domingo, 19 de agosto de 2012

Metas matemáticas: uma nova esperança!


Texto originalmente publicado no Expresso, 18/8/2012.


O Ministério da Educação e Ciência (MEC) disponibilizou para discussão pública, no passado dia 28 de Junho, um conjunto de documentos destinados a regular o ensino de disciplinas nucleares no Ensino Básico, designados por Metas Curriculares. Focar-me-ei na área da Matemática.

As Metas Curriculares em Matemática (daqui em diante “Metas”) são um documento de extrema importância e urgência. Logo numa primeira leitura, impressionam o rigor e a objectividade da linguagem utilizada na sua elaboração. Muito longe estão estas Metas do discurso vago e vaporoso dos documentos sobre Matemática nas últimas décadas emanados do Ministério da Educação. 

As Metas estabelecem, sobre os actuais programas escolares, um cronograma de desenvolvimento do 1º ao 9º anos, o qual se apresenta inteligente e cientificamente inatacável. O encadeamento dos diferentes conceitos ao longo dos anos é realizado de forma cuidadosa, respeitando uma hierarquia científica natural e adequando-se à faixa etária dos alunos a que se destinam. Para além de estabelecer metas anuais objectivas e avaliáveis, o documento especifica em linguagem precisa, destinada aos professores, o desempenho que se pede aos alunos. As Metas foram elaboradas de forma articulada por um grupo de professores do Ensino Básico e Secundário com experiência no terreno e por matemáticos que se têm dedicado, nos últimos anos, à análise crítica destes níveis de ensino em Portugal. 

Porquê estabelecer Metas? Porque os actuais programas de Matemática definem “objectivos específicos” por ciclo de ensino, não por ano – inovação desviante da qual o nosso frágil sistema educativo foi vítima. Nunca os actuais programas especificam em que momento cada “objectivo específico” deve ser atingido. É fácil imaginar as assimetrias que assim se promovem nos milhares de escolas que leccionam o Ensino Básico em Portugal, que vão desde os Colégios privados mais exclusivos às mais humildes e remotas escolas onde os recursos educativos pouco vão para além do manual escolar. 

O sistema escolar deve uniformizar oportunidades e não promover assimetrias. Estas Metas são um contributo essencial para colocar alguma ordem no actual caos: longe de contradizerem os programas em vigor, estruturam a sua execução. Ao estabelecer um cronograma preciso para a aquisição de conhecimentos, ajudam a combater os elementos de ambiguidade e as tentações de facilitismo  que uma interpretação de programas ciclo a ciclo agrava. E não retiram liberdade pedagógica aos professores – bem pelo contrário: estabelecem objectivos concretos a atingir sem impôr métodos a seguir. 

Por último, as Metas Curriculares agora apresentadas representam, no seu conjunto (e não apenas na Matemática) uma “revolução tranquila” de um Ministro que enfrenta de forma sóbria e sem rodeios o grande problema da Educação: a transmissão de conhecimento. Oxalá assim prossiga. Há razões para uma nova esperança.

17 comentários:

Escrivão disse...

Com 30 alunos por turma, a ausência de estudo e de trabalho e o problema da indisciplina, esquece lá as Metas.

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Professor Jorge Buescu;

Eu estou muito inquieto com o que leio nas metas;

Vou exemplificar;

Quando se pretende do aluno “Saber que um litro de água pesa um quilograma.” [4. Medir massas nº3. pag. 111] eu pergunto, como pode isso ser uma meta? se isso só aproximadamente é verdade, mas o mais grave é que se é uma meta, pode-se conclui, de imediato, que o ensino não foi bem conseguido, diverge por completo da forma como o preconiza o Professor Sebastião e Silva na portaria nº 23 601 de 1968 (veja-se ai, sobre este assunto, o cap. VI) Medição de pesos e massas). É pois obvio para mim que a meta não está bem!

Com isto surge-me uma dúvida, que não me escuso de a colocar, que é, a de perguntar se, no caminho que iremos seguir, estamos livres de cometer o grave erro, no ensino da matemática, tal como o assinalava o Professor Sebastião e Silva na referida Portaria, e que transcrevo:

“Na aquisição de qualquer linguagem, e em particular na da matemática, o significante não pode ser cindido do significado. Um dos grandes erros no ensino tradicional da matemática (não apenas entre nós, mas também no estrangeiro) consistia em introduzir, e não muito bem, o sinal antes do conceito, a gramática antes da semântica - o cálculo antes da ideia e ocultando a ideia.

É especialmente contra este erro que todos os professores deverão lutar e que este programa é concebido.”

Cordialmente,

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

No meu comentário quando escrevo "se isso só aproximadamente é verdade" refiro-me ao "quilograma, como unidade de massa do sistema métrico decimal - aproximadamente igual à massa de um litro de água (destilada à temperatura de 4C")."

Jorge Buescu disse...

Estimado Joaquim Ildefonso Dias: compreenndo a sua perplexidade e concordo com ela. O erro está nos programas, não nas metas que este visam estruturar (e não ultrapassar, como tenho visto erradamente afirmar). Pode consultar o actual programa em http://sitio.dgidc.min-edu.pt/matematica/Documents/ProgramaMatematica.pdf.

Estiamdo Roberto, sem objectivos bem definidos não é possível ultrapassar "a ausência de estudo e de trabalho e o problema da indisciplina", que reconheço serem problemas essenciais.

André Pacheco disse...

Caro Jorge Buescu,
Peço desculpa mas devo afirmar que encontro várias incongruências no seu discurso. É verdade quando afirma que «nunca os actuais programas especificam em que momento cada “objectivo específico” deve ser atingido» (tirando o facto de os organizarem por ciclo). Mas também é verdade, e você não o diz, que cabe aos docentes de cada escola/agrupamento decidirem esses momentos. Não é o acaso que decide os momentos em que cada “objetivo específico” deverá ser atingido. São os docentes de matemática, com os seus conhecimentos, experiências e conscientes da realidade em que se inserem, que decidem qual a ordem que irão estabelecer. E tal facto está longe de criar «as assimetrias que assim se promovem nos milhares de escolas que leccionam o Ensino Básico em Portugal, que vão desde os Colégios privados mais exclusivos às mais humildes e remotas escolas onde os recursos educativos pouco vão para além do manual escola». Isto porque, independentemente da ordem pela qual os conteúdos são trabalhados, todos os “objetivos específicos” de cada ciclo serão passíveis de ser avaliados. Esta inovação só poderá constituir um problema se se considerar que os docentes em causa são incompetentes. Se, pelo contrário, confiarmos nos nossos docentes, esta inovação significa uma real «liberdade pedagógica», expressão que o senhor usou. E, contrariamente ao que afirmou, o estabelecimento das metas curriculares de caráter anual vem retirar parte dessa mesma liberdade.
Gostaria ainda de colocar duas questões e de fazer um reparo.
As duas questões têm a ver com uma frase presente no post: «Ao estabelecer um cronograma preciso para a aquisição de conhecimentos, ajudam a combater os elementos de ambiguidade e as tentações de facilitismo que uma interpretação de programas ciclo a ciclo agrava.»
Deste modo permita-me questionar: Quais os “elementos de ambiguidade” referidos? E de que forma a interpretação ciclo a ciclo agrava as tentações de facilitismo?
Por fim, permita-me efetuar um reparo à sua afirmação «as Metas Curriculares agora apresentadas representam, no seu conjunto (e não apenas na Matemática) uma “revolução tranquila”». Sei que é professor no Ensino Superior e que tem tido sucesso na área da divulgação científica, facto pelo qual lhe reconheço valor e lhe dou os parabéns. Porém, provavelmente os seus conhecimentos relativos ao ensino básico não serão muito alargados. Deste modo, permita-me que o informe, como professor do Ensino Básico, que esta “revolução” não está a ser de todo “tranquila”, sobretudo no que diz respeito à opinião de muitos professores relativamente às metas estabelecidas, e muito menos será uma “revolução”.

José Batista da Ascenção disse...

Caro André Pacheco

Como professor do ensino secundário, gostaria de dizer-lhe que me parece bem o estabelecimento de um cronograma para a aquisição de conhecimentos, pela seguinte razão:
- ter lidado com situações de alunos que, ao mudarem de escola, tiveram dificuldades, precisamente a matemática, porque os professores da escola de onde saíram e os da escola para onde foram não seguiam as rubricas programáticas pela mesma ordem. E quer uns quer outros são professores competentes (digo-o porque os conheço...). Nalguns casos, a situação foi problemática, e o remédio, para aqueles que podiam, foi, para além de estudar mais, pagar explicações...
Liberdade pedagógica sim, mas mais no modo como se ensina, e não tanto naquilo que se ensina, excepção feita ao facto de os alunos serem maiores e assim o desejarem.

André Pacheco disse...

Caro José Ascenção

Segundo o programa de Matemática do ensino básico não existe liberdade «naquilo que se ensina». A liberdade encontra-se em, dentro do mesmo ciclo, poder-se organizar as «rubricas programáticas» pela ordem que os docentes consideram mais correta e eficaz. Sendo de matemática sabe, com certeza, que esta liberdade não permite grandes diferenças no que concerne à ordem referida, resultado do caráter cumulativo da nossa disciplina, em que cada tema implica que outros tenham já sido trabalhados anteriormente. Deste modo, nunca poderá haver grandes diferenças entre as diversas escolas. Aliás, sendo a sua formação, em princípio, similar à minha, podendo ser professor do 3.º ciclo e secundário, com certeza terá conhecimentos sobre o novo programa do ensino básico, e saberá que praticamente só existem nas escolas duas sequências programáticas diferentes, facto reforçado pela obrigatoriedade da adoção de manuais escolares. No entanto, se um aluno proveniente de outra escola não trabalhou conteúdos necessários para efetuar novas aprendizagens (aliás, mesmo que tenha trabalhado poderá não ter efetuado as aprendizagens correspondentes), é função do professor tomar as medidas que permitam ao aluno estar em condições de efetuar as novas aprendizagens referidas (para tal serve a avaliação diagnóstica, uma das modalidades de avaliação previstas no ensino básico - e no próprio secundário a avaliação formativa também tem função diagnóstica). Se isso implicar o aluno estudar mais (pontualmente) não creio que nenhum mal virá ao mundo, pois é o seu papel. Se a intervenção do professor implica a necessidade do aluno ter de recorrer a explicações, então o professor não foi competente (considerando que o aluno se empenhou). Com todo o respeito pelos professores em causa, não podemos ser exigentes com os nossos alunos se não o formos connosco.
Deste modo, e considerando que o número de alunos a mudar de escola, a meio de um ciclo, não é substancial, penso o problema que referiu, que é real, não justifica a perda da liberdade pedagógica que o programa prevê.

José Batista da Ascenção disse...

Caro André Pacheco

Eu não sou professor de matemática, sou professor de biologia ou de biologia e geologia. O que lhe disse passou-se no ensino secundário, com colegas meus que se orgulham, há muitos anos, da preparação que dão aos seus alunos, confirmadas pelo percurso que alguns têm feito nas universidades, em Portugal e em países como os EUA, a Inglaterra, a Alemanha e a França. E, se as pautas de exame valessem alguma coisa, elas têm falado por eles...[só para ver, na escola onde trabalho, houve um ano em que se contaram mais de três dúzias de vintes a matemática, só nos exames da 1ª fase]. Pois ainda há pouquíssimos anos, esses professores declararam ter virado o programa do avesso. Eu apenas ouvi... Agora, quando houve alunos que mudaram de escola (isso acontece no secundário, com bons alunos, que procuram as escolas onde as classificações tendem a ser mais altas, coisa que toda a gente sabe menos o ministério...) os outros professores, que também são competentes, isso eu sei, confirmaram que os alunos ficaram numa situação menos agradável.
Isto só prova que a realidade é sempre muito mais fértil do que as teorias... E aqueles alunos eram realmente bons. E por outro lado quase todos tinham explicações...
Bem podem os teóricos andar a pregar com as avaliações diagnósticas e formativas, e auto e hetero, e isto e aquilo...
Que os alunos bons preferem que lhes expliquem, na escola e fora dela. E fazem muito bem.

Obrigado pelo seu comentário.

André Pacheco disse...

Caro José Ascensão

Face ao seu novo comentário sinto que é minha obrigação dar-lhe certas informações para que a sua opinião seja mais credível. O novo programa de matemática sobre o qual se tem falado, em conjunto com as novas metas curriculares, diz respeito ao ensino básico. Este programa entrou em vigor, em todas as escolas do ensino básico, no ano letivo 2009/2010, em alguns anos de escolaridade. Deste modo, este ano entrará em vigor para os alunos que irão frequentar o 9.º ano. No entanto, algumas escolas optaram por, no ano letivo 2008/2009, iniciar a implementação do referido programa. Deste modo, os alunos dessas turmas-piloto, que como deverá imaginar representam uma minoria, entrarão no ensino secundário este ano letivo. Desta forma, não sei a que programa os seus colegas se referiam. O programa que está em causa nesta discussão não seria, com certeza. O único, ou vários, a que se poderiam estar a referir, seria um dos que entraram em vigor, após a reorganização curricular do ensino secundário, em 2004.
Relativamente à sua afirmação: «Bem podem os teóricos andar a pregar com as avaliações diagnósticas e formativas, e auto e hetero, e isto e aquilo...», devo fazer-lhe um pequeno reparo. Teorias há muitas, e vão evoluindo com o tempo. Tempos houve em que era teoria aceite por grande parte da humanidade, que o Sol girava em torno da Terra. Mesmo depois de, por fim, terem provado que era a Terra que girava em torno do Sol, acredito que muita gente terá continuado a pensar de modo diferente, do mesmo modo que acredito que, mesmo hoje em dia, alguém no planeta tenha a certeza absoluta que é o Sol que gira em trono da Terra. Tal é o fruto da ignorância. No entanto, quem se liberta da ignorância estudando mais profundamente cada tema, não se ficando pelo limitado empirismo, vai fazendo com que os conhecimentos evoluam. A Educação não deverá ser, seguramente, exceção.

José Batista da Ascenção disse...

Caro André Pacheco

A minha opinião tem a credibilidade de corresponder à realidade, de resto vivida por um familiar próximo. Claro que não se refere a programas do ensino básico. Na minha escola, o ano passado passou novamente a haver ensino básico (1 turma de 7º ano), mas durante muitos anos só houve ensino secundário. Os programas a que me refiro são os que passaram a vigorar em 2004.
Quanto às teorias, mormente as da educação, é como diz, há muitas e, na maioria dos casos, pouco delas presta. Nem se trata de evolução, tem-se tratado mais de imposição aos professores que, julgando-se fora de moda, correm atrás delas para estarem sempre... desatualizados. Eu, nessa matéria sou heterodoxo, prefiro a minha experiência de décadas às pantominas de tantos "pedagogos"... Em verdade lhe digo que sempre gostava de ver (mas não de sofrer...) aulas dadas por eles a alunos difíceis. Por causa das dúvidas...
Espero que não me leve a mal.
Gostei de trocar opiniões consigo.
Muito obrigado.

André Pacheco disse...

Caro Jorge Ascenção

Se não se refere aos programas do ensino básico então a sua intervenção não se aplica neste contexto. O que está em causa no texto escrito por Jorge Buescu, sobre o qual coloquei algumas questões, é o programa de matemática do ensino básico e as metas curriculares criadas para a mesma disciplina. Se a situação que descreve, a qual foi vivida por um familiar seu, se refere aos programas de matemática do secundário que passaram a vigorar em 2004, então há aqui alguma incoerência porque estes programas definem anualmente os conteúdos a serem trabalhados. Não existe qualquer liberdade pedagógica nesse campo. Terá que me explicar o que realmente se passou com esse seu familiar próximo para que possa compreender a sua intervenção inicial.
Quanto ao resto da sua intervenção gostaria de lhe colocar uma questão, se me permitisse. Disse que «quanto às teorias, mormente as da educação, é como diz, há muitas e, na maioria dos casos, pouco delas presta». Como sabe, foi um pouco vago na sua observação. Havendo teorias educativas com as quais concordo e outras com as quais não concordo (o que é natural), gostaria de saber quais aquelas em que «pouco delas presta» ou, pelo menos, que “pedagogos” conhece com as suas «pantominas», pois só assim poderei compreender ao que se refere. Tendo em conta que essas «teorias» foram uma «imposição aos professores», seguramente não lhe será difícil indicar que «teorias» são essas, e quais os “pedagogos” responsáveis pelas mesmas. Para além disso, pelo que leio do que escreve, o José não é heterodoxo. Muito pelo contrário, é ortodoxo, porque a regra geral nas escolas é os professores terem uma posição similar à sua. Aqueles que pensam de forma diferente, inovando na sua prática, os verdadeiros heterodoxos, esses é que têm de viver com a estranheza dos alunos, com a desconfiança dos encarregados de educação e com a censura dos colegas mais conservadores. No entanto, relativamente ao que o fez inicialmente falar em tais “teorias”, a avaliação formativa e a avaliação diagnóstica, estas são mais do que teorias, pois as mesmas já fazem parte, legalmente, do sistema de avaliação dos alunos do ensino básico e secundário há mais de 20 anos.

José Batista da Ascenção disse...

Caro André Pacheco

Já vai longa esta troca de opiniões e, aparentemente, de modo improfícuo. O facto de o texto do Prof. Buescu se referir a metas para o ensino básico não deixa de ter aplicação no ensino secundário. Foi por isso que fiz a extensão do assunto, que achei pertinente.
Reafirmo que tenho colegas de matemática, desde há longos anos, que alteraram a sequência de algumas rúbricas programáticas no ensino secundário. E que esses colegas ensinaram gerações de alunos que ainda agora os visitam na escola, pela consideração que lhes têm. Claro que os conteúdos programáticos daquela disciplina estavam definidos para cada ano. Mas a sua ordem foi alterada, o que afetou alguns alunos que mudaram de escola, nalguns casos a meio do ano. E não se tratou apenas, nem especialmente, de um familiar meu, longe disso. Espero ter sido claro. De resto, na minha disciplina também fizemos opções de sequências programáticas, até de ano para ano e, se não tínhamos liberdade tomámo-la, uma vez conseguida a autorização do conselho pedagógico. Foi assim.
Quanto a teorias pedagógicas permito-lhe, não uma, mas todas as perguntas, e não me furtarei às respostas. Olhe, de todas quantas estudei, desde as disciplinas de psico-pedagogia e metodologia de licenciatura até às de mestrado, em universidades públicas diferentes, não há uma a que tenha achado préstimo real, considerada na globalidade. A última a que os nossos programas ainda estão agarrados - o chamado construtrivismo - é, em minha opinião, um embuste. E não falta quem, como eu, lhe não dê importância. Pedagogos pantomineiros são para mim aqueles que produzem e alimentam correntes de "literatura" com que massacram e limitam professores para o resto da vida profissional. Enchem o ministério, centros de formação e outras estruturas, se davam aulas deixaram de dar, quando têm auditório são uma maçadoria, e nunca fizeram brilhar os olhos de quem os escutasse... Dispensa-me de dar nomes? Olhe, fico-me pela referência aos que andaram a inundar os professores com a importância de mapas de conceitos, apregoarem e impuseram coisas como a "área escola" e a "área de projecto", etc... Quer o nome de dois ou três bons pedagogos, portugueses de gema, segundo o meu critério? - Rómulo de Carvalho, José Hermano Saraiva, Jorge Paiva..., entre tantos professores ignorados e maltratados, a que talvez chame ortodoxos e conservadores.
Por mim não lhe levo a mal. Habituei-me a que muitos colegas, perante o fracasso, a frustração e o descrédito do que se passa nas escolas, e perante a recusa dos que não alinham em "folclore" de quinta categoria, os acusam de "resistiram à mudança". E vão de mudança em mudança até ao vale de sofrimento que procuram pintar de cor de rosa.
Não o(s) censuro.
Meu caro André Pacheco, acha que a pedagogia tem beneficiado muito das (nossas) leis, tenham elas 20 anos ou tivessem 200? Olhe, eu cá gostava que nove décimos dessas leis fossem diretamente para o lixo. Não se perdia nada.
Quanto à "inovação" acho-lhe uma espécie de graça triste. Se o André Pacheco for muito novo, felicito-o. Se tiver muitos anos de profissão respeito-o. Mas, em matéria de ensino, não é fácil inventar (a pólvora). A pedagogia é uma arte. Desde sempre houve bons e maus professores. Estranheza dos alunos? Só episodicamente. Prefiro-lhes o entusiasmo e a colaboração. Sem invenções, que essas, quando acontecem, estão ao alcance de muito poucos.
São as minhas opiniões, claro.
Queira desculpara algum incómodo.
Terminei o meu diálogo consigo, que agradeço.
Aceite os meus cumprimentos.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Vestir a camisa do saber
é ensinar ler e escrever
se pedagogia é uma arte,
d'onde será que parte?!

Houvera capricho e valor
de na colheita participar
seria no tempo do ensinar
regar a semente ao calor.

Soubera no frio a partilha,
modos do continente ou ilha
e fora assim a consciência

para o justo a descendência,
estimara no outono a guarida
florescer a primavera é vida.



José Batista da Ascenção disse...

Vim até aqui ver como me saiu o último comentário que fiz. E, claro, lá tinha que estar (pelo menos) um erro, na antepenúltima linha, aquele "desculpara" em vez de "desculpar". A minha visão não me auxilia suficientemente...
Mas deparei com o seu soneto, caríssima Cláudia S. Tomazi, e gostei. Logo, fiz a errata aqui. Não me leve a mal que lhe diga que a pergunta (exclamação) da 1ª quadra, além de muito bela, é para mim um mistério. Um mistério de que pode brotar grande beleza e compensação. Há coisas em pedagogia que não se aprendem nem, talvez, se ensinem. E "florescer a primavera é vida" é também um verso de oiro para fechar um poema.
De poemas nunca fui capaz de dizer mais que "gosto" ou "não gosto" ou "gosto pouco". Poesia, não a sei explicar. Gosto de a sentir.
Nem mesmo sei por que disse isto hoje e agora.
Bem haja.

André Pacheco disse...

Caro José Ascensão

Devo começar por dizer que não considero, de forma alguma, a nossa troca de opiniões como improfícua. Quanto mais não seja porque, quando refletimos no sentido de fundamentarmos as nossas opiniões, vamos enriquecendo as mesmas.
Relativamente ao exemplo que deu em defesa do estabelecimento das metas curriculares de matemática do ensino básico, continuo a considerar que tem falta de pertinência, e o que escreveu no seu último comentário só veio reforçar esse sentimento. De acordo com o que afirmou, desde há muito que em todas as disciplinas, seja do secundário seja do básico, os professores de cada escola estabelecem as sequências programáticas anuais que consideram mais eficazes. Sempre assim foi e é um facto pacífico no que à sua aceitação diz respeito. Quando um aluno mudava de escola cabia aos novos professores verificarem o que o aluno já tinha trabalhado, ou não, de modo a apoiá-lo no sentido de se adaptar à nova realidade com o mínimo de prejuízo possível, para que o aluno não fosse lesado. Sendo estas metas anuais, não obrigando a nenhuma ordem específica ao longo do ano, nada irá mudar neste ponto com a introdução das referidas metas. A não ser que queira estabelecer metas mensais ou semanais.
Em relação à sua opinião sobre as teorias pedagógicas, se vem criticar as mesmas limitando-se ao que estudou quando estudante do ensino superior, então é muito pouco. Também eu fui aluno do superior e também tive as cadeiras ditas pedagógicas. E sei que o que por lá se faz nesta área é muito fraco. A formação inicial de professores em Portugal é má e no que concerne à vertente pedagógica é pior ainda (generalizando, claro). A maior parte dos temas trabalhados nas cadeiras que tive não fazem qualquer sentido para um jovem 20 anos sem qualquer prática na área da educação. O que se assiste é esses jovens decorarem uma data de conceitos para, após os exames das cadeiras, os esquecerem por completo (assim nunca os entranharão nas suas práticas e, pior ainda, acabam por construir uma série de preconceitos em relação aos mesmos, facto muito comum, que os impede de retirar qualquer proveito dos mesmos ao longo das suas carreiras profissionais). Acredite que as leituras na área pedagógica ganham mais sentido e são mais úteis após alguns anos de serviço, pois esses conhecimentos ganham contexto. E, como professor, defendo que a leitura em qualquer área só poderá enriquecer o nosso conhecimento. E, caso contrário, pelo menos dar-nos-á legitimidade para criticarmos aquilo com que não concordamos.
Relativamente ao construtivismo, gostaria de lhe questionar (agradecendo o facto de não se furtar às respostas), de que modo os programas estão agarrados ao mesmo, mais concretamente, quais as evidências de tal facto. Do mesmo modo gostaria de saber, na sua ótica, o porquê do construtivismo na educação ser um embuste. Em relação aos pedagogos pantomineiros fiquei com pena que não me tivesse dado nomes, pois poucos conheço que estejam no ministério ou nos centros de formação. Sei que há muito pedagogo de gabinete no ensino superior que pouca ligação têm à prática, aos quais lhes dou pouca credibilidade. No entanto, não ouso generalizar sob o risco de ser injusto para outros que nada têm a ver com os referidos, que não têm culpa da existência dos mesmos e cujos conhecimentos na área da pedagogia são de respeitar. Pessoalmente, gosto de ler o que escreveram pedagogos que, tais como nós, cresceram na prática letiva, em condições bastante piores que as nossas, e que levaram a cabo experiências com sucesso com as quais todos podemos aprender. Para além disso, creio que os pedagogos mais importantes são os professores. Todos aqueles professores que acreditam poder ter algum efeito sobre os alunos. Um pedagogo de gabinete com pouca ou nenhuma experiência na docência tem para mim a mesma credibilidade de um agricultor que nunca semeou ou plantou nada.

(por uma questão de limitação de caracteres continuo em comentário seguinte)

André Pacheco disse...

(continuando...)

Relativamente a ter citado a “área escola” e a “área de projeto” como uma imposição aos professores, gostaria de saber de que modo tais áreas curriculares interferiram com as práticas letivas dos professores. Foram áreas criadas no sentido de permitir aos alunos obter conhecimentos que as disciplinas clássicas não facultavam. Concordando ou não com a existência das mesmas, mais a formação cívica ou o estudo acompanhado, é um facto inegável que foi a geração de alunos do ensino básico que usufruíram de tais áreas curriculares que obtiveram melhores resultados no estudo internacional PISA.
Concordo consigo quando afirma que nove décimos das leis que regem o sistema educativo poderiam ir diretamente para o lixo, sobretudo as de ordem laboral e as de ordem organizacional. No entanto, não posso aceitar que professores, conscientemente, ignorem o que algumas preconizem e depois afirmem que as mesmas são ineficazes. E, mais grave, critiquem essas mesmas leis sem conhecerem o seu conteúdo. E já agora, para tentar entendê-lo, gostaria de saber o que tem contra a avaliação formativa ou a avaliação diagnóstica.
Por fim, não compreendo porque acha «uma espécie de graça triste» à “inovação”. Inovar é simplesmente fazer algo diferente do corriqueiro. O que está aqui e causa não é «inventar (a pólvora)». É simplesmente ter a humildade de conhecer várias formas de chegar ao mesmo destino, sem a arrogância de se considerar que a única que se conhece é a correta. A pedagogia é uma arte mas não se pode limitar ao amadorismo do empirismo. Muitos professores existiram antes de nós, muitos deles com carreiras notáveis, de modo que seria um desperdício não aproveitarmos as suas conquistas no mundo da pedagogia para enriquecer o nosso trabalho.

André Pacheco disse...

Tendo interpelado o senhor Jorge Buescu e o senhor José Ascensão naquilo que me parecia poder ser uma pertinente troca de ideias, reitero as questões que coloquei tanto a um como a outro em busca de resposta para as mesmas. Isto porque acredito que é na troca de argumentos que se pode melhorar e credibilizar os mesmos.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...