domingo, 14 de março de 2010

A questão não é só universitária


Texto de João Boavida sobre o Ensino Superior. Quando passaram dez anos sobre a Declaração de Bolonha, todos os contributos para a reflexão sobre o ensino superior são decerto bem vindos.

Num congresso sobre formação de professores no Ensino Superior, há anos, o reitor da Universidade Nova relatou um anterior e interessante diálogo. Com base num inquérito do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CNAVES) sobre «o perfil sócio-económico dos estudantes», e de outros promovidos pela referida universidade, verificou-se que as Faculdades de Medicina, Direito e Economia recrutavam alunos de um nível sócio-económico, em média, superior ao dos outros. Penso que o panorama não terá mudado muito mas, mesmo que tenha mudado, para o caso não será relevante.

Numa reunião, e face a estes dados, um professor de uma outra Faculdade, afirmou, lamentando-se: «nós não estamos muito bem colocados». Ou seja, os alunos médios da sua Faculdade partiam com algum atraso na corrida, sendo para eles, portanto, difícil recuperar. Mas Sousa Lobo, o reitor, respondeu: «Não, eu acho que é exactamente ao contrário. Se a sociedade portuguesa se está a abrir, no acesso ao ensino superior, as Universidades públicas têm um desafio particular que é ensinar os estudantes e compensá-los nos aspectos em que o ambiente cultural familiar os possa ter preparado menos bem para a cultura universitária».

É claro que a razão cabe a ambos. Ter alunos de nível sociocultural elevado é, em princípio, muito melhor porque prepara o terreno do êxito, sendo superiores as hipóteses de sucesso Mas quantos mais alunos entrarem na Universidade mais diversificado será o seu nível sociocultural.

Esta é a situação que hoje temos e que constitui um dos grandes desafios das instituições universitárias: como conciliar a necessidade de manter o ensino superior em bom nível e a integração de estudantes que não possuem os requisitos culturais necessários?

A questão não é só universitária, é de todos nós, até porque muita coisa se mistura. Tendo partido com grande atraso na ampliação do ensino superior, estamos a fazer, em pouco tempo, o que outros fizeram mais lentamente. E isso paga-se.
João Boavida

3 comentários:

joão boaventura disse...

A este propósito sugiro uma leitura dos Descritores Dublin.

Rui P. Guimaraes disse...

Que requisistos culturais? Explique-se para Engenharia, Ciencias, Desporto, etc. Alem disso o estudo é socio economico, nada tem de sociocultural. Afinal de contas, onde é que realmente quer chegar com este texto?

Pinto de Sá disse...

O que é dito é verdade, mas duvido da interpretação decorrente.
Já há mais de 40 anos um trabalho de Sedas Nunes e Miller Guerra, publicado na "Análise Social", fazia o levantamento sociológico da origem dos alunos das várias Faculdades e nele podia-se ler que os de origem mais elevada eram os de Direito, especialmente em Coimbra, e os de origem mais baixa eram os da Faculdade de Ciências. A Faculdade de Ciências era também, juntamente com Medicina e depois de Letras, a que tinha maior percentagem de raparigas.
Esta realidade não se terá alterado nestes 40 anos e o que me parece mostrar é algo profundo e notado já desde o sec. XIX pelos observadores internacionais: as élites portuguesas valorizam a retórica e desprezam profundamente a Ciência.
Na minha opinião tal está associado à inexistência histórica em Portugal de uma revolução industrial feita com know-how próprio, e a outras causas ainda mais antigas - a inexistência de uma Reforma e de um Renascimento.
Ou seja, acima de tudo esta diferenciação sociológica atestará uma hierarquia de valores nas élites nacionais de que a Ciência e a modernidade em geral estão quase ausentes.
Não é uma situação muito diferente da de Espanha, mas aí há bolsas culturalmente distintas, particularmente na Catalunha e no país Basco.

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