"Existe uma erótica do novo, o velho é sempre suspeito" (Roland Barthes, 1915-1980)
No passado dia 27 de Novembro publiquei um post intitulado “Para um debate sobre telemóveis na escola”, em cedência a um pedido formulado por Tiago Videira que justificava assim a sua solicitação: “Escrevi esta reflexão que gostaria de lançar como repto, provocação, ou ponto de partida para um debate neste sentido a ser lançado no vosso blogue, se assim for entendido como pertinente.”
Mereceu “esta reflexão, repto, provocação, ou ponto de partida”, 27 comentários, que dão conta da polémica suscitada, que ficou longe de se esgotar pese embora os argumentos pró e contra de dois dos comentadores, respectivamente, Adelina Moura e Fartinho da Silva.
Revisitando um post publicado há já algum tempo no Rerum sobre as novas tecnologias na escola, da autoria de Nuno Crato, autor que dispensa qualquer apresentação pelos valiosos contributos que tem dado às questões da educação, entendi ser do maior interesse trazer a terreiro a sua opinião, embora ela se refira, essencialmente, ao uso de computadores. Reproduzo-a aqui ipsis verbis:
"INOVAÇÃO
Há palavras tão gastas que perdem o seu significado. Uma delas é inovação. Parece que basta mudar para progredir. Mas há mudanças boas e mudanças más. Ou será que todas as inovações são boas?
Ontem à tarde estive numa reunião de discussão de programas de ensino. Um dos oradores explicava as suas ideias e repetia de minuto a minuto: «é um programa diferente», «é um programa inovador», «é um programa diferente», «é um programa inovador», «é diferente», «é inovador»...
Disse-o tantas vezes que um dos professores na sala o interrompeu e perguntou «Já percebemos que é diferente. Mas é melhor?» O orador ficou encavacado. Encavacadíssimo. Como se nunca tivesse pensado nesse problema insólito. Balbuciou umas justificações e passou à frente.
Hoje de manhã passei pela Rotunda da Boavista, no Porto, e fui surpreendido com um anúncio de uma escola de línguas. Uma larga faixa estendida no edifício afirmava, orgulhosa: «Aqui não há computadores»!
Curioso! Como se pode ter orgulho em não seguir a moda das novas tecnologias?! Lembrei-me de um laboratório de línguas que existiu durante uns tempos no meu liceu. Tínhamos de falar para um gravador, com uns auscultadores na cabeça, e ouvir a nossa própria voz, para depois corrigir a pronúncia. Na altura aprendia-se francês.
Foi um fracasso, porque se exagerou. Ninguém tinha paciência para ficar muito tempo sozinho às voltas com uns auscultadores e uns microfones. Ao fim de pouco tempo regressámos por completo ao ensino presencial, com uma professora, com diálogos, com leituras, com ditados, com redacções.
Está-se hoje a passar por uma fase semelhante. Há vantagens imensas no uso dos computadores, mas as novas tecnologias têm um papel que não deve ser exagerado. O filósofo pós-moderno Lyotard afirmou, triunfante, que os computadores iam acabar com o trabalho dos professores. Alguns filósofos, sobretudo dessa corrente delirantemente desligada do mundo, dizem qualquer coisa para serem inovadores. Felizmente, a realidade desmente-os. E na Boavista há uma escola que está orgulhosa de ter professores. Daqueles vivos, de carne e osso.
Encontrei depois um amigo e conversámos um pouco. Lembrei-me de um dos segredos da Nokia: os transformadores têm quase todos a mesma saída, de forma que um carregador de um telemóvel serve em outro da mesma marca. É uma ideia positiva. Inovar nos carregadores de telemóvel de cada vez que sai um modelo novo é um hábito desagradável de outros fabricantes.
Mas o meu amigo é filósofo. Retorquiu-me: «Sabes... quando a Nokia decide não inovar, está a ser inovadora.»
Palavras, palavras, palavras!"
Nuno Crato (in Expresso Online, adaptado pelo autor)
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12 comentários:
Concordo absolutamente. Ensino História a alunos do ensino secundário. Nunca dou uma aula sem ter um mapa ao pé. Para a esmagadora maioria dos alunos, é novidade absoluta terem para um mapa verdadeiro na parede. No fim das primeiras aulas aproveitam todos os pretextos para tocarem, sentirem... Só visto :)
Tenho, desde há muito, relativamente aos entusiasmos sobre apetrechos tecnológicos aplicados ao ensino, a ideia de que os cursos/estudos sobre o assunto deviam icluir a verificação da eficácia na aprendizagem dos alunos voluntariamente sujeitos a tais processos em comparação com os restantes. Mas evitando as autoavaliações desses alunos quando são crianças ou muito jovens, e sobretudo se as fazem perante os professores que os vão avaliar... Tais estudos também deviam prever essas verificações 10-15 anos depois. Só que isto não é compatível com o interesse e a pressa em obter diplomas. E por isso é preciso "inovar", "inovar"... No nosso país, até temos o instituto de inovação educacional, e tem-se visto no que têm resultado as inovações... De tal sorte que eu não sei se temos uma "educaçãogate" ou uma "inovaçãogate" ou uma mistura das duas ou outra coisa qualquer, em contraste com uma gritante falta de educação.
Caro Ruy Baptista,
Apesar de ter colocado apenas um ligeiro comentário, sou contra a utilização do telemóel.
Concordo quase em absoluto com as posições de "Fartinho da Silva", para a escola actual. Reconheço que o "telemóvel" há muito que deixou de ser apenas um aparelho de comunicação e que é, indubitavelmente , o computador do futuro pelas vantagens e possibilidades que oferece.
João Moreira
João Moreira
Julgo que terá interesse para esta problemática dois pensamentos do psiquiatra norte-americano, de ascendência alemã, Erich Froom (1900-1990):
1. "O problema não é que os computadores possam pensar como nós, mas que nós possamos pensar como eles".
2. "O perigo do passado era que os homens se tornassem escravos; o perigo do futuro é que os homens se tornem autómatos".
E já agora, a opinião de Norbert Wiener (1894-1963), criador da cibernética: "Para o escritor vale mais o cérebro do que um computador".
Curiosamente, o escritor António Lobo Antunes continua a manuscrever os seus livros em pequenos linguados de papel.
Reproduzo, a propósito também desta intervenção e respectivos comentários, o último com que me pronunciei sobre a entrevista de Daniel Pennac.
Caro Rui.
Eu conheço a obra de Alberoni. De facto, não me pronunciei, num comentário anterior, sobre a obra de Alberoni, mas sobre uma recente entrevista aqui publicada na qual não consegui reconhecer Alberoni. Eis aqui a questão crucial.
Como já aqui desenvolvi a propósito do itinerário crítico que desabou sobre Caim de Saramago, uma obra não legitima uma ocorrência.
Face à súbita constatação de que o sistema de ensino em Portugal, bem como em muitos outros tópicos do território europeu, começa a dar indícios de que é incapaz de realizar os seus fins, desabou, em meu entender, na comunidade a desorientação e desconcerto em torno de lugares comuns que tendem a reunir, numa espécie de Praça de Concórdia, o universo integral dos pensadores centrados na matéria pedagógica.
Ora, do meu ponto de vista, nenhum sistema de ensino, prefiro dizer de educação, conseguirá realizar os seus fins se não os tiver configurado. E as grandes questões residem primeiro que tudo aí.
Porque parto deste princípio, coloco pois aqui o repto. Pelos alicerces. Qual o papel da escola e do sistema educativo, circunscrito aqui, por razões operacionais, à Escolaridade Obrigatória? Ensinar, no sentido tecnocrata de instruir, que era o real conteúdo dos grandes pensadores, progressistas num dado contexto, dos finais do Século XIX, ou formar, no sentido cultural e antropológico que informava o pensamento de Faure e os seus desenvolvimentos?
Apelo então, por recorrência, a outro tópico que aqui foi colocado posteriormente, versando a matéria da inovação. E faço apenas o registo da ambiguidade, pois não é óbvio se os opositores à, ou críticos da inovação, propõem o retrocesso. Eu acho que entram no mesmo pé dos que proclamam inovar, inovar, inovar…, proclamando retroceder… retroceder… retroceder… Nem uns nem outros me parece saberem bem como inovar ou para onde retroceder.
E eu proponho fazer uma pausa para reflectir.
O Caro Amigo consegue reconhecer o seu Alberoni na entrevista aqui recentemente reproduzida? Eu não consigo reconhecer o meu. Algo de ainda insondável se passa.
E quando me refiro a Geografia, estou centrado na súbita e surpreendente atribuição da crise de identidade europeia à intromissão da maquiavélica estratégia dos estados unidos para cercear a coesão cultural da Europa eliminando a memória, que passa a residir nas datas e na gramática. Não existe uma gramática europeia. E o pensamento pedagógico que quer caracterizar traz velhas raízes europeias e sul-americanas, nomeadamente brasileiras, que integram a memória identitária europeia e congregaram a sua coesão.
Não podemos, obviamente, produzir aqui um tratado. Mas, aqui, ou noutro espaço, nem que seja pessoalmente, gostaria de desenvolver consigo estes assuntos. Porque, em acordo ou desacordo, sei reconhecer os meus pares.
Sairíamos das trivialidades e atacávamos a coisa pela raiz e não pela copa.
Há quase vinte anos, a ponderação sobre estas questões foram cerceadas por uma reforma apressada e inconsequente. Por isso permanecemos ainda à «procura da rolha», perdoe-me a expressão.
Manuel
Caro Manuel:
Reconheço em si a pessoa capaz de pensar pela sua cabeça, não se detendo no acessório ( bem pelo contrário), procurando ir fundo às raízes dos problemas.
Infelizmente, não vejo vontade em melhorar a Educação. O sucessivos ministérios da Educação limitam-se em atacar os problemas pela rama e em função das idiossincrasias dos seus titulares e os sindicatos estão ao serviço de interesses meramente laborais dos seus associados e dirigentes (por vezes, muito a despropósito, metendo o nariz onde não são chamados) que se compaginam em tornar os professores numa massa igualitária em que os medíocres se acolhem à sombra daqueles que ainda ousam lutar por uma Educação melhor porque, para isso, queimaram as pestanas em noites insones de estudo.
Desumanizou-se a Educação com a escravidão às novas tecnologias que deviam estar ao serviço do Homem e não a escravizá-lo (para evitar mal entendidos não estou contra as novas tecnologias, apenas da sua substituição pelo esforço de pensar). Pensamento que domina a máquina, como nos diz Brecht, em “O vosso tanque, general, é um carro forte”:
Derruba uma floresta, esmaga cem /Homens,/ Mas tem um defeito /- Precisa de um motorista / O vosso bombardeiro, general, /É poderoso: /Voa mais depressa que a tempestade /E transporta mais carga que um elefante /Mas tem um defeito - Precisa de um piloto./O homem, meu general, é muito útil: //Sabe voar, e sabe matar/Mas tem um defeito /- Sabe pensar
E o pior disto tudo, é que os seus efeitos só se projectam no futuro deixando atrás de si uma geração de verdadeiras cobaias de laboratório de pedagogias em que se fazem experiências, como, se por vezes, elas não fossem o nome que damos aos erros que cometemos, como diria Oscar Wilde. Receio mesmo se não estaremos a entrar na época do “tecnolês”, em analogia com o “eduquês”. O futuro o dirá.
Caro Rui.
Primeiro que tudo, agradeço-lhe, com sinceridade, a generosidade do início da sua resposta, embora peque por óbvio excesso.
E tendo lido com toda a atenção, penso que nos encaminhamos para o âmago da questão, quer quando refere o âmbito político da acção, quer quando tão oportunamente recorre a Brecht.
É exactamente o tópico que devíamos colocar na primeira linha de uma reflexãao, o da alucinação da acção. Invadiu de tal forma e tão subreticiamente o pensamento e também a «praxis», sentimos tanta necessidade de agir e tão depressa, que não somos já capazes de perder um minuto para pensar. A acção gera a reacção, em cadeia, de repente tudo parece um jogo, tu comes-me um bispo com um peão, eu como-te a rainha com um cavalo. E por detrás se estiver um sujeito sereno, pensará: se estivesse aí já tinha dado cheque-mate a qualquer dos dois. Todavia, se estivesse ali, perderia ele também a serenidade.
É ao fim e ao cabo o que se passa no jogo entre políticos e sindicatos.
E nós, que devíamos estar de fora a pensar, quando damos conta já fomos apanhados nas malhas da rede.
Mas, Caro Amigo, temos que nos manter de fora. De fora da alucinação da acção.
Não se faz um Homem num ano, nem em dez. Não tenhamos pressa em formular a solução para um sistema desnorteado. Sejamos diligentes, mas rigorosos.
Um abraço.
Manuel
O negócio que a confusão instalada na "escola" pública tem gerado e os novos mercados que tem facultado justificam tudo o que tem sido feito nos últimos anos. Para se perceber bem daquilo que estou a falar, basta pensar nos grupos que mais perderiam se:
- a escola tivesse uma missão clara como a trasmissão do conhecimento e da cultura conquistados pelas gerações anteriores...!
Seriam os alunos a perder? Não! Os pais verdadeiramente preocupados com o futuro dos seus filhos? Não! Os professores que tentam, com pouco sucesso, sobreviver nesta confusão? Não! Os "cientistas" da educação? Sim! As editoras? Sim! Os "psicólogos" da educaçao"? Sim! As empresas de hardware e software? Sim! Os burocratas da educação? Sim! Os "especialistas" da educação? Sim!
Julgo que talvez, agora, se perceba melhor a teimosia da tal inovação pela inovação, da mudança pela mundança!
Sem o paradigma actual da "escola" pública "inclusiva", "democrática" e "inovadora" quantos grupos de pressão perderiam a sua voz?
Assim, cada vez ouço mais esta expressão: "Filho meu na escola pública? Livra!"
Caro Fartinho da Silva:
Oportuno como sempre o seu comentário, essencialmente, no que tange à degradação a que nos últimos anos se tem assistido no ensino oficial não superior. E que torna a actualidade numa pálida sombra do antigo ensino liceal oficial contemporâneo que deu tantos nomes ilustres à Cultura, à Ciência, às Humanidades, às Artes de um país que deles se deve orgulhar.
Tem-se a Fenprof desunhado, ou mesmo chorado baba e ranho (seja-me desculpado o plebeísmo), contra o ensino não superior privado. Aliás, compreende-se toda esta agitação: não havendo termo de comparação poder-se-á dizer, ou mesmo, afirmar, que tudo corre no melhor dos mundos em que o esforço heróico dos professores competentes e esforçados tenta ocultar pudicamente a nudez de um ensino que se veste de farrapos andrajosos.
Caro Rui Baptista,
Concordo em absoluto. Em nome da esquerda, os sindicatos de professores contribuíram de forma decisiva na construção da "escola" inclusiva mais exclusiva de todas, conseguriam garantir a imobilidade social!
Agradeço os comentários do "anónimo",de José Batista da Ascenção e de João Moreira pelo contributo que me deram para uma relexão pessoal sobre esta temática.
Porque é que os profissionais que definem os programas escolares sempre foram relutantes em aplicar o método cientifico na definição do melhor programa educacional que o estado de conhecimento, tecnologia actual e boa aplicação da mesma permitem?
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