Complemento o texto anterior com o que segue.
A investigação sobre a relação que o professor estabelece com a sua profissão, além de dar atenção a factores que se traduzem em mal-estar, dá também atenção, ainda que menor, a factores que se traduzem em bem-estar.
Neste particular, são geralmente referidos trabalhos de autores como os de Breuse, de Huberman ou de Postic, onde se salienta o facto de, não obstante todas as contrariedades com que os professores se confrontam, muitos continuarem a exercer a sua profissão com um certo entusiasmo, pelo menos em alguns momentos da sua vida.
Breuse, por exemplo, fez um levantamento empírico em finais dos anos de oitenta que permitiu identificar alguns «ingredientes» do «prazer de ensinar»...
— a partilha do saber: o prazer dos professores reside na partilha, com os alunos, da paixão por uma disciplina, estão, por isso, muito atentos aos resultados das aprendizagens, de onde podem advir grandes alegrias ou decepções;
— o sacerdócio: o prazer dos professores reside na ajuda aos alunos, com o seu "espírito de missão" enfrentam as dificuldades com que se deparam e lutam por uma maior justiça social;
— a sedução: o prazer dos professores reside no estabelecimento de relações de proximidade com os alunos, que vêem como pessoas que é preciso chamar para a aprendizagem;
— o poder: o prazer dos professores reside em «criar» alunos à sua própria imagem, conduzindo-aos seus gostos, à sua cultura.
Assim, os autores acima assinaldos questionam se o mal-estar que, nas últimas três ou quatro décadas, se tem associado a esta profissão:
— não decorrerá, em grande medida, da atenção que os investigadores lhe têm dado, tornando-se eles próprios produtores de tal sentimento, pelo facto de o evidenciarem;
— tenha vindo a aumentar, como frequentemente se sugere, pois não dispomos de elementos para fazer uma comparação quantitativa fiável com tempos passados, que, bem vistas as coisas, não se apresentavam muito mais favoráveis para o exercício da docência.
Além disso, questionam o facto de o mal-estar se fixar substancialmente no ensino, sendo que noutras profissões se enfrentam contrariedades de igual ou superior monta. Assim, não podemos afirmar que o mal-estar existe sobretudo na actividade laboral em causa, nem fazer comparações com outras actividades laborais.
Estamos, pois, perante uma velha pergunta da epistemologia: os problemas existem ou somos nós que os inventamos? Neste caso, o mal-estar docente existe ou foi um conceito inventado pelos investigadores, cuja aceitação alargada desencadeou um conjunto de trabalhos significativo que têm tido uma divulgação eficaz, ao ponto de se aceitar como um elemento objectivo da realidade que o ensino é? O mesmo se poderia dizer do conceito contrário: o bem-estar docente.
Não é fácil responder...
Referências:
- Breuse, E. (1988), “Du plaisir d’être enseignant”, Actes du V Congrés de l’AIPRPE - Être Enseignant aujourd’hui, Universidade de Aveiro, Departamento de Ciências Fundamentais da Educação, pp. 388 - 409;
- Breuse, E. (1988). Le paisir d´enseigner.Paris: ESF.
- Postic, M. (1990). Motivations pour le choix de la profession d’ enseignat. Revue Française de Pédagogie, 29, pp 25-36
- Huberman, M. (1989). Les phases de la carrière enseignante: un essai de description et de prévision. Revue Française de Pédagogie, n.º 86, 5-16.
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11 comentários:
Helena Damião,
Deliciei-me a absorver o lado académico das suas duas notas mas apenas revejo o que penso no nº8 da lista do J. Esteve, contida na sua primeira crónica.
Não sendo provavelmente mais especialista do que o Esteve no assunto, atrevo-me a sugerir-lhe uma lista bem mais curta para esta temática da relação entre o professor e a sua profissão:
1) remuneração. O corte de 10% este ano deve ter posto muita gente a reflectir no que está a fazer nesta profissão.
2) carreira. Desconheço os corredores profundos deste tema mas deve haver problemas sem fim aqui.
3) mobilidade. À dúbia vantagem de muitos serem funcionários públicos (i.e. relativamente mal pagos e escravos do poder político-administrativo mas com "jobs for life" que em média lhes dão muito mais tempo livre do que qualquer outra profissão) corresponde a inércia própria de quem está perdido num vasto, anónimo, caprichoso e anémico aparelho, que não olha necessariamente para as necessidades e aspirações individuais.
4) respeito. O estatuto de um professor na sociedade de hoje já não é o que era. As fontes do conhecimento, e a sua legitimação, há já algum tempo que passaram para a mais pelintra mas muito mais mortífera.... pesquisa no Google e as bocas falantes que aparecem engravatadas e de improviso nas emissões da SIC Notícias.
Cara Professora Helena Damião:
Sobre o mal estar dos professores parece-me extravagante admitir que tenha sido inventado pelos investigadores. Basta olhar a realidade da escola, se não se quiser perguntar aos professores, que, admito, também já não estarão interessados em responder...
Atente-se em quantos estão a fugir da escola, antecipando, com grande prejuízo, a reforma...
Contabilize-se (anonimamente) o número dos que se encharcam em "química psiquiátrica" e os que adoecem sem sequer procurarem saber de diagnósticos ...
Tente fazer-se um estudo de quantos vão com medo para a escola e para as salas de aula (eu sei que é muito muito difícil...)
Não se ignorem certas situações que fazem o dia a dia de muitas escolas e que, contadas, não dá para acreditar...
Observe-se o modo como grande número de alunos se movimentam, se expressam e se comportam na entrada das escolas, nos corredores, nas salas de aula e nos sanitários...
E não se faça um dramalhão sobre a situação, que não leva a nada. Mas não se ignore a realidade, porque não há caminho possível sem os pés assentes no chão que se trilha...
Agora, há sempre teóricos, e pessoas (confortavelmente) afastadas do terreno, que têm as soluções todas. Nós, o vulgo (especialmente os professores) é que não as descortinamos, nem somos suficientemente aptos a ver a realidade como no-la pintam...
E contudo, a matéria-prima que são os alunos está lá. E continua a ser um desafio, um estímulo e uma compensação. Por mais entulho com que a cubram.
E por isso há quem não desista: vá-se a saúde, venham os cabelos brancos, a roupa puída e os sapatos cambados. E as desconsiderações, os insultos, as agressões e as ofensas. Haverá sempre quem resista. E muitos alunos reconhecem-no.
No comentário que fiz anteriormente, onde escrevi ..."grande número de alunos se movimentam,se expressam"...etc, devia ter escrito ..."muitos alunos se movimentam, se expressam"..., etc..
Há muitos aspetos negativos na profissão docente, é verdade. No entanto, mesmo sendo um "professor" sucessivamente contratado, de escola em escola, continuo a amar a profissão.
Os pontos motivadores (referidos no post) estão lá e são eles que me guiam e motivam.
Tenho prazer em transmitir conhecimento e de o receber todos os dias; de vê-los (aos alunos) a pensar e colocar questões (mesmo que absurdas); de desenvolver projectos que promovem a aprendizagem e desenvolvem valores; Gosto.
Cansa-me interromper continuamente a aula porque há demasiada conversa que incomoda; desagrada-me a falta de educação elementar de alguns alunos (que se nota também nos seus encarregados de educação); preocupa-me a (des)motivação para evoluir; Não gosto.
Vejo colegas, animados, contando histórias de sala de aula. escuto outros que reclamam de tudo e de todos, e que não compreendem como é possível ensinar nestas condições. A sociedade evolui e os alunos de antes não são iguais aos alunos de hoje. Curioso. Os professores mais empenhados, dedicados e ativos na escola andam alegres. Os que são conotados de quererem fazer o mínimo possível e de faltarem andam revoltados. Noto que não é coisa de mais novos e mais velhos.
Num mundo em constante mudança é importante mantermo-nos em andamento, porque mesmo a marcha é um movimento de constante dinâmica e desequilibrios, de perna em perna.
Acredito no regresso às escolas "liceus" e "escolas técnicas". Numa altura em que, nas turmas temos tanta gente com objectivos diferentes (alguns sem qualquer um) é preciso dividir para orientar o método de ensino aos objectivos finais dos cursos.
Caro Botelho.
A sua serena avaliação da situação do ensino corresponde àquilo que muita gente sabe mas não diz.
"Curioso. Os professores mais empenhados, dedicados e ativos na escola andam alegres. Os que são conotados de quererem fazer o mínimo possível e de faltarem andam revoltados. Noto que não é coisa de mais novos e mais velhos." Só gostaria de lhe dizer que se retirar as palavras "professores" e "escola" tem aplicação universal!
Cordialmente.
Caro Américo,
Não quer comentar a expressão: "Acredito no regresso às escolas "liceus" e "escolas técnicas". Numa altura em que, nas turmas temos tanta gente com objectivos diferentes (alguns sem qualquer um) é preciso dividir para orientar o método de ensino aos objectivos finais dos cursos." ?
Gostava muito de conhecer a sua opinião sobre este assunto.
Caro Fartinho da Silva,
O meu anterior comentário é suficientemente abrangente e esclarecedor, mas já que toca neste particular dir-lhe-ei que concordo com a abertura de escolas públicas de excelência onde só seriam admitidos os bons alunos.
Aliás, é o modelo que a Universidade de Coimbra adopta para preparar os alunos portugueses para o concurso internacional de matemática. Não chama todos os alunos e concentrou os esforços (e já agora os recursos financeiros, se não se importa) nos alunos que o merecem.
Se lhe parece que esta ideia é neoliberal está o meu caro Fartinho da Silva muito enganado. É o que se faz, por exemplo, na Ucrânia, país que é um exemplo para o presidente da FENPROF e que, por certo, gostaria de ver o modelo implantado por aqui...
Cordialmente
Confesso que conheço pouco da sistema de ensino alemão. Mas do pouco que sei também funciona com três tipos de escolas. Precocemente os alunos sofrem uma triagem e são direccionados para uma das escolas. Uma mais profissionalizante, outra para prosseguimento de estudos universitários e uma intermédia. No entanto tem-se verificado uma falha grave nesta divisão, na minha opinião porque a "selecção" é realizada muito cedo.
Acredito na divisão das escolas mas mais tarde. Tal como fazemos por cá, no 9º ano seria possível fazer uma orientação (com o devido apoio psicológico) para os alunos. Sendo sempre dada a liberdade de escolha. Se no nível secundário o aluno ficasse retido por dois anos então seria reconduzido para uma escola profissional.
E quanto aos exames considero importante que fossem realizados no 12º ano no acesso às universidades. Nada de médias de secundário. Cada universidade teria a possibilidade de estabelecer os "padrões mínimos de exigência" para acesso aos seus cursos (se não me engano é como funciona nos EUA).
Caro Américo,
Ainda bem que concorda, apesar de estar a misturar ensino superior com ensino não superior. O nosso principal problema é este, o resto é conversa para entreter meninos.
"Não chama todos os alunos e concentrou os esforços (e já agora os recursos financeiros, se não se importa) nos alunos que o merecem.
Se lhe parece que esta ideia é neoliberal está o meu caro Fartinho da Silva muito enganado. É o que se faz, por exemplo, na Ucrânia, país que é um exemplo para o presidente da FENPROF e que, por certo, gostaria de ver o modelo implantado por aqui..."
Este comentário, sinceramente não percebi... nem entendo onde foi buscar tal ideia dos meus comentários anteriores. Posso-lhe garantir que cada vez que o líder desse "sindicato" fala ao país provoca-me urticaria.
Caro Américo,
Sublinho esta sua expressão:
"Não chama todos os alunos e concentrou os esforços (e já agora os recursos financeiros, se não se importa) nos alunos que o merecem."
Isto não é propriamente aquilo que é defendido pelas políticas do Ministério da "Educação", que o Américo tanto defende, para o ensino não superior. Se alguma "escola" pública tentar fazer isto leva com um processo disciplinar...
Caro Fartinho da Silva,
Relativamente ao seu post das 10:46,
- o trabalho excepcional da Universidade de Coimbra é desenvolvido com alunos do ensino secundário, seleccionados pelas Escolas de todo o País.
- a alusão ao modelo soviético não tinha em mente uma resposta directa às suas observações, antes àqueles que pensam que essa selecção é própria do que eles chamam capitalismo selvagem...
Quanto ao post das 10:59, estamos, pois, de acordo, mas não deve ficar com a ideia que defendo o Ministério da Educação.
Caro Botelho,
Gostei de ler as suas opiniões e teve o mérito de introduzir aqui ideias novas que em muito enriqueceram o debate que se pretende plural.
Cordialmente.
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