sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Docentes ou professores dos professores?

Artigo de opinião de Ana Maria Morais saído no Público de 2012-08-19:


Num artigo recente, o professor de Biologia E. J. Burris afirmou que o baixo desempenho dos alunos dos EUA em testes internacionais de ciência (TIMSS e PISA) se deve aos professores. Explicando que o sistema educativo dos EUA possui métodos para melhorar a educação em ciências afirma que nenhuma abordagem pode ser sustentada com sucesso sem professores brilhantes, bem preparados e apoiados. E continua, dizendo que as lições a retirar do sucesso dos alunos finlandeses naqueles testes são simples: recrutar de entre os melhores candidatos a professores (a Finlândia aceita apenas cerca de um em cada dez candidatos) e prepará-los muito bem.

No nosso sistema de ensino, qualquer estudante pode candidatar-se a um curso superior de formação de professores, sem outro critério que não seja a classificação (frequentemente baixa) obtida no ensino secundário. Contrariamente a países como a Finlândia, Portugal não reconhece o papel central dos professores na sociedade, demonstrado, como diz Burris, pelo respeito com que são tratados e pela elevada procura desta profissão por parte dos jovens, a despeito de salários, que se situam na média nacional.

Os formadores de professores vêem-se perante turmas de alunos cuja composição não reflete critérios de natureza académica e que, por essa razão, não são à partida grupos de excelência. São poucos os alunos academicamente brilhantes cujo interesse pela profissão de professor consegue ultrapassar a falta de reconhecimento social. Esta é a base real com a qual os formadores de professores trabalham. Os formadores de professores são professores do ensino superior de diversas áreas, incluindo as ciências da educação, que não têm formas institucionais próprias e eficientes de formação no sentido da excelência. Os professores de educação só ocasionalmente são recrutados de entre os melhores professores do ensino básico e secundário. Estabelece-se um ciclo reprodutor no processo de seleção entre quem seleciona (os professores do ensino superior) e quem é selecionado, conduzindo à não excelência dos futuros formadores de professores.

O discurso dominante em educação, a nível do ensino superior, está, na sua generalidade, implícita ou explicitamente, assente em perspetivas que se afirmam progressistas, mas que descuram o rigor e a exigência em nome de uma educação para todos, que se vai tornando, assim, cada vez mais uma educação para poucos.

Como L. Schulman, um dos grandes nomes da formação de professores, apontou, referindo-se à situação nos EUA, a "formação de professores não existe": "Há uma tal variação entre os programas de formação, os padrões de admissão, o rigor na preparação dos assuntos, o que é ensinado e o que é aprendido [...] que, quando comparada com outra profissão académica, a sensação de caos é impossível de evitar [...]. A formação de professores só poderá sobreviver como uma forma séria de educação profissional de base universitária se cessar de celebrar a sua idiossincrática abordagem let a thousand flowers bloom [...]". Portugal também acompanha esta situação.

O baixo nível da formação dos professores é um compósito de deficiências de dois tipos: os processos de seleção e a competência dos formadores de professores. A ação dos formadores situa-se num campo superior do aparelho pedagógico e tem um efeito reprodutor aos diversos níveis das práticas das escolas dos ensinos básico e secundário. O problema é mais difícil de tratar do que qualquer visão simplista possa fazer crer.

Ana Maria Morais

1 comentário:

José Batista da Ascenção disse...

O dedo na ferida.

NOVA ATLÂNTIDA

 A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à info...