segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Novo Café, Livros e Ciência


Informação recebida do Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho em Coimbra:

Carlos Fiolhais e Décio Martins apresentam «Aos ombros de gigantes – As grandes obras da Física e Astronomia»

Em mais uma iniciativa «Café, Livros e Ciência», resultante da parceria entre a Fábrica Centro Ciência Viva de Aveiro, o Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho e o Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, Carlos Fiolhais e Décio Martins apresentam o livro «Aos ombros de gigantes – As grandes obras da Física e Astronomia», coligido e comentado por Stephen Hawking, recentemente publicado pela Texto Editores. A sessão está marcada para quinta-feira ao fim da tarde, no Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho, em Coimbra. A entrada é livre.

AOS OMBROS de GIGANTES – AS GRANDES OBRAS DA FÍSICA E ASTRONOMIA
Coligido e comentado por Stephen Hawking, Texto Editores, 2010.

5ª Feira l 3 Fevereiro 2011 l 18h00

As Revoluções dos Orbes Celestes de Nicolau Copérnico, Diálogo sobre Duas Novas Ciências de Galileu Galilei, Harmonias do Mundo (livro V) de Johannes Kepler, Princípios Matemáticos da Filosofia Natural de Isaac Newton e selecções de O Princípio da Relatividade de Albert Einstein, compilados e comentados por Stephen Hawking, num grande livro, são o mote para conversa com Carlos Fiolhais e Décio Martins, no Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho, no piso térreo do Departamento de Física - pólo I da Universidade de Coimbra.

Café, Livros e Ciência convida a conhecer, comentar ou debater um livro de, ou sobre, ciência, num ambiente informal.

local Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho, Departamento de Física, Pólo I da UC GPS: 40.207799146364515, -8.424459099769592
horário 18h00>19h00
contactos 239 410 699 ou rc@teor.fis.uc.pt
entrada livre

NOVOS LIVROS DA GRADIVA

Informação recebida da Gradiva sobre lançamentos em Janeiro:

- David Ruelle
O Cérebro do Matemático
Os conceitos essenciais da matemática e cérebros que os criaram


Um livro feito de histórias de matemáticos – os seus ditos espirituosos, excentricidades, tragédias pessoais, comportamentos bizarros, acessos de loucura, fins trágicos e assombrosas descobertas de beleza sublime. Mas também um livro informativo, que explica de modo apelativo, divertido e inteligível os conceitos matemáticos em discussão e permite compreender os nossos processos de pensamento matemático e filosófico. Uma abordagem a tocar a psicologia porque, como o autor afirma repetidamente, «a matemática é uma actividade humana».
«Ciência Aberta», nº 187, 272 pp., € 18,00

- João Caraça, Vítor Cardoso, Paulo Crawford, Alfredo Barbosa, Henriques, Robert Kennicutt, Yasser Omar
Nas Fronteiras do Universo

Fruto de um ciclo de conferências promovido pelo Serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian, este livro é divulgação científica no seu melhor, reunindo contribuições dos mais conceituados especialistas nacionais e estrangeiros nos campos da física e da astronomia. Textos acessíveis que constituem excelentes introduções ao estado da arte da investigação astrofísica. Livro ilustrado, com várias fotografias espaciais belíssimas.
«Fora de Colecção», nº 346, 92 pp., € 12,00

OS PORTUGUESES E A CIÊNCIA

O último programa "Câmara Clara" da RTP2 sobre "Os Portugueses e a Ciência", com Maria Mota e Carlos Fiolhais, pode ser visto aqui.

A QUÍMICA DO ORANGOTANGO



Crónica publicada no "Diário de Coimbra":

O genoma do orangotango foi agora publicado na revista Nature, e apresenta cerca de 3% de diferença com o nosso. Mas a química do orangotango não é diferente da nossa.

Muito pelo contrário, partilhamos com este primata, assim como com todas as espécies vivas, muitas coisas em comum. Tanto o comum à vida como as diferenças na base da biodiversidade estão inscritas em longas sequências de quatro de moléculas (guanina, adenina, timina e citosina) integrantes do biopolímero que vulgarmente designamos por DNA (ácido desoxirribonucleico). É a diferente sequência daquelas moléculas alinhadas na dupla hélice de DNA que funcionaliza a mensagem química dos genes.

Em que é que diferem aquelas quatro moléculas? Diferem em arranjos e proporções diferentes de átomos de carbono, oxigénio, nitrogénio e hidrogénio. As diferenças nas vizinhanças químicas locais na dupla hélice de DNA expressam genes diferentes, que por sua vez corporizam instruções para proteínas com funções diferenciadas e específicas. O resultado global é uma espécie de organismo diferente. Um braço peludo mais comprido, uma posição bípede mais vertical, etc.

Recorde-se, a propósito do presente Ano Internacional da Química, que se deve muito à Química (mas também à Física, à Matemática e à Biologia, entre outras disciplinas) o conhecimento que está na base da genética molecular e que permite hoje, de forma multidisciplinar, a sequenciação genómica. Vejamos, de forma breve, porquê.

Como se disse, o genoma é constituído por longas moléculas de DNA. Este foi descoberto em 1869 pelo químico alemão Johann Friedrich Miescher (1844 – 1895) no núcleo de glóbulos brancos. Miescher escolheu estas células por serem relativamente grandes e também por possuírem núcleos grandes. Esta descoberta não permitiu associar de imediato o DNA à “molécula da hereditariedade”. De facto, foram necessários cerca de mais 80 anos para que se confirmasse que são os ácidos nucleicos os componentes estruturais e funcionais dos genes. Durante todo este tempo muitos cientistas defenderam que eram as proteínas, e não os ácidos nucleicos, as moléculas de que os genes eram feitos. Parecia estranho toda a diversidade da vida poder ser codificada pela monótona constituição molecular do DNA, pelo que a genética deveria ser escrita com a maior diversidade apresentada pelas proteínas.

Duas experiências foram determinantes para esclarecer a comunidade científica sobre a "molécula dos genes".

Em 1944, o médico e bioquímico Oswald Avery (1877 – 1955) e seus colaboradores demonstraram que só o DNA (o “princípio transformador” como lhe chamaram), era “capaz” de “transformar” estirpes diferentes da bactéria pneumococo (R e S) umas nas outras.

Em 1952, o trabalho do microbiologista Alfred Hershey (1908 -1997) e da geneticista Martha Chase (1927 – 2003) colocou um ponto final e abriu um novo capítulo à genética molecular com a experiência de transferência de DNA viral (do bacteriófago T2) para bactérias, na qual ficou claramente demonstrada que era o DNA e não as proteínas a argamassa genética da vida.

Martha Chase

Em 1953, o biólogo James Watson e os físicos Francis Crick, Maurice Wilkinson e Rosalind Franklin, através dos estudos por difracção de raios X de cristais de sais de DNA, recolheram a informação física e química necessária para propor a estrutura tridimensional em dupla fita helicoidal do DNA. Note-se que esta descoberta resultou de um trabalho fundamentalmente de física e química. Diríamos hoje de biofísica e bioquímica.


Rosalind Franklin

Neste ano também dedicado às mulheres na química é de realçar nesta história que tanto Martha Chase como Rosalind Franklin não foram galardoadas com o prémio Nobel, enquanto os seus colaboradores directos o foram pelas mesmas descobertas.

António Piedade

O Conselho Nacional das Profissões Liberais e Graus Académicos

“A vida é um pouco mais complexa do que se diz, e também as circunstâncias. Há uma necessidade premente de mostrar essa complexidade” (Marcel Proust, 1871-1922).

Mercê da atabalhoada transformação do então ensino médio em ensino superior politécnico, tem-se assistido à vã tentativa de endireitar a sombra torta de uma vara de sucessivas asneiras, agravando-se, pelo contrário, a situação ao taparem-se buracos por um lado e abrindo-se crateras por outro lado.

Tudo isto feito ao sabor de uma política de ensino superior nada digna de crédito e, muito menos, de aplauso, por a legislação que lhe foi servindo de respaldo ter ido, na escuridão da noite e de baionetas caladas, ao encontro de interesses partidários, da vozearia dos maiores sindicatos docentes e da vontade de professores e alunos do então chamado ensino superior curto, hoje denominado ensino politécnico. Tudo isto aconteceu, em parte, por causa de uma declarada apatia inicial do corpus universitário face aos poderes públicos que, num abrir e fechar de olhos, de um inicial e simples diploma de estudos superiores do ensino politécnico passaram a conceder o bacharelato para daí partirem para a licenciatura e o mestrado. E ainda a procissão vai no adro!

Reporto-me, por ora, aos graus académicos universitários, imediatamente anteriores ao chamado “Processo de Bolonha”: licenciatura (“com o prestígio da Universidade que lhe deu a primeira credencial de título académico nobilitante”, nas palavras de Adriano Moreira), mestrado e doutoramento. Um tanto a latere, deve ser esclarecido que, embora com vida efémera, a seguir a 25 de Abril, assistiu-se à recuperação do grau de bacharel - com tradição secular em Portugal, v.g., o caso de Eça de Queiroz - na Faculdade de Direito de Coimbra e outras faculdades portuguesas do outros ramos do saber.

Petições do Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP) têm tentado, de certo modo, minorar, as sucessivas asneiras cometidas no que concerne à atribuição, sem rei nem roque, de graus académicos em território nacional. O núcleo duro da proposta por si apresentada reside em “atribuir a equiparação do grau de mestre às antigos licenciaturas universitárias anteriores a Bolonha”.

Pode dizer-se que remonta a 2004 esta preocupação do CNOP pela confusão que se desenhava no horizonte entre os graus académicos propostos em Portugal e aqueloutros existentes em outros países com a louvável intenção “de adopção de um sistema de graus comparável e legível”. Ora o que hoje se passa é haver uma confusão de graus académicos no espaço europeu que quase exige uma tabela de equivalências de graus académicos ministrados em Portugal e grande parte dos países do velho continente.

Com essa intenção e evocando eu de novo palavras de Adriano Moreira, “para estar nas decisões para não vir a ser apenas objecto delas”, realizou, em Coimbra, o CNOP um Seminário, intitulado “Reflexos da Declaração de Bolonha” (12 e 13 de Novembro de 2004), com a participação de nove ordens profissionais em representação, por ordem alfabética, de advogados, arquitectos, biólogos, economistas, engenheiros, farmacêuticos, médicos, médicos dentistas e médicos veterinários. Na altura, todos estas associações profissionais se manifestaram em bloco (passe a redundância) contra a atribuição do grau de licenciado para o ciclo inicial de estudos universitários.

Em face do panorama do presente ano de 2011, este parecer não teve qualquer impacto, ou mera influência sequer, nas decisões da tutela do então Ministério da Ciência e do Ensino Superior (MCES). Desta forma, neste torrão natal, no nosso jeito secular de complicar as coisas simples, a língua de Shakespeare – veículo de entendimento entre parcelas de territórios de cinco continentes – seria abastardada pela adopção do termo licenciado como que a modos da forçada tradução para português da palavra inglesa bachelor. Tudo isto, depois de consultas, “para inglês ver”, promovidas pelo próprio MCES por ter considerado (?) que o assunto “exigia a assumpção repartida de responsabilidades por parte do Governo, da Administração, das Instituições de Ensino Superior e das Associações Profissionais”. E era, outrossim, acrescentado que “nesse sentido estamos a proceder a uma profunda discussão a nível nacional e a nível parlamentar” (p. 22 de uma brochura emanada desse ministério).

Por outro lado, essa louvável intenção era reforçada pela afirmação de estar em análise o “impacto no exercício das Profissões Liberais através de contacto com as Ordens Profissionais (p. 66, id.;ibid). Mas por, como diz o aforisma, “estar o inferno cheio de boas intenções”, assistiu-se ao degradante desprestígio das licenciaturas universitárias então existentes. E este facto é tanto mais insólito se tivermos em conta que a consulta a um qualquer dicionário nos dá a tradução da palavra inglesa bachelor como "bacharel" em português, com a correspondência a um ciclo de estudo inicial com a duração de três anos, em nomenclatura adoptada para além do Reino Unido, por exemplo, na Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca e República Checa.

Voltando à carga, o CNOPO tenta agora, de certo e, quanto a mim, discutível modo, minorar, as asneiras cometidas no que respeita à concessão de graus académicos através de uma petição online, começada a correr em Julho do ano passado, endereçada à Assembleia da República, que, muito resumidamente, pretende que “aos licenciados pré-Bolonha, com formação de 5/6 anos, seja dada equivalência de mestre” (Notícia do Canal UP, 23/07/2010).

Segundo o Público (16/01/2011), esta petição, subscrita por 49.300 assinaturas (quando seriam apenas necessárias 4000), deu entrada esta semana na Assembleia da República, com o objectivo de “acabar de vez com as confusões e as injustiças criadas com a reforma de Bolonha, exigindo a atribuição do grau de mestre aos titulares de licenciaturas pré-reforma”. A propósito, refiro que, em Março de 2009, através também do CNOP, foi levada a Plenário da Assembleia da República uma petição nesse sentido “com resultados reais nulos”, segundo os seus signatários.

Ainda que “considerada insuficiente pelo CNOP”, encontra-se, simultaneamente, em discussão uma recomendação do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, a ser aprovada pelas universidades, sujeita às seguintes condições: "Quem tiver uma licenciatura feita antes da reforma de Bolonha e contar com cinco anos de experiência profissional bastará um semestre de aulas e a defesa pública de um relatório sobre a profissão para conseguir o grau de mestre".

Cotejando a petição do CNOP e a proposta do Conselho de Reitores, verifica-se o seguinte:

1. Ambas não perspectivam a situação dos mestrados antes de Bolonha.

2. O CNOP, numa visão meramente atenta aos interesses de licenciados universitários seus membros, exclui desta petição licenciados (pré-Bolonha) que, por exemplo, iniciaram no ano lectivo de 1987/88, cursos universitários de formação educacional com a duração de 4 anos. Ou seja, separa os licenciados com 4 anos de formação relativamente aos licenciados de 5 anos, havendo, contudo, uma décalage de dois anos de estudo entre estes e os portadores de um mestrado da altura.

3. O Conselho de Reitores, por seu lado, mostra-se restritivo na sua recomendação ao pretender que aos licenciados, ainda com seis anos de formação, como os casos de engenharia e medicina, seja ministrado ”um semestre de aulas e a defesa pública de um relatório sobre a profissão”.

Em simples exercício de cidadania, mas com respaldo em inúmeros artigos de opinião meus sobre esta temática (v.g., “Declaração de Bolonha, ordens e sindicatos”, Diário de Coimbra, 27/10/2004; “O Processo de Bolonha e as Ordens Profissionais, I,II,III”, Diário de Coimbra, respectivamente, 1, 14 e 18/12/ 2004; “Processo de Bolonha e graus académicos”, Público, 13/06/2005), defendo que já chega de aplicar vacinas de que se desconhece o efeito e as doses a aplicar provocando, por vezes, a disseminação letal da própria doença.

Assim, ainda que possa ser tido como atrevimento, não posso deixar de pôr a discussão uma possível solução para este labirinto, de graus académicos pré e pós-Bolonha, necessitado de um fio de Ariadne que nos indique a saída. Uma solução para o caso português seria a atribuição dos graus universitários de bacharelato, mestrado e doutoramento. Às licenciaturas universitárias anteriores a Bolonha seria dada equivalência aos actuais mestrados, com dispensa de qualquer requisito, pela sua exigência não ser nada inferior (bem pelo contrário!) à destes. Os antigos mestrados seriam considerados como uma pós-graduação com prioridade a um acesso mais rápido aos doutoramentos e benefícios reais em concursos públicos.

Desta forma, as antigas licenciaturas perdurariam na memória colectiva sem qualquer desprimor. Nunca com a indignidade de terem a mesma denominação das actuais licenciaturas. Assim como “as árvores morrem de pé”, título de uma peça de teatro magistralmente representada por Palmira Bastos, o antigo grau de licenciado universitário seria extinto com a dignidade que lhe foi concedida por instituições universitárias de reconhecido mérito sem sair beliscado o seu verdadeiro mérito relativamente aos actuais mestrados.

Mas será que há coragem política para vencer um estado mórbido, provocado por detractores do conhecimento científico, mezinhas de simples curandeiros das ciências da educação e agravado por leis frouxas ou simples declarações de boas intenções? Nada há que um vómito para a mixórdia actual dos graus académicos pré e pós-Bolonha não consiga expulsar!

Uma semana de Sophia

Na semana que passou, no dia 23 de Janeiro, o programa Câmara Clara, da RTP 2, foi inteiramente dedicado a Sophia de Mello Breyner Andresen. A conversa que Paula Moura Pinheiro e Maria Andresen de Sousa Tavares, filha da peotisa, tiveram pode ser vista aqui.
No dia 26, o espólio de Sophia chegou, por doação familiar, à Biblioteca Nacional de Portugal (aqui), onde se inaugurou uma extensa exposição biográfica (aqui).
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Nos dias 27 e 28, a Fundação Calouste Gulbenkian, em colaboração com o Centro Nacional de Cultura, dedicou-lhe um alargado congresso internacional, tendo sido, nesse contexto, apresentado o número 176 da revista Colóquio/Letras, quase todo sobre a sua vida e obra. Belíssimo!
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Obrigada, muito obrigada, a todos aqueles que, pelo seu interesse e dedicação, trabalham para manter vivos os nossos poetas. E conseguem-no.


Mais Literatura com Gatos: My Darling Secotine

Do ensaísta Eugénio Lisboa uma crónica que nos desperta a memória para palavras lidas algures no esquecimento do seu autor: “Os animais, precisamente porque estão à nossa mercê, são o grande teste moral da humanidade”.

“Não há gatos vulgares.”
Colette.

“Se formos dignos do seu afecto,
um gato será nosso amigo,
mas nunca nosso escravo.”
Théophile Gautier.

A minha crónica publicada no JL de 15 de Dezembro passado, consagrada à “literatura com gatos”, ia dedicada, entre outros, à minha gatinha e companheira, Secotine, ali dada como “felizmente viva e incrivelmente activa”. Quando escrevi a crónica, a bichinha estava, de facto, viva e saudável; quando foi publicada, ela estava já doente, mas em vias de recuperação, embora em tratamento ambulatório, pós-internamento; já depois do dia 1 de Janeiro, teve uma recaída súbita e, apesar de todos os esforços que fizemos para salvá-la, deixou de viver, no dia 9, às 20.00 horas, numa clínica veterinária em S. Pedro do Estoril. Foi, para nós, que a amávamos, um verdadeiro terramoto emocional. E foi este que veio alterar, por completo, o tom e o conteúdo desta segunda crónica consagrada aos elegantes felinos, e por mim anunciada no final da anterior.

Pensara falar-vos, longamente, em escritores que amenizavam a solidão do seu ofício, chamando para junto de si, enquanto arranhavam o papel com a caneta ou martelavam o teclado, a companhia do gracioso e peludo amigo. Kingsley Amis, por exemplo, sobretudo conhecido pelo celebérrimo romance Lucky Jim, não só escrevia sempre na presença do seu Hertfordshire White”, a que dera o nome de Sarah Snow, como “tinha as maiores reservas acerca de pessoas que não tivessem animais domésticos.” Costumava até dizer, com algum acinte: ”Sou suficientemente amante de gatos para que se me torne suspeita uma casa onde não haja gatos. Associo uma pessoa que tenha um gato com alguém mais afável do que as outras pessoas.” Como todo o verdadeiro cat lover”, não se envergonhava de confessar que conversava assiduamente com o seu bichano. E estava perfeitamente convencido de que a Sarah Snow andava a tentar seriamente aprender inglês. Eu sei que isso é possível, porque a minha Secotine falava fluentemente macedónio, português e inglês, e arranhava umas coisas de espanhol e francês. E posso prová-lo, mas não me darei sequer a esse trabalho, porque considero ultrajante que alguém duvide da minha palavra. Bastaria dizer-vos, a título ilustrativo e não demonstrativo (porque, repito, não desço a fazer demonstrações), que, num dia em que vociferava por todo o lado à procura dos meus óculos, a Secotine veio ter comigo e, numa repetida e ansiosa linguagem de corpo, insistiu comigo para que fosse atrás dela. Impaciente, disse-lhe que não estava com tempo para lhe apaparicar os caprichos, visto que precisava dos óculos. Não desistiu e insistiu no convite para que a seguisse. Desesperado, acabei por fazê-lo, visto que acabava sempre por ceder aos seus pedidos. Fui atrás dela, que se voltava, de vez em quando, para trás, a confirmar que eu a seguia, e acabou por me conduzir a um vaso, no terraço, onde tinha deixado os óculos!, Se isto, caro leitor, não quer, para si, dizer nada, desculpe, mas o meu amigo é completamente obtuso!

Tinha também planeado falar de Théophile Gautier e do seu obsessivo amor por este supremo produto da criação, que é o gato. Desmond Morris definiu este escritor como “um fanático amante de gatos”, que “partilhou a sua vida com uma sucessão de gatos invulgares.” Gautier, o contemporâneo de Hugo e de Flaubert, autor de livros célebres, como Fortunio, Mademoiselle Maupin e Le Capitaine Fracasse, dedicou todo um livro – La Ménagerie Intime – ao sedutor felino. Nele nos diz que um dos seus gatos (aliás, gata) era de cores vermelha e branca, se chamava Madame Théophile e tinha o hábito expedito de lhe roubar bocados de comida “no trajecto entre o prato e a boca”.

Teria muitas outras histórias para contar, sem esquecer nunca a muito bizarra e sinistra narrativa da morte do grande romancista Thomas Hardy e do que sucedeu ao seu coração e ao seu gato, que tanto amara nos últimos dias da sua longa vida. Podia fazer tudo isto e falar de outros grandes escritores e de gatos hoje lembrados por lhes terem pertencido. Mas não vou fazê-lo, hoje, por uma razão: desta vez, o escritor sou eu e a gata será a que foi minha e há pouco faleceu – a inesquecível Secotine. Como sou um escritor modesto, não pretendo que ela seja lembrada por me ter pertencido, mas, pelo contrário, aspiro a ser conhecido por lhe ter pertencido a ela.

Este pequeno milagre de vida, de afecto e de graça entrou na nossa vida, aqui no Estoril, no dia 8 de Julho de 2009. Tendo cessado de existir em 9 de Janeiro deste ano de 2011, esteve connosco, exactamente um ano e seis meses. Vinha da Macedónia, recolhida pela minha filha mais velha, que ali esteve alguns anos e no-la deixou, a caminho de Cuba. Era para ficar seis meses, mas ficou para sempre – um “para sempre” estupidamente curto. Quando os deuses nos dão muito, depressa no-lo tiram.

Chegada do aeroporto, investigada a casa, os quartos, as salas, a cozinha, as casas de banho, o terraço e arredores (para ulteriores minúcias e excursões), a Secotine instalou-se e assumiu o comando. Maltratada nas origens, por quadrúpedes, e sempre acarinhada por bípedes, ela tinha uma confiança ilimitada em tudo que se movesse com duas pernas. Da confiança, passava rapidamente a uma amizade aquecida a alta temperatura, que se manifestava por uma desenvoltura que logo nos conquistava. Surgia abruptamente do nada, saltava-nos para o colo e disparava uma saraivada de marradinhas insistentes, na cara, nos braços, no sovaco, aninhando-se depois ao colo, com grande ênfase de proprietária. Tudo na casa lhe servia de poiso – e passava a sê-lo, caso lhe conviesse. Movia-se com uma elegância fácil, quase mozartiana, pelo meio de tudo quanto há de mais frágil e quebrável, sem lhe tocar e sem nada estragar. Era de um belíssimo e sedoso cinzento prateado e movia-se sempre a grande velocidade. Era como se pressentisse que a vida lhe ia ser curta e tivesse que fazer depressa o que tinha a fazer. Ela era a elegância, a beleza, a surpresa, a confiança, a velocidade personificadas. Chamava-lhe a minha neta peluda e sei agora como é duro perder uma neta.

A Secotine detestava, particularmente, ver-me “perder tempo”, concentrado na escrita ou na leitura: quando isso acontecia, vinha, caminhando sorrateiramente, com uma eleganciazinha coquette, e saltava-me para o colo, se lia, ou para cima dos papéis, se escrevia. Dava-me, então, marradinhas sedutoras e perguntava, aliciando-me: “Não achas a minha conversa mais interessante do que isso?" Eu dava-lhe quase sempre razão, porque uma das características da Secotine (ela própria o dizia) era ter sempre razão.

Gostava de se aninhar à janela que dava para a rua, ficando a “ver a banda passar”. Quando a banda era pouca, a Secotine enfadava-se e vinha-se embora. O mundo às vezes era pequeno e chato. Era petite”, airosa, de uma beleza esquisita e muito viva. Estava sempre a ter ideias, que gostava de partilhar, mas eu, às vezes, não tinha pedalada para tanta criatividade
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Agora fiquei sem ela e gostava de ser realmente um grande escritor, para me tornar no cronista que a Secotine merecia. Como é que se há-de saber da grandeza dela, se o narrador não for, no mínimo, Fernão Lopes? Seja como for, faço o que posso e dedico-lhe, com amor e saudade, as medalhitas de sete sílabas que a seguir se imprimem.

Estivemos com ela até ao fim. Sofria muito e dirigia-nos apelos insistentes, tão insistentes como os com que, na cozinha, costumava pedir-nos “um petisquinho”. Fazíamos-lhe festas para ela perceber que não éramos nós que lhe causávamos as dores. Agradecia com os olhos, mas suplicava que acabássemos com aquilo. Com a morte na alma, fizemos-lhe a vontade: foi o último petisquinho que lhe demos.

SECOTINE

Tu eras a graça, a vida,
o golpe brusco de afecto,
elegância desmedida,
o súbito e dilecto
gesto de felino airoso.
Eras a velocidade
encarnada, o gostoso
ir à nossa intimidade,
sem pedir, sequer, licença:
como se tudo que há no mundo
fosse teu – tua presença
vinha em nós até ao fundo.
Tu eras a graça, a vida,
elegância desmedida.

Eugénio Lisboa

domingo, 30 de janeiro de 2011

HUMOR: HOMEOPATIA 3

HUMOR: HOMEOPATIA 2

HUMOR: HOMEOPATIA 1

HOMEOPATIA É SÓ ÁGUA E AÇÚCAR

Informação recebida no De Rerum Natura:

Consumidores em Portugal vão tomar uma “overdose” de “medicamentos” homeopáticos em público

Ativistas de direitos do consumidor em Portugal anunciaram hoje a sua intenção de tomar uma “overdose” homeopática no próximo mês em parceria com um protesto global contra estes remédios alternativos.

Os manifestantes vão consumir dezenas de comprimidos homeopáticos na manhã de 5 de Fevereiro de 2011, às 10:23, no Jardim do Príncipe Real em Lisboa, com o objetivo de sensibilizar o público para a ineficácia dos “remédios” homeopáticos. Pretendemos também questionar a opção do Infarmed de permitir que estes produtos sejam classificados como medicamentos nas farmácias, o que os legitima aos olhos dos clientes.

Ver mais aqui.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Ainda a homeopatia

Destaque para a coluna semanal de Robert Park Whats New:

INFINITESIMALS: EXCUSE ME DOCTOR, DNA IS CALLING ON LINE ONE.

The decades-long dispute between Luc Montagnier of the Pasteur Institute in France and Robert Gallo, then at the National Cancer Institute in the US, has taken on an entirely different complexion following Montagnier’s public disclosure last month of far out homeopathic convictions. What's new reviewed homeopathy two weeks ago. Often described as treatment with “highly dilute” medicine, homeopathic dilution typically far exceeds the dilution limit, beyond which not a single molecule of the solute would remain. In homeopathy, less is more. Samuel Hahnemann, the founder of homeopathy, called this The Law of Infinitesimals. Luc Montagnier was awarded the 2008 Nobel Prize in Medicine for his discovery of human immunodeficiency virus (HIV), while Robert Gallo who many thought had a legitimate claim to the discovery was left out in the cold. Interviewed by Martin Enserink for Science just a month ago (Science, VOL 330, p.1732), Luc Montagnier explained he is leaving Francefor Shanghai to escape the climate of fear surrounding mention of the electromagnetic waves that he claims emanate from highly diluted DNA of various pathogens, including those responsible for autism and Alzheimer’s. Jaques Benveniste, who Montagnier calls a "modern Galileo," made similar claim Others in Europe are afraid to publish similar results according to Montagnier, "because of the intellectual terror from people who don't understand it."

Robert Park

Literatura de hoje e de sempre: Os Lusíadas

Continuam as "Terças-feiras de Minerva", em Coimbra. Neste ano, com o ciclo Literatura de hoje e de sempre.

A primeira sessão do ciclo, terá lugar no dia 01 de Fevereiro, pelas 18H30, e é dedicada aos Lusíadas, de Luís de Camões. Regina Rocha é a prelectora convidada.

Apresentação: "Os Lusíadas são a grande epopeia portuguesa, internacionalmente conhecida. Quando se pretende referir um grande nome da Literatura Portuguesa de todos os tempos, de imediato surge no pensamento de qualquer pessoa o nome de Camões e o do seu poema épico.Porque é que vale a pena conhecer esta obra? Que valores é que ela veicula? É, afinal, assim tão merecedora de ser a grande referência da Literatura Portuguesa? Nesta sessão, pretende-se partilhar com os presentes o valor intemporal do poema camoniano, a nível artístico e da universalidade de um pensamento".

Local: Livraria Minerva, Rua de Macau, 52, Coimbra.

Educação sexual: Estas normas puseram-me a alma num inferno...

Joel Costa, autor do programa Questões de Moral, da Antena 2 da Rádio, resolveu ler as normas proveniente do Ministério da Educação que legitimam a Educação sexual como objecto de educação escolar, desde o primeiro ano do Ensino Básico. O resultado dessa análise acutilante, que, como é estilo do radialista, se revereste de um humor fino, pode ser ouvido aqui ou lido a seguir. O texto, que tomámos a liberdade de transcrever, será longo, mas a sua essência valerá o esforço do leitor.

"O sexo, enfim, deixou de ser aquilo que todos nós até ao início do presente ano lectivo pensávamos que fosse um facto privado, uma questão pessoal. Não, passaria, passará… não sei… a ser um problema de saúde pública. Um problema de saúde pública tratado nas escolas normais, em aulas de educação sexual presumivelmente dadas por especialistas na matéria. Eis, portanto, o bom Portugal, sempre na vanguarda do progresso, inclusive na educação como, de resto, todos sabemos. Estamos tão avançados nossos níveis educacionais que a juntar cargas horárias dos alunos tinha de vir outra disciplina essencial para o crescimento do estado para a dívida para a competitividade externa e externa.

Com a educação sexual a estes níveis, governamentalizada, há agora sim, as exportações vão crescer, e sem dúvida que o futuro do sexo português está garantido, será até produto de exportação, agora por falar disso, de exportação para os mercados nórdicos, sei lá… esses coitados que não percebe nada disso, o que dá a medida da larga visão estratégica do governo.

Muitos pais recusavam a assistência dos filhos às aulas de educação sexual e, a meu ver, bem, não percebem o que terá o estado a ver com a sexualidade dos filhos. Mas se os pais não quisessem os filhos nas aulas de Educação sexual teriam de bem fundamentar a recusa e o problema seria saber que fundamentações seriam consideradas pelos burocratas: “Não quero, porque não”, seria razão atendível pelas autoridades sexuais?

Como digo, houve pais que recusaram para os filhos o ensino sexual dado pelo estado nas escolas. Houve até uma plataforma de resistência nacional para isso, foi obra. E o problema para justificar as faltas a educação sexual é que a matéria poderia vir a ser dada não numa disciplina específica, mas de modo transversal, incluída em várias disciplinas.

Não sei como estão as coisas, claro, não sou um entendido, nem um expert nem nada, nem sequer um interessado, não sei como está a ser feito, mas estou a imaginar uma professora de Matemática, uma daquelas antipáticas, como eram no meu tempo, a ensinar sexo aos alunos, ou mesmo uma simpática professora de português a incluir no léxico expressões relacionadas com o sexo (…) e até se pode recorrer ao latim.

E professores houve que se propuseram ensinar sexo, ou sexualidades, aos próprios pais, o zelo legislativo de gabinete e a ânsia governamental de normalização burocrática e de correcção política pode ter destas… sei lá… aberrações e chegar a extremos ridículos.

As dúvidas dos pais quanto à propriedade destas aulas eram perfilhadas por alguns professores. O assunto apresentava logo à partida dificuldades e espinhosas ambiguidades, a abordagem para começar. Mas alguém resolvera tranquilamente a questão… não, não, não, não se vai ensinar sexo não se falará do acto sexual, vai-se educar sexualmente, que uma coisa muito diferente e que deve dispensar muito bem qualquer referência ao acto sexual.

A educação sexual seria não dirigida para o sexo em si, mas para os afectos. Podiam ter-lhe dado outro nome, mas fiquei a saber que, por directiva ministerial, os afectos do meu filho não serão livres e espontâneos terão de ser educados pelo estado, orientados pelo estado, a espontaneidade afectiva com quem os alunos sentirem afinidades, não será, pelos vistos, recomendável, nem politicamente correcta sem exame prévio, pode até ser obrigatório um certificado oficial.

Os professores, alguns, admitiam aulas sobre o aparelho reprodutor, que não é sexo, evidentemente, é biologia, é medicina, é enfermagem, ciências da natureza (…). Sexo julgava eu que era outra coisa, julgo…, mas também como nunca tive aulas saber a matéria e nunca ninguém me ensinou sexualidade admito que não percebo muito do assunto.

Um "profe" perguntava como iriam os profes ocupar as muitas horas (…), com trabalhos práticos? E eu pergunto o que são trabalhos práticos em sexo. O "profe" em questão também aventava a possibilidade dos trabalhos de grupo, seria sexo em grupo? Lá sofisticado era, se fosse… e avançado. O "profe" citado, certamente por escorreito exercício de humor, perguntava se nas muitas horas de aulas… cabiam os trabalhos manuais. Bem, quanto a trabalhos manuais em educação sexual, naquelas idades, digo eu, que não tenho dúvidas nenhumas, que os alunos se mostrarão estudiosos e diligentes. E como somos um país tecnologicamente em dia, avança ainda aquele profe com a possibilidade de utilização de meios audiovisuais que explicassem visualmente como se praticavam os diferentes tipos de sexo, que ele discrimina, incluindo sexo sado-masoquista (…). Uma grande pouca vergonha, digo eu… maliciosamente.

Outro "profe" infere da obrigatoriedade da educação sexual a matriz ideológica que se contém na sexualidade. Por mim, não percebo lá muito bem porque é que um "profe" fascista não há-de perceber mais de sexo do que um comunista ou vice-versa, ou porque não um professor liberal mais sexualmente expressivo e didáctico do que ou professor socialista, ou vice-versa, claro está. .
Ou essa ideologia a que o profe se referia seria ideologia sexual? O que será ideologia sexual? Sei lá, não sei. Mas palpito, que como na politica seja uns inclinarem-se mais para a esquerda, outros inclinarem-se mais para a direita, uns a inclinarem-se mais umas práticas e outros mais para outras (…).

Também não sabia, mas lendo umas coisas na internet fiquei a saber que somos o país com maior taxa de infectados (…) por doenças sexualmente transmissíveis e que continuamos a ter uma taxa altíssima de mães adolescentes e daqui pode decorrer forçadamente, admito, que os nossos jovens não percebem nada de sexo, que os adolescentes não fazem ideia do que seja educação sexual.

Bem, pelo que precisamente se invoca, eles percebem até muito, e se não sabem a teoria, sabem a prática e os resultados estão à vista, tristemente, mas estão: as infecções, as mães adolescentes. Isto significa que as adolescentes mães e os adolescentes pais não sabem o que estão a fazer? (…). Sexo mal gerido, sexo mal dirigido, dir-me-ão. Então, quando um jovem e uma jovem estão juntos, livres, cheios de amor, exaustos de carícias e beijos e com uma cama por perto, na melhor das hipóteses, para onde haverão eles de dirigir os respectivos ímpetos (…) como saberão gerir melhor a tensão que têm no corpo e, atenção, no espírito?

Leio e aprendo coisas assombrosas sobre este tema da educação sexual, a auto-estima que nestas idades é fundamental para os alunos se iniciarem no sexo. E eu sem querer “bancar” o subversivo, peço imensa desculpa de me rir destas coisas e poder ofender quem leva isto a sério, e não como iniciativa de governo para ficar bem na fotografia da modernidade, para efeitos, obviamente, eleitorais. Auto-estima, é claro que ela é precisa seja para o que for e não vejo que seja especialmente necessária para se iniciar no sexo. Mas o que é trazido a terreiro por este professor que leio, é que a auto-estima permite um sexo por opção própria e não influenciado por parceiros (…). Mas desde quando é que o impulso sexual não foi induzido também pelo parceiro?E desde quando, ainda que induzido pelo parceiro, o ser-se desejado para fazer sexo com o parceiro indutor não é um elemento a favorecer a auto-estima, desde quando, por essa causa, o sexo não foi uma opção própria?

Mas o governo não poupou alunos, professores e pais às suas burocráticas directivas orientadoras, até em matéria sexual. E aqui está um caso em que sou um empedernido liberal, porque aprova o estado social e desaprovo de todo o estado sexual, ou o sexo estatalmente instituído.

Só me perguntei na altura como se iriam ver os jovens de hoje na realidade adulta do sexo de amanhã depois de terem beneficiado das orientações do governo na matéria. Teremos no futuro também uma burocratização da vida sexual?

Os pais temiam os catecismos, os moralismos, logo a hipocrisia, os tabus, as abstinências, os recalcamentos, e pronto, as consequentes taras. Sexo, pergunta-se, educação sexual, ou auto-didactismo tradicional? Os serviços do Ministério da Educação tinham certezas absolutas: era preciso esclarecer tudo sobre a educação sexual, a vida sexual e coisas assim. Os serviços do Ministério andavam apreensivos com os fantasmas, queriam uma juventude a viver a sua sexualidade e os seus afectos de modo lúcido, explicável, saudável, incluindo aqueles afectos que se inclinam para pessoas do mesmo sexo. Ora, sobre isto alguns profes, ainda que favoráveis à educação sexual, achavam que as políticas governamentais haviam sido, nesta matéria, influenciadas por lobbies… não me custa nada a crer.

Educação sexual, pensando no caso: fazer sexo deve ser o cúmulo da má educação, é má educação até aludir a ele em sociedade: sexo não pode ser feito em público, pois não, à vista de toda a gente, pois não; é uma prática que não admite transparências, onde tudo pode ser proibido ou permitido, é coisa que se faz às escondidas de todos, em privado (…) ou então pode ser feito onde calhar, arriscando-se sanções, maus olhados, má fama… Neste mundo do politicamente correcto, do socialmente correcto, o sexo deve ser a maior das incorrecções, sim, porque como digo, só se faz às escondidas. E, então, como ensinar a correcção e a educação do sexo se a própria prática dele é uma incorrecção, uma pequena violência confortável, o sexo é uma indecência, ou pelo menos assim a sociedade o julgou. O sexo é interdito nos cinemas, quer na plateia, quer nos intervalos, quer no ecrã é quando é permito no ecrã, os filmes (identificados, são para adultos) e taxados pelo estado. Educando o sexo, vai educar o que ele mesmo proíbe, ou que simplesmente condena como imoral (…).

Mas, pelos vistos os governos entendem que há uma correcção para o cúmulo da incorrecção que é o sexo; que há uma educação para o cúmulo da má educação que é o sexo, ao ponto de o quererem ensinar e educar nas escolas. Não, não será o sexo que se pretende ensinar e educar nas escolas: é educação sexual, educação… mas para quê, se eu não posso mostrar à sociedade os refinamentos da minha educação sexual? (…) Sempre ouvi dizer, embora como eufemismo, que praticar o sexo é fazer amor, mas então como se pode administrar boa educação sexual se não se explicar muito bem, por miúdos, aos alunos, em que consiste realmente o amor e os respectivos nobres sentimentos?

Mas ninguém soube explicar como deve ser o amor, não sei se o governo ou o ministério têm algumas directivas sobre o assunto, sobre o sentimento amoroso. Só me admira que não tenham, que não legislem sobre o amor. É grave lacuna na fachada do furor legislativo nacional, porque haveria alguma correcção a ensinar respeitante ao amor, ao amar correctamente, educadamente… caso de saúde pública, quanto mais não seja porque muitas tragédias pessoais já aconteceram por causa do amor.

Sexo: causa ou consequência (…) do amor? Mas se ao dar educação sexual ao povo adolescente, o ministério não ensinar o que é verdadeiramente o amor, do qual o sexo, de uma maneira geral, correcta, educada deve ser a consequência, se o ministério não ensinar o que é amor e como se vive educadamente um grande amor irão ensinar bem a consequência disso ou seja, fazer bom sexo? Então vai ensinar o quê?

O ministério através dos seus doutos professores, seguramente especializados em matéria sexual, vai ensinar os jovens a pôr um preservativo, bom senhores, isso não é educação sexual isso serão primeiros socorros, quando o jovem tiver de se desembaraçar numa emergência (…). Ensinar a jovem a tomar a pílula, educação sexual, não me parece, será farmacologia, educação cívica, higiene, ou outra coisa parecida.

Mas depois, em vez de amor e de magníficos sentimentos a serem complementados com o sexo, vem a burocracia ministerial e lê-se no normativo sobre a (…) educação sexual, a impor umas quantas coisas (…): “o aumento e a consolidação de conhecimentos sobre”, por exemplo, “as dimensões anatomo-fisiologicas”… não esperava indecências destas numa norma governamental (…). “É preciso aumentar e consolidar conhecimentos acerca de regras de higiene corporal”, tem a ver com sexo e tem a ver com a condução de camiões TIR, sei lá… tem ver com tudo. “Da diversidade dos comportamentos sexuais ao longo da vida” (…), pois é: é o “ao longo da vida” que dá cabo de nós, aí é que está, e nos ensina melhor… acerca dos mecanismos de reprodução.

Acerca do planeamento familiar, dos métodos contraceptivos, das infecções, sua prevenção e tratamento. Acho que hoje já ninguém ignora com quem é arriscado fazer sexo, e não será caso para dar uma aula… bom… aumentar e consolidar conhecimentos, também acerca das ideias e dos valores com que as diferentes sociedades encaram a sexualidade (…). “Aumentar e consolidar conhecimentos sobre os vários tipos de abuso sexual e das estratégias do agressor” uff!... Abuso e estratégias do agressor, enfim… educação sexual num país e numa sociedade em que nos últimos anos, como o caso Casa Pia acabava de tomar conhecimento de uma infinidade sórdida de pormenores acerca de pedofilia e de agressões e em que os alegados acusados e já condenados era tudo gente bem-educada e culta ou, pelos vistos, mal-educada sexualmente (…). Valha-me Deus!

As normas ministeriais impõem ainda o desenvolvimento de competência para uma data de coisas, eu sei lá: “expressar sentimentos e opiniões” (…). É verdade, há muita gente incompetente a expressar sentimentos e opiniões e também há os demasiado competentes quando expressam, e bem, sentimentos falsos, para tomar decisões e aceitar decisões dos outros, ora uma lição de democracia, em suma, não de sexualidade, mas está bem, passo… Não me apetece ler mais normas governativas, parecem-me mais burocracias jurídico-institucional do que regra para lidar com assuntos humanos complexos.

Porque depois será preciso competência para reconhecer situações de abuso sexual. Ensinar a reconhecer rapazes e raparigas (…) o que é um abuso sexual!? Estas normas puseram-me a alma num inferno, ao fazerem dos alunos perfeitos atrasados mentais a quem têm de ser ensinadas
matérias com que eles contactam todos os dias, ou pessoalmente ou por meio dos média.

Houve professores a pensar que no campo da educação sexual deve ser deixado espaço aos pais, os pais deveriam falar com os filhos… sim… em princípio acharia mais natural que assim fosse, mas depois somos esmagados pelo argumento da indisponibilidade de tempo dos pais e pelo eventual talento, dos pais o ensino de matéria tão delicada e tão mal-educada, mas mesmos que os pais tivessem tempo e talento coloquemo-nos, por um momento, no lugar deles (…). A preparação sexual dos pais seria aquela de toda a gente: a que a vida lhe dera (…). “Mas eu sei lá o que hei-de dizer ao rapaz? E, tu sabes o que vais dizer à miúda? Vês? A mim nem pai, nem mãe, nem avô, nem avó, nem tio, nem tia me explicou coisas que eram consideradas poucas-vergonhas e que não eram para falar diante dos gaiatos, não é?”. “Mas, os tempos são outros, diria a mãe”. “Pois, mas é com essa que me entalas (…) se tudo isso estivesse informatizado…”

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

CIÊNCIA NO CÂMARA CLARA

Informação recebida do programa Câmara Clara da RTP2:

Dia 30 de Janeiro, domingo à noite

CONVIDADOS: MARIA MOTA E CARLOS FIOLHAIS

A portuguesa Maria Mota, um dos cientistas de topo nas investigações sobre a malária, e o físico Carlos Fiolhais, professor e autor de referência na divulgação científica, são os próximos convidados de Paula Moura Pinheiro. A investigação científica é dos raros setores que florescem num Portugal deprimido. Os cientistas portugueses estão a publicar cerca de 8000 artigos por ano; há unidades de investigação que merecem o investimento de organizações como a Fundação Bill Gates; e da Fundação Champalimaud espera-se que venha a ser para a Ciência aquilo que a partir dos anos 50 a Fundação Gulbenkian foi para as Artes. Maria Mota e Carlos Fiolhais explicam as razões deste boom num contexto em que tudo o resto parece correr mal e falam-nos de livros novos imperdíveis.

Uma equação para a Cidade


A notícia já tem alguns dias e é do NY Times. Geoffrey West, um físico de 70 anos que trabalhou na Universidade de Stanford e no Los Alamos National Laboratory, resolveu aplicar os modelos e formalismos matemáticos para estudar a evolução das cidades, nomeadamente das grandes metrópoles. Nas palavras do próprio:

“What we found are the constants that describe every city; I can take these laws and make precise predictions about the number of violent crimes and the surface area of roads in a city in Japan with 200,000 people. I don’t know anything about this city or even where it is or its history, but I can tell you all about it. And the reason I can do that is because every city is really the same.”

A inspiração de West vem do trabalho do biólogo Max Kleiber que, nos anos 30, encontrou uma correlação matemática simples entre o metabolismo e a massa da enorme diversidade do reino animal. Seria possível fazer uma analogia para o crescimento das cidades?

But a city is not just a frugal elephant; biological equations can’t entirely explain the growth of urban areas. While the first settlements in Mesopotamia might have helped people conserve scarce resources — irrigation networks meant more water for everyone — the concept of the city spread for an entirely different reason. “In retrospect, I was quite stupid,” West says. He was so excited by the parallels between cities and living things that he “didn’t pay enough attention to the ways in which urban areas and organisms are completely different.”


Desanimado? Nem por isso. Apesar de algumas limitações da matemática no modelo social do crescimento urbano, este trabalho de West é apenas uma primeira investida...

"While they admit their equations are imperfect, they insist the work remains a necessary first draft. “When Kepler found the laws that govern planetary motion, he didn’t get the laws exactly right,” West says. “But the laws were still good enough to inspire Newton.”

E West já tem uma nova direcção nesta aventura científica/social: descobrir as leis matemáticas que governam os grandes grupos empresariais.

Ficção científica? Eventualmente. Ao ler este artigo lembrei-me imediatamente do ponto fulcral da minha saga da ficção científica preferida, Fundação, de Isaac Asimov, em que o matemático Hari Seldon desenvolve uma teoria denominada "psico-história", uma mistura de sociologia e matemática que, quando aplicada a grandes populações, permitiria desvendar o futuro de povos, planetas e impérios ...

QUÍMICA E LITERATURA


Minha crónica no "Sol" de hoje:

As Nações Unidas determinaram que 2011 fosse o Ano Internacional da Química e, por todo o mundo, celebram-se os triunfos dessa ciência. Hoje não podemos viver sem a química, que, de uma forma ou de outra, está em todo o nosso quotidiano: os remédios, os alimentos, os materiais, etc.

Mas, para verificar que ela está também presente na literatura, basta atentar em alguns exemplos. O maior dramaturgo de todos os tempos, o inglês William Shakespeare, tinha uma boa bagagem de conhecimentos científicos. Na sua peça Romeu e Julieta o envenenamento de Romeu deve-se a um veneno comprado num boticário. Nesse tempo, porém, estava ainda muito longe a química que conhecemos hoje, existindo em vez dela a alquimia. A química moderna só surgiu no final do século XVIII, graças principalmente ao francês Antoine Lavoisier. Logo a seguir, na reacção romântica ao iluminismo, entra na literatura, pela mão do germânico Johann Wolfgang Goethe, um alquimista da geração anterior a Shakespeare, o Doutor Faust: a tragédia Fausto imortalizou como um dos mitos da ciência o protagonista de um suposto pacto com o demónio. De resto, Goethe é o autor de um outro título inspirado na química, As Afinidades Electivas.

Já no final do século XIX, com a química pujante nos laboratórios, e com a aparição da química forense devido ao desenvolvimento de técnicas analíticas, não admira que o inglês Arthur Conan Doyle tenha criado um outro lendário personagem literário, Sherlock Holmes, como um químico capaz de encontrar um reagente identificador de sangue (na novela Um Estudo em Vermelho).

Dando um pulo até ao século XX, onde a química entrou em força na indústria, no seu caminho para entrar nas nossas vidas, multiplicaram-se as obras literárias de temática ou de inspiração química. A minha preferida é o Sistema Periódico (Gradiva, 1988), do químico italiano Primo Levi, mais conhecido por ter experimentado os horrores do Holocausto: é um livro onde os elementos da tabela periódica são o mote para histórias pessoais. A Royal Society de Londres, num inquérito de 2006, apurou que esse era o melhor livro sobre ciência de sempre, pelo que a obra, há muito esgotada entre nós, merece reedição neste Ano da Química. Uma obra mais moderna de um grande romancista norte-americano da actualidade, Don deLillo, Ruído Branco (Sextante, 2009), reflecte a omnipresença da química na contemporaneidade. Mas, se esse livro está traduzido, outras obras recentes relacionadas com a química ainda esperam edição nacional: é o caso de Gravity’s Rainbow, do génio excêntrico norte-americano Thomas Pynchon, ou de Gain, do seu compatriota Richard Powers, que como ele começou por estudar ciências para só depois enveredar pela literatura. Não falta química nos romances…

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Descoberta notável de colecção de peixes recolhidos no Séc. XVIII






























Durante os trabalhos de levantamento sistemático das colecções pertencentes à Universidade de Coimbra, com o objectivo de completar o inventário, deparámo-nos com um achado absolutamente extraordinário entre as colecções zoológicas.

Guardados dentro de uma grande caixa de folha de flandres, encontravam-se 68 peixes de diferentes espécies conservados em seco, montados sobre cartão com a designação científica no sistema de Lineu, e alguns com dois nomes vulgares, um em português e o outro numa língua indígena do Brasil. Os cartões são contornados por um filete, nalguns casos preenchido a aguarela azul, com letra a preto numa caligrafia perfeita. O seu excelente modo de conservação através desta técnica descoberta no séc. XVIII, “em herbário”, em que apenas metade do exemplar era preservado prensado sobre uma folha de cartão e, depois de seco, envernizado e com esta qualidade, revelam inequivocamente a sua origem nas colecções do Real Museu da Ajuda com a caligrafia da Aula do Risco.

No arquivo do Museu Bocage, existe o registo de uma importante remessa de espécimes do Real Museu para a Universidade de Coimbra datada de 1806, grande parte deles com origem na Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira. Este registo, “Relação dos Produtos naturais e industriais que deste Real Museu se remeteram para a Universidade de Coimbra em 1806”, largamente estudado na secção de materiais etnográficos e antropológicos, refere o envio de 60 exemplares de peixes das colecções do Real Museu. Ao compararmos as designações científicas de Lineu nos exemplares, com o documento da remessa, verificamos que cerca de metade dos géneros indicados correspondem aos da colecção encontrada.

Trata-se então de uma parte das recolhas que o grande naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira realizou para a coroa portuguesa na bacia do Amazonas, durante uma década, entre 1783 e 1792. Uma das mais notáveis e prolongadas expedições de naturalistas, realizadas durante o Séc. XVIII, procurando o conhecimento científico e sistemático da natureza exótica que então se descobria. As colecções enviadas para Portugal pelo naturalista, foram alvo de muitas vicissitudes, encontram-se dispersas por várias instituições incluindo uma parte levada para Paris durante as invasões francesas. Em particular, das colecções enviadas para Coimbra apenas está bem estudada a excelente colecção etnográfica dos índios da Amazónia. Neste momento, o Museu da Ciência tem em curso um projecto de investigação de história da ciência da Universidade de Coimbra, em que se procede ao estudo destas colecções fundadoras dos primeiros gabinetes universitários portugueses.

A descoberta destes exemplares é absolutamente notável por se tratar de uma colecção raríssima, havendo poucos exemplares do Séc. XVIII de peixes do Brasil, montados deste modo, em todo o mundo – conhece-se um conjunto de 18 espécimes, com estas características, na Academia das Ciências de Lisboa -, além de abrir uma nova perspectiva quanto ao estudo e conhecimento das recolhas deste naturalista. É uma importante descoberta para a história natural em Portugal, para a história da ciência e para o estudo da biodiversidade, realizada mesmo no final do Ano Internacional para a Biodiversidade.

DEMOCRACIA

Extracto do livro "Filosofia em Directo" de Desidério Murcho (edição da Fundação Francisco Manuel dos Santos), que sai amanhã com o jornal "Público":

"Democracia

A palavra «democracia» adquiriu um estatuto quase mágico. Pressupõe-se que é uma coisa boa e que todos a desejamos. Um cínico poderá dizer que os políticos usam a palavra porque é tão vaga que não se comprometem com coisa alguma de palpável. Poderá haver nisto alguma verdade, mas as pessoas que escrevem nos jornais também parecem prezar a democracia, pelo que os políticos poderão estar apenas a dar voz ao que pensam que as pessoas prezam. É difícil encontrar alguém nos dias de hoje, num jornal, a atacar abertamente a democracia. Mas que razões haverá para a defender? E não haverá alternativas melhores?

Antes de sabermos em que estamos a pensar, temos de explicar pelo menos brevemente o que entendemos por democracia.

Eis algumas ideias centrais do que caracteriza um regime democrático, hoje em dia:

— Com poucas excepções justificáveis (como as crianças ou pessoas com problemas mentais), todas as pessoas do país em causa podem votar e nenhum voto vale mais do que qualquer outro;
— Os partidos políticos têm protecção legal, e as pessoas podem formar livremente partidos políticos (obedecendo a requisitos legais razoáveis);
— As pessoas podem criticar o governo publicamente e fazer campanha activa contra o partido do governo;
— Pelo voto livre e secreto, as pessoas decidem quem irá governar durante um período relativamente curto de tempo (quatro ou cinco anos, por exemplo);
— Qualquer partido político legalmente constituído pode fazer campanha eleitoral apelando ao voto das pessoas;
— O governo, ainda que eleito democraticamente, é fiscalizado pela imprensa livre, pelo parlamento igualmente eleito pelos votantes e por outros órgãos de soberania, como o Chefe de Estado, por exemplo, e pelos tribunais;
— Além disso, o governo eleito terá de obedecer à lei, incluindo a lei fundamental do país, que poderá ser uma constituição.

Isto não é suficiente para garantir uma sociedade justa, pois não compete à democracia, só por si, garantir tal coisa. A democracia é apenas um valor político importante, mas não é o único. Por exemplo, um governo democraticamente eleito poderia fazer leis para discriminar as pessoas negras, por estas serem uma minoria no país e porque a maioria quer discriminá-las, tendo votado nesse governo exactamente por essa razão. Ou poderia fazer o mesmo com os homossexuais ou com as pessoas de olhos azuis. Essa sociedade seria democrática, num certo sentido, mas não seria justa. Seria uma espécie de ditadura da maioria.

Não precisamos de nos preocupar com esse aspecto. Mesmo uma concepção minimalista de democracia, que reconhecidamente não inclua tudo o que seria de esperar numa sociedade justa, já levanta suficientes problemas filosóficos. O mais básico dos quais é esta simples pergunta: porquê escolher um regime democrático? Este é o tipo de pergunta radical que se o leitor fizer à mesa do café poderá trazer-lhe dissabores. E nem poderá escrevê-la num jornal sem atrair a raiva e os gritos de silenciamento de muitas pessoas. Afinal, estamos a pôr em causa uma convicção fundamental da sociedade contemporânea. Todos acreditamos, aparentemente, na democracia. E nem queremos ouvir falar de razões ou de raciocínios complicados e ainda menos de perguntas incómodas que ponham em causa convicções que não sabemos justificar.

Todavia, as convicções mais profundas revelaram-se muitas vezes brutalmente erradas. Presumivelmente, os europeus do século XVIII tinham, na sua maior parte, a convicção profunda de que as mulheres não deveriam ter os mesmos direitos e oportunidades dos homens. E no século XVI quase todos os europeus tinham provavelmente a convicção igualmente profunda de que os índios e os negros não tinham alma, o que, do seu ponto de vista, justificava a escravatura.

Assim, apesar de termos hoje a convicção profunda de que a democracia é um regime político desejável, podemos estar enganados. Temos de analisar cuidadosamente as razões a favor da democracia. O problema é que parece não haver muitas.

Contra a democracia

Para compreender melhor a dificuldade, imagine-se um regime que não é democrático, no sentido em que não há eleições livres. O governo foi originalmente eleito, há mais de vinte anos, mas depois aboliu a chatice das eleições e das propagandas. Como se revelou um bom administrador, ninguém se preocupou muito com isso. O produto interno bruto subiu em flecha; o bem-estar social é elevado; há riqueza, paz, harmonia e segurança. Apesar de o governo ter acabado com certos aspectos da democracia, não acabou com outros. Não há, por exemplo, presos políticos. Os jornais não são censurados, mas a imprensa política também não é encorajada — o governo considera, não sem alguma razão, que os comentadores políticos e as pessoas da oposição pouco mais fazem do que criticar gratuitamente os governantes, muitas vezes em termos pessoais. O governo, pelo contrário, rodeia-se dos melhores especialistas nacionais, e faz o melhor pelo país.

Qual é o problema deste regime? Num certo sentido, é muito mais razoável. Não parece fazer muito sentido que a populaça, muitas vezes ignorante e sem tempo nem conhecimentos para tomar boas decisões, escolha governos com base em campanhas iguais às que se fazem para vender sabonetes. A probabilidade de isso permitir escolher o governo mais competente é escassa. Seria como se os passageiros de um avião tivessem de escolher por votação quem o vai pilotar. Sem conhecimentos de aviação nem tempo nem disposição para os adquirir, as pessoas não poderiam votar sensatamente nos melhores pilotos. A probabilidade seria que votassem não nos mais competentes, mas nos mais loquazes, nos mais bonitos e nos mais ricos ou trapaceiros que, por terem mais dinheiro, poderiam fazer melhores campanhas a seu favor. E o resultado seria que muitos mais aviões cairiam, matando muitas centenas de pessoas, do que na situação actual em que não há qualquer democracia na escolha do piloto do avião: este é imposto em função das suas credenciais, que são controladas por pessoas que sabem o que fazem, e não por qualquer passageiro munido de um boletim de voto.

Além disso, a democracia pode ser um obstáculo à boa governação. Um governante bem-intencionado pode ser incapaz de efectivar as reformas e de tomar as medidas que no seu entender iriam resolver a maior parte dos problemas do país, colocando-o na rota do bem-estar e da riqueza: com tantos controlos democráticos, negociações de bastidores e pessoas a gritar em cacofonia, o governante é incapaz de melhorar as coisas. É por isso uma tentação suspender a democracia pelo menos por algum tempo, até os problemas mais graves ficarem resolvidos. Mas se a democracia não funciona para resolver os problemas mais graves de um país, colocando-o na rota da riqueza e do bem-estar, não parece particularmente sábio sustentar a democracia, com todos os seus custos, em vez de a abolir definitivamente. Se a democracia não é boa quando as coisas não correm muito bem, também não precisamos dela quando as coisas correm bem.

Falibilidade

O que há de crucial no raciocínio que desenvolvemos até agora contra a democracia é um pressuposto epistémico, isto é, relativo ao conhecimento. O pressuposto epistémico em causa é a ideia de que uma dada pessoa ou equipa de pessoas pode saber como resolver os problemas de um país sem recorrer à democracia — tal como um piloto de aviões sabe pilotar o avião
sem perguntar aos passageiros o que fazer a cada instante. Mas será este pressuposto razoável?

Evidentemente, quem defende a suspensão da democracia até se resolver os problemas mais graves do país, tem a convicção de que sabe resolver esses problemas. Mas sabê-lo-á? Ou será apenas ingénuo, pensando que sabe quando na verdade não sabe? Como podemos saber que sabe? Como sabe ele que sabe?

Quando se fazem estas perguntas, a democracia começa a parecer mais sensata. Pois se os governantes forem sistematicamente sujeitos a eleições, não poderão fazer muitos estragos durante muito tempo. Os melhores governantes podem cometer erros muito graves, ainda que tenham as melhores intenções. Mas se tiverem de se sujeitar ao veredicto popular, poderão perder o emprego rapidamente, antes de as suas bem-intencionadas asneiras se tornarem demasiado graves. (O preço a pagar é a possibilidade de políticos oportunistas que adoptam políticas muito populares, a curto prazo, mas muito danosas a médio ou longo prazo.)

Quando se raciocina desta maneira, a democracia surge não tanto como um regime que permite o melhor, mas antes como um regime que evita o pior. Por mais que um político esteja convencido de que conseguiria melhorar o seu país suspendendo os controlos democráticos, isso pode ser uma ilusão: na verdade, poderia piorá-lo. (...)"

Desidério Murcho

Museu da Ciência -Quatro anos em balanço















Este é o texto que escrevi a pedido da Newsletter da Universidade de Coimbra sobre o balanço de quatro anos de actividade de Museu da Ciência:


O Museu da Ciência da Universidade de Coimbra anunciou há dias a descoberta, nas colecções museológicas da UC, de um conjunto de 68 peixes, montados em forma de ‘herbário’, colectados por Alexandre Rodrigues Ferreira no final do século XVIII, no Brasil, na maior expedição naturalista portuguesa de sempre, tendo, por isso, um valor inestimável.

Esta frase poderia ser uma espécie de ideal imaginário da actividade do Museu da Ciência, mas não é. Aconteceu mesmo e trata-se de uma descoberta de um valor extraordinário para o património científico nacional.

Quando em 1999, por nomeação reitoral e iniciativa do Vice-Reitor de então, Fernando Seabra Santos, a Comissão que integrei começou a trabalhar no projecto do Museu da Ciência, tinha a convicção de que a Universidade de Coimbra possuía os acervos e o potencial para construir um museu de ciência de nível internacional. O objectivo era o de criar um museu que fosse um local central de divulgação e promoção da ciência, de interacção entre os cientistas e a sociedade, de criação das condições para o acesso dos cidadãos ao excepcional acervo científico da Universidade de Coimbra e para o desenvolvimento da investigação científica sobre as colecções, bem como da sua preservação para o futuro.

Desde a sua abertura, em Dezembro de 2006, o projecto do Museu da Ciência, que teve na Câmara Municipal de Coimbra um parceiro fundamental, tem sido muito bem sucedido. Podemos mesmo afirmar que os resultados ultrapassaram as nossas expectativas. O Museu foi Prémio Micheletti, para melhor museu europeu de ciência técnica e indústria, em 2008, menção honrosa para Museu do Ano da Associação Portuguesa de Museologia (APOM), no mesmo ano, Prémio para melhor serviço educativo e extensão cultural e para melhor aplicação de multimédia para gestão museológica, ambos em 2010, também pela APOM, o que atesta o valor do projecto e da actividade desenvolvida em vários domínios. O projecto de arquitectura foi também Prémio Diogo de Castilho e Prémio ENOR, este ibérico, de arquitectura.

O Museu da Ciência tem procurado manter uma actividade intensa e de qualidade, para lá da visita às suas exposições. A programação diferenciada de actividades a um ritmo de cerca de uma a cada dois dias, tem-se dirigido a jovens, famílias, público académico ou cidadãos interessados em assuntos científicos relevantes. Uma atitude de inclusão tem-nos levado também a procurar trabalhar para os cidadãos com necessidades especiais. A preocupação de intervenção na cidade tem-se desenvolvido através de iniciativas diversas com agentes locais, a começar pela CMC. A qualidade de toda a programação acaba de ser reconhecida pelo Prémio APOM já mencionado.

Um elemento crucial das nossas actividades é a preocupação de envolver nelas os cientistas da Universidade de Coimbra, bem como de outras universidades. A colaboração extremamente generosa, voluntariosa e entusiástica dos cientistas tem sido uma das chaves do sucesso da comunicação de ciência que procuramos realizar.

Desde o início que o projecto do Museu da Ciência foi pensado em duas fases. Uma primeira, no Laboratorio Chimico, para testar o novo modelo que propúnhamos e para ganhar experiência; uma segunda fase de desenvolvimento de um vasto projecto envolvendo todas as colecções científicas da Universidade de Coimbra, a instalar no Colégio de Jesus. Esta nova fase está já em curso, com o desenvolvimento do projecto de arquitectura e com o trabalho da Comissão Científica para o programa museológico. O projecto continuará a desenvolver-se nos próximos anos.

Este é o Ano Internacional da Química e ao longo do mesmo realizaremos actividades específicas ligadas à química, em colaboração com o Departamento de Química da FCTUC. Está planeada uma série de 6 demonstrações revivendo as célebres ‘Christmas lectures’ de Faraday, reactualizadas, mas realizadas em dois anfiteatros históricos de química, em Coimbra e em Lisboa. Em Junho haverá uma sessão no pátio da Universidade dedicada à química. Serão ainda realizadas conferências sobre algumas das grandes descobertas da química, ao longo do ano.

Este será um ano de intensa actividade e de crescimento. O Museu está já a concretizá-lo, nomeadamente através das visitas ao Gabinete de Física e às galerias de Botânica, Mineralogia e Geologia, de Zoologia e reservas de antropologia.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...