Nakoula, an Egyptian Copt on parole for fraud, 
I first had to sit through it.  I’m not a film critic but I don't think 
Nakoula is expecting an Academy Award.  Salman Rushdie, the brilliant 
author of Satanic Verses, he is not, although there is a fatwa on both of 
them.  To parade their moral outrage, a mob of mindless Muslims murdered 
four Americans, including the Ambassador Chris Stevens, who of course had 
nothing to do with the film. So who expects religion to make sense? God 
speaks only to prophets. The rest of us are supposed to take their word for 
it."
 
Robert Park 

AS PRAXES - A GRANDE E DESEJADA HUMILHAÇÃO

Novo texto de Cristina Carvalho
Falo das praxes. Falo dessa prática, muitas vezes desumana, gravemente humilhante, gravemente provocatória que os futuros “doutores”, os “encanudados” filhos da nação e futuros orientadores de futuros, gostam de praticar no lombo e no rosto dos jovens que vão pela primeira vez ingressar nas faculdades.

Falo destes comportamentos aberrantes, sádicos e monstruosos que dão um “gozo catarino” a quem os pratica. Eles sentam-se em cima dos “fracos”, atam-lhes cordas ao pescoço, chibatam-nos pelas ruas das cidades de modo a que todos os possam apreciar. Eles cospem-lhes nas caras, eles arrotam-lhes o resto do jantar de ontem, mordem-lhes, eles despem-nos, pintam-nos, urinam-lhes e defecam-lhes em cima. Ardem e fremem corações de pedra, rejubilam no sofrimento do jovem colega, quanto mais humilhado e amarfanhado melhor!

Que é que uma pessoa pode pensar disto? Que é um costume? Uma tradição a cumprir, obrigatória, na entrada do ensino superior? Esta violência acontece noutros pontos civilizados do planeta? O que é que uma pessoa pode pensar destas atitudes sabendo que as cabeças que prepararam tudo isto, gastaram uns dias da vida, umas preciosas horas da vida a engendrar torturas? O que é que uma pessoa pensa disto? Engendrar torturas e humilhações? Mas quem é esta gente que engendra torturas e humilhações? São os doutores? Os príncipes engalanados, pavões falantes trepadores de pódios desejados por toda a vida? São os futuros gestores e gerentes e políticos e nossos orientadores? Mas quem é esta gentuça? Donde vem? Quem os educou? Que sonhos têm na cabeça? Que prenda desejam no final dos cursos? Um gabinete com vista para a cidade? Um chicote com cabo de marfim? Um panelo sem fundo que aguente com as suas torpes idiossincrasias? Uns “sim senhores” que pretendem que a revolta se instale noutro tipo de espíritos? Que é que pretendem? Sofrimento?

Burgessos a cumprir o folclore fascista inculcado atavicamente nas suas pobres cabeças, ainda que dele não tivessem tido conhecimento, que apenas dele tivessem ouvido falar, mas que tão bem o aprenderam.

Faz lembrar as humilhações da história moderna das quais nem vou falar e que estão documentadas por fotografias.

Atenção que isto é “bullying” do mais perverso! E à vista de todos sem a menor pretensão de disfarce. E ninguém diz nada! As ruas de muitas das nossas cidades ontem, hoje e amanhã estarão enfeitadas com esta massa ululante e “brincalhona” que se diverte por palavras e por ações malévolas e ninguém lhes toca! Há gritos de revolta e de censura, isso há, como este meu aqui enquanto escrevo esta crónica. Meu e de muito mais pessoas, mas não passa daqui.

E são burgessos que eu sei lá! Falam mal, falam aos berros. Não é preciso sermos todos muito palacianos e muito mesuras e muito delicodoces, mas a tendência que há, que se nota, que se vê a olho nu, que se ouve a torto e a direito de algumas pessoas se acharam modernaças e jovens e giras e "práfrentexes", de algumas pessoas que exibem uma certa brutalidade verbal, uma enorme agressividade no sentido da pior assertividade e que lançam, por tudo e por nada e nas mais vulgares ocasiões, sem fazer o menor sentido e sem terem a mais pequena noção de oportunidade, o chamado palavrão, tipo porra, xiça, fosga-se e mais não digo porque nada disto faz sentido. Ao proferir estas palavras a torto e a direito, as pessoas retiram até a fantástica sensação de alívio que, realmente, só um palavrão pode proporcionar na altura devida. Além de que é vulgar e abrutalhado estar constantemente com este tipo de vocabulário. Uma pessoa define-se facilmente! Julga essa gente dos palavrões e das praxes, que se cria uma determinada intimidade, que essa atitude corresponde a algo que toda a gente sente e aprecia. Não! A boçalidade educa-se, a distinção – no sentido de ser distinto - não se obtém pela vulgaridade. A distinção é a própria distinção.

Nunca perceberá isto, esta gentuça das praxes.

E voltando às alegres entradas na universidades termino dizendo, que aqui estaremos à espera, mansamente, que estes filhos da nação que hoje se entregam a estes “divertimentos” acabem por vir divertir-se connosco quando forem mais velhinhos.

A ver se a gente lhes acha graça…

Cristina Carvalho

Filosofia e Ciência

"Ciências e humanidades é tudo a mesma coisa", disse Rómulo de Carvalho. E disse-o com verdade, pois esse lema trespassa a sua obra científica, docente, poética, biográfica, histórica, pedagógica... imprimindo-lhe uma comovente harmonia.

É reconfortante saber que deixou discípulos em professores. Sara Raposo é um exemplo: podendo, liga a Filosofia à Física e a outras disciplinas. Ela sabe que o Amor ao Saber tem de ser ensinado para se ser aprendido, ainda que o ensino não seja sempre condição de aprendizagem.

Veja-se aqui e aqui o que escreveu e deu a ver sobre o assunto.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Exomuseu da Natureza

Novo texto do Professor Galopim de Carvalho, com os nossos agradecimentos:

  Museu do Quartzo, no Monte de Santa Luzia, em Viseu

Em 1983 fui designado pelos meus pares da Faculdade de Ciências de Lisboa para dirigir o Museu Mineralógico e Geológico, parte importante do que foi o Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa [1], que também dirigi, a partir de 1993 e até 2003, praticamente confinado às suas paredes, na sequência do grande incêndio de 1978.

Um tal vazio e inexistência, ao tempo, de qualquer propósito de recuperação, não obstante as promessas, por parte das sucessivas tutelas, deixaram-me espaço para conceber um outro tipo de musealização que me conduziu à ideia de uma estrutura a que dei o nome de Exomuseu da Natureza, visando a geo e a biodiversidade.

Concebida como um conjunto de ocorrências naturais, esta estrutura museológica, geograficamente dispersa, pode ser coordenada a partir de uma dada instituição (um museu, uma autarquia, uma universidade, uma fundação) que as identifica, inventaria e as aceita como “peças” que, como tal, protege, estuda, valoriza e explica ao visitante. Expu-la no 1.º Encontro Nacional do Ambiente, Turismo e Cultura, reunido em Sintra, em 1989, por iniciativa do Centro Nacional de Cultura, ao tempo da saudosa Helena Vaz da Silva.

No âmbito do património geológico, entre essas ocorrências, consideradas como pólos do dito exomuseu, estão os geossítios e os geomonumentos localizados em pontos diversos de um dado território. Sendo evidente que tais ocorrências não cabem, fisicamente, dentro do edifício de um museu convencional e tendo em atenção que o seu enquadramento natural, no local onde se encontram, é essencial à sua compreensão, elas têm, forçosamente, de permanecer fora das paredes da referida instituição.

É esta particularidade, que sai fora do conceito tradicional de museu, que determinou o neologismo, no qual o prefixo exo, do grego ekso (fora, de fora, por fora), a distingue de um outro tipo – o ecomuseu – já conhecido do grande público. No âmbito da geodiversidade, o exomuseu abarca, ainda, todas as ocorrências que, embora tenham sofrido intervenção humana, continuem a ser considerados como documentos da história da Terra e da Vida, como são, por exemplo, as minas e as pedreiras abandonadas.

Passadas mais de duas décadas sobre a sua formulação, o exomuseu é hoje algo mais do que um nome ou do que uma ideia. Não tendo ainda realidade jurídica, nem figurando nos dicionários, esta estrutura já existe no terreno, estando representada pelos vários geomonumentos entretanto musealizados, e nos textos oficiais dos compromissos assinados entre o Museu Nacional de História Natural e algumas autarquias. Alguns geomonumentos referenciados em Portugal estão hoje incluídos nesta estrutura museológica, nos moldes atrás referidos, mediante protocolos celebrados entre o citado Museu e as Câmaras Municipais de Évora, Lisboa, Setúbal e Viseu. Nos acordos assim concebidos, estes geomonumentos foram considerados pólos da Universidade de Lisboa nos citados concelhos.

Nestes, o cimo de uma colina granítica nos arredores de Évora é hoje o Núcleo Museológico do Alto de São Bento, em funcionamento efectivo e permanente ao serviço, sobretudo, das escolas da região. Na cidade de Lisboa foram musealizados e estão em vias de o ser, uma série de geomonumentos. O sítio da Pedra Furada, recuperado e explicado ao público, é uma realidade em Setúbal. O Museu do Quartzo, na pedreira de Santa Luzia, em Viseu, inaugurado em Maio deste ano, está a ser um sucesso, com milhares de visitantes, com particular relevo para estudantes e professores das escolas de todo o país. Mas os projectos não param, estando em curso as diligências visando a musealização de dois geomonumentos no concelho de Sesimbra e um na cidade de Aveiro.

Outra sorte não tem tido o Museu e Centro de Interpretação de Pego Longo (Carenque) – a grande jazida com pegadas de dinossáurios do Cretácico - com projecto iniciado há mais de vinte anos e aprovado, pela autarquia sintrense, em 2001, continua, lamentável e incompreensivelmente, a degradar-se e à espera de concretização e de poder constituir a fonte de receita turística que se lhe adivinha.

Galopim de Carvalho

[1] - Hoje convertido no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, por fusão com o antigo Museu de Ciência, com o qual partilhava o espaço da antiga Escola Politécnica.

Como aumentar o interesse pela matemática


Já deu resultado!

Agradeço publicamente a resposta da Helena ao meu artigo sobre o fim do ensino. Mas não há qualquer argumento na sua resposta e há duas confusões. Para esclarecer o que está em causa é preciso pensar o seguinte: há um sentido em que nunca, na história da humanidade, deixou de haver professores. Pela simples razão de que todos temos de aprender tudo com os outros, e sozinhos, quando somos crianças. Professores informais, sempre os houve, e sempre os haverá, enquanto houver seres humanos como nós.

O que eu apresentei como ideia radical para ser discutida não é que os professores informais irão desaparecer: esses nunca poderão desaparecer. O que estava em causa não era sequer a ideia de desaparecerem os professores mais formais, mas antes o de desaparecer professores associados a um currículo rígido e largamente irrelevante para toda a gente, incluindo eles mesmos. Que é o que mais temos hoje. Qual é o professor de filosofia, química ou literatura que realmente valoriza o que é suposto ensinar? Quase nenhum. E qual é o aluno que valoriza, dois, três, dez anos depois, tudo aquilo que teve de decorar para enfiar nos exames? Quase nenhum. Então, que sentido faz tudo isto? Se não é uma mentira corporativa, para garantir um tacho aos professores, é o quê? Que bem se está fazendo à sociedade, aos alunos, aos pais dos alunos? Penso que a resposta só pode ser uma: rigorosamente nenhum.

Veja-se as experiências impressionantes de Sugata Mitra: crianças que aprendem inglês sozinhas, que nunca viram um computador e aprendem a navegar na Internet, crianças italianas que não falam a língua dele (inglês) e descobrem sozinhas o que ele estava perguntando e a resposta à pergunta. Isto é de tal modo impressionante que Arthur C. Clarke comentou: "Qualquer professor que possa ser substituído por uma máquina, deve sê-lo". A questão é: coisas profundas e complexas poderão ser ensinadas assim? O objecção é que neste tipo de auto-ensino só se ensina superficialidades e brincadeiras. Será? Convido-vos a ver o vídeo e já respondo a esta objecção.



A ideia de que o auto-ensino só serve para ensinar brincadeiras e trivialidades é falsa porque quase todas as pessoas mais criativas, que mais estudam e que mais escrevem aprenderam tudo por si próprias, sem professores: com livros e discussões entre pares. Mas se o ensino formal, disciplinarmente engessado e rígido, não serve nem para ensinar superficialidades que as crianças aprendem sozinhas se forem deixadas em paz, nem coisas profundas e complexas, serve para quê?

Portanto, a primeira confusão é esta: dizer que os professores formais, institucionais, vão acabar, é muito diferente de dizer que vai acabar o ensino e a aprendizagem. Pelo contrário, esta vai persistir porque sempre existiu e sempre existirá. Mas hoje o maior obstáculo à qualidade da aprendizagem são os professores formais, as escolas, as universidades e toda a institucionalização, burocratização e rigidez que isso implica. Os seres humanos sempre aprenderam e ensinaram, e fizeram-no suficientemente bem para chegarmos aqui sem nos extinguirmos.

A segunda confusão é que nunca, nunca, devemos esquecer que o ensino, mesmo o formal e institucionalizado, mesmo o ensino da escola e da universidade, não tem de ser financiado por dinheiros públicos. Afinal, os supermercados e as mercearias, sem os quais as pessoas não poderiam viver, são privados. E são bens de primeira necessidade: uma pessoa pode passar a vida toda sem ler um livro, mas não pode passar nem dois meses sem comer alguma coisa.

A ideia de que o ensino formal tem de ser financiado publicamente refuta-se de uma maneira muito simples. Só há duas hipóteses: ou esse ensino oferece algo que as pessoas valorizam e querem pagar, ou não.

1) Se sim, então não faz sentido ser público, porque nesse caso as escolas são como os supermercados: as pessoas valorizam, estão dispostas a pagar, e é crucial para elas. Mas o estado não financia tal coisa.

2) Se não, então não faz sentido ser público, pois nesse caso o estado está a usar o dinheiro das pessoas para financiar algo que não interessa às pessoas. Na verdade, interessa apenas a quem lucra com esse financiamento: os professores, funcionários, etc., que vivem como parasitas do dinheiro dos impostos das pessoas.

Evidentemente, a hipocrisia de quem defende o ensino financiado pelo estado é que toda a gente sabe que o ensino das escolas e universidades, financiado pelo estado, não é valorizado pelas pessoas e elas não estão dispostas a pagá-lo (daí que só contrariadas paguem 19 euros por um manual de filosofia, pois é algo que desprezam, ao passo que com todo o gosto dão 400 euros por um smartphone). Inventa-se então a ideia ridícula de que apesar de as pessoas não quererem a escola que temos nem com molho de tomate, lhes estamos a fazer um grande bem, obrigando-as a aceitá-la. Isto é uma falsidade, e uma falsidade hipócrita, que visa apenas servir os interesses de quem ganha com o sistema.

Concluindo, eu defendo duas ideias muito diferentes, e não devemos confundir uma com a outra. Primeiro: não precisamos de escolas nem de universidades estruturadas, formais, como temos hoje -- sejam financiadas com dinheiros públicos ou não. Sir Ken Robinson aponta aqui nessa direcção, argumentando que temos um modelo industrial de ensino e que precisamos de um modelo agrícola ou orgânico de ensino, que responda à diversidade de interesses dos alunos, em vez de obrigar toda a gente a estudar o mesmo da mesma maneira:



Um exemplo notável do que tenho em mente é a Universidade dos Pés Descalços. Bunker Roy faz um trabalho notável.  Os bem-pensantes consideram (sem dúvida, com boas intenções) que as chamadas pessoas ignorantes, iletradas, só podem ganhar dignidade social e pessoal estudando o que eles estudaram e ficando iguais a eles. Roy mostra que isto é falso. As pessoas podem ganhar dignidade desenvolvendo de maneira orgânica, e não industrial, os seus talentos e conhecimentos, aprendendo por si mesmos. Podem melhorar as suas próprias vidas, sem precisar das esmolas dos bem-pensantes -- que, curiosamente, nunca vão para as áreas mais pobres, para ensinar sem condições.



Esta é a minha primeira ideia: que há muitas maneiras diferentes de aprender e ensinar, e que o modelo industrial, em série, massificado, institucional, rígido e igual para todos, que temos hoje está estragado. Precisa de ser deitado fora. Precisamos de repensar tudo do zero. Precisamos de devolver dignidade ao bombeiro, de que falou Sir Ken Robinson, sem que ele tenha de estudar filosofia, lógica e literatura comparada (mas poderá estudar tudo isso, se quiser). Precisamos de ver, como Bunker Roy mostra, que a dignidade humana não precisa de graus académicos e escolares, e que isso é  na verdade uma forma encapotada de colonialismo, racismo ou snobismo.

A minha segunda ideia é que o ensino financiado pelo estado não faz sentido algum, quer tenhamos em mente as escolas de hoje, que foram concebidas como linhas de montagem industriais, quer tenhamos escolas orgânicas, como defende Sir Ken e como Bunker Roy efectivou. As duas ideias, apesar de relacionadas, são logicamente independentes. Isto significa que podemos aceitar a primeira, mas rejeitar a segunda, ou rejeitar a primeira, mas aceitar a segunda. Eu aceito as duas.

Era capaz de não dar grande resultado...

A propósito do texto do Desidério cujo título é O futuro do ensino.
Parafraseado Mark Twain (quando, num jornal, deu de caras com a notícia da sua própria morte), sou tentada a dizer que a morte do ensino, tantas e tantas vezes anunciada, é um pouco exagerada...

Alguns dos mais antigos registos sobre o ensino, quando esta tarefa apenas se esboçava, já anunciavam a sua extinção, que tem sido, de resto, retomada com regularidade.

No século XVIII, o inglês Samuel Johnson (1709-1784), literato, entre outras ocupações, com o bom humor que se diz que tinha, escreveu: “Os prelectores, em tempos úteis, mas agora que todos sabem ler e os livros são tão numerosos, já não são mais necessários. Se a atenção falha e se perde uma parte de prelecção está-se perdido, não se pode voltar atrás como se fosse um livro.” Se em vez de livro, escrevermos televisão, internet, robot ou outro recurso que há-de surgir, o sentido é exactamente o mesmo.

Tenho de concordar: quanto dinheiro se pouparia se os professores fossem substituídos por alguma coisa não humana. A sua preparação, sobretudo se for de qualidade, fica cara, os seus ordenados pesam imenso nos orçamentos dos estados. E tem de se lhes arranjar um sítio para se encontrarem com os alunos, sítios que se tornaram escolas cuja construção e manutenção é dispendiosíssima, sobretudo se algo-do-tipo-Parque-Escolar por lá passar. Acresce que, como (ainda) não fazem tudo sozinhos, desde a limpeza ao trabalho de bar, passando pelo secretariado, arrastam serviços de apoio... caríssimos também.

Assim, se eliminássemos os professores, esperando que os alunos, seguindo a sua "curiosidade natural" (essa entidade mítica!), individualmente ou uns com os outros, mas sempre por si mesmos, conseguissem, desde a idade de seis ou sete anos, procurar e encontrar os recursos para aprenderem autonomamente, poupar-se-iam milhões e milhões...

Só que (as excelentes ideias têm sempre um problemazito associado) era capaz de não dar grande resultado... Tendo em conta as tentativas que se fizeram para eliminar os professores, tentando não ser muito devastadora, eu diria que não são propriamente encorajadoras.

Reconheço que o que acima disse pode decorrer da minha pouco assumida mas (que sabe, fortemente instalada no meu inconsciente) costela corporativa.

Fotografia de Sebastião Salgado (Escola itinerante)

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Um pedaço do universo

Para se ter uma ideia da verdadeira dimensão do universo, veja-se este vídeo de 49 segundos da BBC.

Ninguém sabe ao certo em que dose.

A propósito da seguinte frase de um leitor: “Não se deve atribuir à guerra a maldade dos homens. Ela é uma consequência inelutavél de fenómenos que nada tem a ver com a psiquiatria.”

Meu caro Ildefonso Dias

Todas as frases têm um contexto e a maior parte das vezes só integradas nele devem ser interpretadas.

Dificilmente se pode dar razão total a uma frase sem ver o contexto, ou o texto, em que ela está. Não quero dizer que não haja frases lapidares que estabelecem verdade evidentes e regras da maior utilidade ou sabedoria, mas é preciso sempre muito cuidado da parte de quem as usa, para não as desvirtuar, e de quem as lê, para não ver nelas o que lá não está, mas sim o que está na sua própria cabeça.

Não conheço o texto nem a circunstância em que a frase que cita se integra, mas basicamente de acordo come ela. A guerra pode entender-se como a pior de todas as coisas, mas é feita por pessoas e é preparada por uma infinidade de fatores, forças e circunstâncias que, em certas condições, se potenciam umas às outras num processo muitas vezes inconsciente, leviano e que a certa altura já ninguém consegue controlar. A guerra é muitas vezes a condição e o meio em que os psicopatas se manifestam e onde proliferam.

Veja que assim que aparece uma calamidade ou uma desordem aparecem logo os ladrões, os assassinos os atiradores furtivos, que matam por matar, como aconteceu na Jugoslávia, ou em morticínios como no Ruanda, etc., etc.

A guerra não se pode atribuir à maldade dos homens, a guerra (e outras situações) cria as condições onde o mal prolifera como epidemias sem controlo. Garantir, porém, que nunca têm a ver com a psiquiatria, já acho exagerado, porque, desencadeados os mecanismos da guerra, a psicopatia de muitos não deixará de se manifestar e proliferar.

Os desvios de comportamento são demasiado complexos e por muito que se investigue no sentido de os compreender, estamos longe de os entender convenientemente. Vejam-se, por exemplo, alguns artigos do livro referido anteriormente e que deu origem dos anteriores artigos que desencadearam a sua interrogação (A maldade humana – fatalidade ou educação?).

Portanto, estamos de acordo quando pensamos que os contextos é que formam os assassinos e as guerras, mas não podemos garantir que a psiquiatria não tem nada que ver com muitas das calamidades sociais a que a humanidade tem sido submetida. Certamente que sim, e não só necessariamente na guerra. E há muitas guerras, desde as que destroem milhões de pessoas, até às que nos grupos, nas famílias, nas fações futebolísticas se armam a toda a hora e onde a maldade a perversidade e psicopatia não estão de modo nenhum ausentes. Mas ninguém sabe ao certo em quer dose.

João Boavida

O futuro do ensino

No futuro, o ensino será muito diferente do que é hoje. Os nossos descendentes olharão para o nosso ensino com a mesma perplexidade que sentimos quando olhamos para o ensino de há apenas um século, quando era comum bater desalmadamente nas crianças, chegando a fazer sangue.

E qual é o futuro do ensino? Lamento dizê-lo, mas no futuro do ensino, os professores, enquanto categoria profissional, desaparecem. O que terá pelo menos a vantagem maravilhosa de acabar com os muitos discursos hipócritas de quem publicamente parece defender o ensino, mas na verdade está apenas a defender o seu tacho e a sua corporação.

Desaparecem porquê? Porque os professores profissionais, na maioria dos casos, não fazem coisa alguma que contribua para a formação dos alunos. Nada fazem que os alunos, seguindo a sua curiosidade natural, não fariam sozinhos, lendo.

Dois factores provocarão o fim do ensino tal como o conhecemos. O primeiro é quase invisível: o preço dos livros, sobretudo electrónicos. Poucas pessoas, sobretudo as que se queixam do preço de livros e manuais, se dão conta de que qualquer livro em papel é hoje quase 70% mais barato do que no início do séc. XX. Com os livros electrónicos, os preços irão baixar ainda mais, desde que se combata de maneira eficaz a pirataria. De modo que praticamente qualquer pessoa que queira aprender seja o que for o pode fazer sozinha, lendo.

O segundo factor é a especialização. O desenvolvimento -- cultural, económico, social -- depende crucialmente da especialização. É a crescente especialização que permite que a produtividade aumente e os preços de custo baixem. É a base da nossa riqueza actual, que era inimaginável há dois séculos. Ora, a especialização significa, cada vez mais, que as escolas em geral e as universidades em particular, no modelo actual, estão a mais. Estão a mais porque o que oferecem é um ensino em massa, genérico, não especializado. Toda a gente tem de estudar as mesmas coisas pelos mesmos livros da mesma maneira. E cada vez mais vemos que as pessoas mais criativas da nossa sociedade, cujas actividades intelectuais e criativas mudam o mundo para melhor, ou não têm cursos académicos, ou pouco ou nada aproveitaram dos que têm. No entanto, estudam muito. Estudam muitíssimo. Acontece que o estudo deles se faz exclusivamente lendo os livros relevantes para a sua aprendizagem, sem ter de aprender dezenas outras coisas irrelevantes.

Assim, no futuro, as universidades e escolas passarão a ser apenas seminários abertos, muitíssimo diversificados e sem unidade disciplinar. Seminários onde quem quer discutir e trocar ideias vai lá. Mas só lá vai para discutir e aprofundar ideias, e não para assistir passivamente a aulas que nada são senão livros orais muito maus, na maior parte dos casos.

Evidentemente, este futuro não interessa aos professores que, numa mentalidade corporativa, irão defender o modelo actual, pois é onde eles vão buscar o dinheiro. Mas este modelo é de um desperdício económico gritante, porque é ineficiente: a maior parte dos alunos limita-se a decorar meia dúzia de coisas para passar numa cadeira, esquecendo-as de seguida porque são completamente irrelevantes para ele como pessoa, como profissional, como ser humano.

Este modelo não significa, ao contrário do que se poderá pensar, o fim de estudos que não sejam de pendor prático, como é o caso da filosofia, dos estudos clássicos ou da história. Estas áreas continuarão a existir porque há pessoas que se interessam por elas, tal como a pintura existe porque há quem gosta de pintar. Apenas teremos muitíssimos menos historiadores e filósofos. Mas isto é uma boa ideia, pois na sua maior parte trata-se de pessoas que caíram um pouco por acaso na profissão que têm -- professores de filosofia, de história, disto e daquilo -- sem que tenham o menor interesse real e genuíno nas suas próprias áreas profissionais.

No futuro, teremos um mundo mais livre. Se entretanto não ocorrer uma catástrofe.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A BELEZA DA SIMPLICIDADE



Filme turistico sobre Portugal recentemente premiado em certames internacionais.

A subjetivização da maldade

Volto ao tema da maldade, aqui aberto pela Helena Damião (aqui e aqui). Merece um pouco de análise e de debate.

É um conceito polissémico pela infinidade de situações em que se pode manifestar, e tem uma escala gradativa quase incomensurável. Desde a pequena maldade de criança (que às vezes não é assim tão pequena) até às crueldades mais inomináveis e devastadoras de que a história nos dá exemplos, há formas e graus de maldade para todos os gostos e feitios.

A autonomização da moral, a que assistimos desde o século XVIII - e que desembocou ou está a desembocar numa individualização ética de perigosíssimas consequências - retirou à palavra muito do seu tradicional conteúdo.

A maldade tornou-se um conceito vago, que os indivíduos e as circunstâncias de contexto têm vindo a relativizar, esvaziando-o e, portanto, desvalorizando-o. Mas, chame-se-lhe maldade ou outra coisa qualquer, ela aí está, com todo o seu potencial inserido na alma humana, escondido no mais fundo dela e pronta a manifestar-se das mais variadas maneiras.

Como diz Edgar Morin em Os meus demónios: «o ser humano contém em si um ruído de monstros que liberta em todas as ocasiões favoráveis» (Os monstros da gravura vomitando-se em levas sucessivas ou devorando-se sem cessar, lembram-se?). É prudente, portanto, pensar que ela está sempre pronta a aparecer, que basta que baixemos a guarda (em termos pessoais e sociais) ou que criemos, ou deixemos que sejam criadas, as condições favoráveis, para a maldade se manifestar das mais variadas e inesperadas maneiras e fazer as suas vítimas.

Não convém, pois, desvalorizar o conceito, tratá-lo com a superioridade displicente dos cínicos, que pensam sempre dominar as situações a seu favor, e se sentem desobrigados de contribuir, com o seu exemplo e as suas atitudes, para a salubridade social e moral dos lugares e dos grupos. Até porque muitas vezes se enganam, pois facilmente as coisas se invertem e uma onda, em refluxo, os submerge tornando-os vítimas, de si mesmo e de outros iguais ou piores.

As revoluções, francesa e russa, por exemplo, produziram imensas vítimas entre os que, em certo momento, se julgaram acima do bem e do mal, ou capazes de imporem uma ordem e, em breve, se viram trucidados por ela, ou por outros com igual direito a impor a sua lei, e que, por sua vez, sofreram o mesmo destino tempos depois. Aliás não é preciso pensar em exemplos tão monstruosos; todos temos conhecimento de situações em que o feitiço se voltou contra o feiticeiro. Mas como isto só às vezes acontece e a justiça nem sempre triunfa, temos todos que fazer por ela, pensando em nós, e nos outros, que não são mais que as outras faces de nós.

Em suma, a moral (outra palavra fora de moda) tem razão de ser e é condição da vida pessoal e social. E por muito que certas teorias, prendendo ilegitimamente estas questões às praticas religiosas, têm procurado desvaloriza-las, pessoalizá-las para além do razoável, há dimensões objetivas que têm que ser preservadas. Esta mentalidade tem-nos levado à desvalorização de uma aprendizagem moral de séculos, que nos pode ser fatal.

E se é certo que se avançou muito em relação a esses tempos, em inúmeras coisas e sobretudo nos direitos e liberdades dos cidadãos, é também verdade que temos vindo a desvalorizar muito dessa aprendizagem, que está consubstanciada em conceitos com conteúdos objetivos, como coragem, honestidade, bondade, modéstia, humildade, honra, etc., e que temos vindo a desvalorizar por subjetivização excessiva.

Vago e polissémico que seja, o conceito de maldade não pode perder o conteúdo, sob risco de deixarmos de saber o que é mal e bem, humano e desumano e de entregarmos a cada um, e às suas razões particulares, a ordem axiológica das pessoas e das coisas. Razões que, sabemo-lo por demais, são muitas vezes interesseiras, ambíguas, confusas e até perversas.

Frequentemente a maldade resulta da paixão, da cegueira ideológica, da vontade de impor uma ordem que se julga justa e clarividente. Os sentimentos facilmente se incendeiam e a razão com facilidade desaparece quando a vontade é demasiado forte e intransigente. Há muitas vezes razões para a violência, e esta com facilidade se transforme em crueldade.

Gustavo Le Bom em As opiniões e as crenças considera esta dinâmica da vontade como um fator de progresso. E pode ser. Mas a vontade de vencer, a agressividade necessária para ultrapassar dificuldades e reveses, mesmo a paixão e a força que nos movem, e que têm produzido o progresso, não podem ser confundidos com maldade, ou crueldade ou sadismo. Do mesmo modo que a bondade se não pode nem deve confundir com moleza de caráter, inibição ou indiferentismo.

O que caracteriza a moral é justamente o estabelecer de um limite para lá do qual não é legítimo ir e definir um padrão orientador nas ações e nos sentimentos. E para isso é preciso também energia, vontade e até alguma controlada agressividade. E dentro dos quais as manifestações pessoas têm ainda grande leque de opções e muita margem de manobra. E mais, é pensar numa ordem justa e digna e vivê-la e promovê-la entre todos.

João Boavida

A universidade da verborreia



Texto de opinião recebido de Ângelo Alves (na imagem o escritor francês Albert Camus):

"Écoutant, en effet, les cris d'allégresse qui montaient de la ville, Rieux se souvenait que cette allégresse était toujours menacée. Car il savait que cette foule en joie ignorait, et qu'on peut lire dans les livres, que le bacille de la peste ne meurt ni ne disparaît jamais, qu'il peut rester pendant des dizaines d'années endormi dans les meubles et le linge, qu'il attend patiemment dans les chambres, les caves, les malles, les mouchoirs et les paperasses, et que, peut-être, le jour viendrait où, pour le malheur et l'enseignement des hommes, la peste réveillerait ses rats et les enverrait mourir dans une cité heureuse" (Albert Camus).

    Paula Teixeira da Cruz, actual ministra da Justiça, na sua aparição na Universidade de Verão do PSD, afirmou, com a habitual demagogia dos políticos, que é urgente ter «políticos com formação» e com «ética». No dia seguinte, o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, reiterou perante a comunicação social, num discurso surrealista e patético, que vai continuar com as «privatizações» (um almoedeiro, portanto), que baixou a «despesa pública», e que o seu caminho é o do «sucesso». Perante tanta verborreia e falta de bom senso, só faltou aparecer o “doutor” Relvas e o Presidente da República; o primeiro, que parece a raposa Salta-Pocinhas, aprendeu o valor do “silêncio” e do “dinheiro” com o segundo; o segundo, continua, há décadas, a ludibriar os portugueses com a palavra “verdade”, quando só pensa no valor da sua pensão e no futuro da sua família. A Procuradoria Geral da República ainda não arranjou tempo para analisar o curso do senhor Relvas, de apenas quatro cadeiras, se acaso as fez. Se fosse um pobre, porventura a esta hora já estaria preso, como o senhor que lançou uma cerveja ao “Santo Alberto Jardim”, o grande ocultador de dívidas astronómicas.

    No meu entender, todas as universidades deveriam ser públicas. Criações do capitalismo para o capitalismo, como a Universidade Lusófona, não entram no meu conceito de Universidade. Com cursos feitos nelas é possível singrar na vida sem estudar, comprar carros de luxo, passar férias em resorts, etc. Com efeito, alguns Salta-Pocinhas (políticos, bancários, etc.) formados nelas prosperaram deixando o Estado e os bancos sem dinheiro. São estes senhores, detentores de contas abissais, aqui e no estrangeiro, proprietários de quadros de Miró (como Oliveira e Costa), que deviam pagar a crise, em vez dos cidadãos que ganham a vida honestamente.

  Falam eles em valores. Valores?! A demissão forçada por Relvas da direcção da RTP e a nomeação de uma pessoa ligada ao PSD para presidente da mesma é um exemplo claro do regresso ao Estado Novo. O que escrevo, que aliás já escrevi noutras ocasiões, foi também escrito antes de mim pelo médico e romancista Cândido Ferreira: quem tomou o poder após o 25 de Abril foram os fascistas, isto é, aqueles que já tinham o poder. Cavaco Silva, antes do 25 de Abril, era, como muita gente, fascista. E Miguel Relvas só não era porque, em Angola, ainda não tinha atingido a maioridade.

   A hipocrisia é tão grande, que hoje se vota no PSD e amanhã se está contra esse partido. No imediato, só vejo duas alternativas para o país, Manuel Alegre ou Jerónimo de Sousa, pois só a força da poesia ou a origem humilde poderão salvar Portugal. Não a verborreia de Miguel Relvas, que diz ter “norteado a sua vida pela procura do conhecimento permanente”. Não a verborreia de Cavaco Silva, que cita Teixeira de Pascoaes, Miguel Torga e outros ao mesmo tempo que não hesita em atingir a cultura (recordo o caso de José Saramago). Não a verborreia de Luís Filipe Menezes que considera Relvas «inteligente» (desde quando astúcia é sinónimo de inteligência?). Não a cautela de José Miguel Júdice (ex-bastonário da Ordem dos Advogados), segundo o qual o pseudo-curso de Relvas não é motivo para demissão. Não a ligeireza de Nuno Crato, o ministro da Educação que não parece muito preocupado com o caso Relvas.

    Da universidade da verborreia só sairá verborreia. Nunca saiu, nem nunca sairá, nem verve nem cultura, nem justiça, nem igualdade. Leiam o último parágrafo da “Peste”, de Albert Camus, a fim de compreenderem melhor o 25 de Abril. Para aqueles que me acusam de fazer citações, eu riposto que só cito o que leio nos livros. Para esses sujeitos, acabo com um excerto de um poema:

     «…no sufras/ porque ganaremos/ ganaremos nosotros,/ los más sencillos,/ ganaremos,/ aunque tú no le creas, /ganaremos.»…

      Procurem o autor, por favor.

Ângelo Alves

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...